“Se Eu Esquecer, Me Ensina de Novo”

A tarde seguinte à gincana chegou com um céu nublado e o som abafado dos passos nos corredores da escola.

As provas regulares se aproximavam, mas tudo que se comentava era o resultado da competição.

Na sala do clube de ciências, Kaori estava com um lápis preso entre os dentes, rabiscando ideias para o próximo experimento da turma.

— “Você ainda tá brava porque não ganhamos ontem?” — perguntou Sayaka, sentada de cabeça para baixo no sofá da sala, os pés pra cima.

— “Não. Só... fiquei pensando no que o Leon disse ontem. Sobre não querer ser salvo.”

— “É,” — disse Sayaka, pensativa. — “Mas você quer salvar todo mundo. Não dá pra viver assim o tempo todo.”

Kaori suspirou. — “Eu não tô tentando ser heroína. Só... não gosto de ver as pessoas sozinhas.”

— “Você viu o jeito que ele te olhou no final da prova?” — Sayaka sorriu. — “Se isso não é mudança, não sei o que é.”

— “Mudança assusta,” — respondeu Kaori, de cabeça baixa.

Nesse instante, Arisa entrou devagar, abraçando um fichário contra o peito.

— “O professor Itou pediu pra avisar que vai ter reunião dos grupos da gincana no sábado... tipo um encerramento.”

— “Encerramento?” — Kaori ergueu as sobrancelhas. — “Isso nunca teve antes.”

— “Acho que ele gostou da interação,” — Arisa murmurou. — “E... queria agradecer por ontem. Foi a primeira vez que alguém segurou minha mão sem me achar estranha.”

Sayaka abraçou Arisa com força. — “Você é parte do time agora, garota. E vamos te arrastar até o karaokê depois do encerramento, entendeu?”

Arisa ficou vermelha até as orelhas. — “T-tá bom…”

Na saída, Leon caminhava sozinho até o portão quando Yuto o alcançou.

— “Você tem noção do que fez ontem?”

— “Guiar um bando de adolescentes pela escola como um GPS humano?”

— “Você falou. Com mais de uma pessoa. Em voz alta.”

Leon revirou os olhos. — “Milagre.”

— “E ainda teve aquele momento com a Kaori. Aquilo foi... intenso.”

— “Você presta atenção demais.”

— “Só tô dizendo que talvez não seja ruim deixar as pessoas se aproximarem. Até você tem direito de se importar com alguém, sabe?”

Leon parou por um instante. — “E se eu não souber o que fazer com isso?”

— “Se esquecer... alguém ensina de novo.”

Sábado, no pátio coberto da escola, os grupos estavam reunidos para o tal encerramento. Havia comidas simples, sucos e alguns jogos. O clima era leve, mas havia algo no ar. Uma tensão suave, especialmente entre Kaori e Leon.

Mei, observando de longe, cochichou com Ren:

— “Eles são estranhos juntos. Mas... parece que se completam.”

Ren sorriu. — “Ela faz ele falar. Ele faz ela pensar. É um equilíbrio curioso.”

Perto dali, Kaori ajustava as bandeirinhas de papel no varal. Ao notar Leon chegando, fingiu não ver.

Ele se aproximou devagar.

— “Você não vai me arrastar pra nenhuma atividade hoje?”

— “Não preciso. Você veio sozinho.”

— “É. Culpa sua.”

Ela riu. — “Já é um avanço.”

Leon hesitou antes de falar de novo. — “Sobre o que você disse outro dia. De querer ser salva...”

— “Esquece isso,” — disse ela rápido. — “Foi só um momento bobo.”

— “Não foi.”

Kaori o encarou, surpresa.

— “Eu também não gosto de depender dos outros,” — continuou Leon. — “Mas... talvez seja mais fácil do que viver como uma ilha.”

Ela abriu a boca pra responder, mas foi interrompida por Sayaka, que apareceu com um alto-falante improvisado.

— “Gente! Vamos formar duplas pra próxima dinâmica? Uma dança cega!”

— “Dança cega?” — perguntou Yuto. — “Isso é real?”

— “Alguém da dupla fica com os olhos vendados. O outro guia. Confiança, meus caros!”

Arisa gelou. Ren logo ofereceu-se para acompanhá-la. Mei ficou com Yuto, que fingiu reclamar, mas sorriu no fim.

Kaori olhou para Leon.

— “Eu sei que vai dizer não, mas...”

— “Eu topo,” — ele disse, antes que ela terminasse.

Ela arregalou os olhos. — “Sério?”

— “Confiança, né?”

Kaori amarrou uma fita nos olhos dele. Ele segurou as mãos dela com mais firmeza do que esperava.

A música começou suave. Ela o guiava com passos pequenos. Leon seguia, tenso no começo, depois mais leve.

— “Você tem péssima coordenação,” — ela disse rindo.

— “E você tem mãos frias.”

— “Acho que é nervoso.”

— “Seu ou meu?”

Ela não respondeu. Só apertou os dedos dele.

