A cortina fechada do auditório guardava um cenário ainda incompleto.
Peças de madeira improvisadas, uma iluminação morna e um silêncio cortado apenas pelo arrastar de cadeiras e passos apressados no palco.
A estreia da apresentação interdisciplinar se aproximava.
E tudo parecia quase pronto.
Quase.
— “A cena da lembrança compartilhada ainda está fraca,” — comentou Ren, segurando o roteiro com dedos manchados de tinta. — “Falta entrega.”
— “Acho que o problema é que ninguém quer sentir de verdade o que tá dizendo,” — disse Yuto, sentado no canto do palco com o violão no colo. — “Principalmente vocês dois.” Ele apontou com o queixo, sem disfarçar, para Leon e Sora.
Os dois estavam em lados opostos da sala.
Kaori, no centro, virava as páginas do roteiro devagar, como se cada palavra pudesse se transformar em algo que ela não estava pronta para enfrentar.
— “Vamos começar de novo a cena três?” — sugeriu Mei, tentando manter a harmonia com um sorriso leve, mesmo sentindo que o ar entre eles ficava cada vez mais espesso.
Sayaka, sentada nas primeiras fileiras, observava Ren. Seus olhos buscavam por algo — talvez reciprocidade. Ou talvez apenas coragem.
— “Se quiserem, eu posso narrar a parte da memória esquecida,” — disse Sora, rompendo o silêncio com a voz tranquila. — “Acho que consigo dar o peso certo.”
Leon ergueu os olhos, fixos nele.
— “A parte da memória... não é sobre peso. É sobre verdade.”
Sora sorriu, como quem ouve um desafio disfarçado.
— “E se minha verdade for parecida com a de alguém aqui?”
O olhar de Kaori vacilou.
— “Podemos tentar,” — ela disse. Baixo, mas firme o suficiente para que todos ouvissem.
No ensaio seguinte, Sora tomou o centro do palco com uma presença quase hipnótica. A luz amarela o envolvia, e sua voz ressoava como se cada sílaba carregasse ecos de algo mais antigo do que ele próprio.
— “Eu lembro de uma garota... que segurava flores nas mãos como se elas pudessem guardar segredos. Mas ela nunca olhava para trás. Como se soubesse que, se olhasse, tudo desmoronaria.”
Kaori sentiu a garganta secar.
Era ficção. Mas não parecia.
Leon não olhava mais o palco. Fixava os olhos no chão. Suas mãos estavam cerradas ao lado do corpo.
— “Essa garota,” — continuou Sora, dando um passo à frente — “tinha olhos que escondiam despedidas. E uma voz... que eu nunca mais consegui esquecer.”
As palavras pairaram no ar.
Pesadas.
Perigosas.
Kaori virou o rosto, fugindo do olhar que Sora tentava prender no dela. Mas já era tarde.
Todos haviam percebido.
Depois do ensaio, os bastidores viraram abrigo de silêncios desconfortáveis.
Sayaka se aproximou de Ren, os olhos inseguros.
— “Você acha que ele tá... forçando alguma coisa com a Kaori?”
Ren demorou para responder.
— “Acho que... ele tá dizendo coisas que Leon nunca teve coragem.”
Sayaka suspirou.
— “Mas nem tudo que é dito com coragem é sincero.”
No corredor vazio atrás do palco, Leon estava encostado contra a parede, ouvindo os sons abafados da movimentação.
Kaori o encontrou ali, sem querer.
Ou talvez quisesse.
— “Você acha que eu deixei ele passar dos limites?” — ela perguntou, encarando o chão.
Leon demorou para responder.
— “Acho que... você não impediu. Isso já diz muita coisa.”
— “Eu não sabia o que ele ia dizer.”
— “Mas você ouviu como se já soubesse.”
O silêncio entre os dois era mais barulhento do que qualquer música.
Kaori se virou para ele.
— “Você queria ter dito aquilo primeiro?”
Leon olhou nos olhos dela.
— “Não.”
Pausa.
— “Eu queria que você soubesse... sem que eu precisasse.”
Ela engoliu em seco.
— “Mas eu não sei.”
— “Eu sei.”
E então ele virou as costas.
Sem dramatização. Sem aviso.
Só foi embora.
Naquela noite, Kaori não subiu ao farol.
Mas o vento parecia soprar dele mesmo assim.
E em algum lugar entre a luz e a sombra, entre o dito e o não dito, a apresentação começava a tomar forma.
Mas os laços do grupo... esses estavam por um fio.
E ninguém sabia ao certo se o palco seria o lugar onde tudo se revelaria — ou onde tudo ruiria.
[FIM DO CAPÍTULO ]
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Atualizado até capítulo 30
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