Ao fim da música, Leon tirou a venda.

— “Foi estranho. Mas... bom.”

Kaori corou. — “Acostuma. Tem mais por vir.”

Ele sorriu. — “Se eu esquecer...”

— “Eu te ensino de novo.”

...“Nem Todo Silêncio é Vazio”...

O domingo amanheceu com céu claro e temperatura amena — perfeito para um plano que, segundo Sayaka, ninguém teria coragem de recusar.

— “Piquenique no parque da colina! Nada de desculpas!” — ela digitava furiosamente no grupo do chat. — “Quem faltar, vai pagar os lanches da próxima vez!”

Kaori leu a mensagem ainda na cama, bufando.

— “Ela age como se fôssemos uma banda de idols.”

Leon respondeu, lacônico:

— “Pior que não é ruim a ideia.”

Kaori digitou e apagou três vezes antes de escrever:

— “Você vai?”

— “Talvez. Se alguém garantir que não vão tentar me forçar a cantar.”

— “Se for só isso... eu garanto.”

Mais tarde, na praça, Ren e Arisa chegaram primeiro, trazendo uma toalha xadrez e um livro de enigmas. Yuto apareceu logo atrás com sua bicicleta e dois sacos enormes de salgadinhos. Mei, com fones no pescoço, trazia frutas cortadas com perfeição. E, como sempre, Sayaka fez sua entrada triunfal pulando a mureta como se fosse o palco de um show.

— “Onde estão os atrasados?” — ela perguntou.

— “Ali,” — disse Ren, apontando discretamente.

Leon e Kaori vinham caminhando lado a lado. Não estavam exatamente próximos. Mas também... não havia espaço entre eles que outra pessoa ousasse ocupar.

Sayaka os observou, de braços cruzados.

— “Eles juram que não são um casal. Mas olha isso.”

Mei riu. — “Ela anda mais devagar quando ele tá por perto. E ele para de olhar pro chão.”

Yuto sussurrou para Arisa:

— “A gente devia apostar quando eles vão se beijar. Eu dou uma semana.”

Arisa, vermelha, só balançou a cabeça. — “Acho que... eles nem perceberam ainda.”

Durante o piquenique, os grupos se dispersavam entre jogos de cartas, conversa fiada e muita risada. Kaori puxou Leon para montar um quebra-cabeça com Arisa e Ren, mas ficou incomodada ao ver Sayaka puxando Leon pelo braço para uma brincadeira de mímica.

— “Vem, você vai adivinhar! É só prestar atenção nos gestos!”

Leon tentava fugir, mas Sayaka era insistente. Ria alto, fazia drama nas encenações.

Kaori nem percebeu que estava apertando demais a peça do quebra-cabeça.

Ren notou.

— “Tá tudo bem?”

— “Claro que tá,” — respondeu seca.

— “Porque sua cara diz que você queria jogar a Sayaka no lago ali do lado.”

Kaori mordeu o lábio.

— “Ela é muito... livre com ele.”

— “Ele parece não ligar.”

— “Esse é o problema.”

Ren sorriu de canto. — “Ciúmes são sinais.”

— “Não é ciúme,” — disse Kaori, rápido demais. — “É... é só que ele parece não perceber quando alguém tá tentando se aproximar.”

Ren olhou para Leon, que ria de algo que Sayaka encenava.

— “Talvez ele perceba. Só não sabe o que fazer com isso.”

Ao fim da tarde, Arisa sugeriu uma roda de perguntas rápidas. Cada um respondia uma pergunta aleatória com sinceridade.

Mei pegou uma das cartas.

— “Pra Leon: qual a última coisa que alguém te ensinou e você não esqueceu?”

Leon olhou de relance para Kaori.

— “A dançar vendado sem cair. É... mais difícil do que parece.”

Todos riram. Kaori baixou o rosto, disfarçando o sorriso.

Sayaka puxou outra.

— “Pra Kaori: o que você gostaria de esquecer, mas não consegue?”

Houve um breve silêncio.

— “O dia em que percebi que gosto de alguém que vive fugindo de todo mundo.”

O grupo ficou mudo por dois segundos.

Yuto quebrou o clima:

— “Isso podia ser música de dorama.”

Leon pigarreou. Kaori olhou para o chão.

Mas ninguém riu.

Na volta, o grupo se dividiu por direção. Kaori e Leon seguiram juntos até o portão da casa dela.

— “Sobre o que você disse lá no jogo...” — começou Leon.

— “Esquece. Eu só quis soar poética.”

— “Não acho que foi isso.”

Ela o encarou. — “Você me confunde.”

— “Você me pressiona.”

— “Porque eu quero que você se importe.”

Ele hesitou.

— “Talvez eu esteja começando a... mas eu ainda não sei o que isso significa.”

— “Tudo bem,” — disse ela, virando-se para entrar. — “Se esquecer...”

— “Você me ensina de novo?” — completou ele.

Ela sorriu. — “Sempre.”

[FIM DO CAPÍTULO ]

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