Na sala de reuniões da diretoria, o relógio na parede parecia mais alto do que todos os pensamentos em voz baixa.
Aylin havia revisado o relatório duas vezes. A terceira leitura era só um hábito — como arrumar os talheres numa mesa que ninguém vai usar.
Lysander chegou sete minutos antes da hora marcada. Como sempre. As asas estavam retraídas, mas uma única pluma iridescente escapava por uma abertura no ombro do terno.
Ele lançou um olhar breve a ela. Não sorria — mas também não estava sério. Era o tipo de expressão que apenas ele parecia dominar: uma serenidade que pesava, mas não esmagava.
— Está tudo pronto? — perguntou, sem rodeios.
— Sim. Os dados foram atualizados ontem à noite.
— Ótimo.
Silêncio de novo. O cômodo era amplo, com uma mesa que mais parecia um campo de batalha polido. Os outros diretores ainda não haviam chegado. Só os dois. Sozinhos.
Aylin sentou-se. Lysander permaneceu de pé, ao lado da janela. O céu nublado criava reflexos no vidro que misturavam seu rosto à cidade lá fora.
— Por que você está aqui tão cedo? — ela se arriscou a perguntar.
— Porque você vem cedo. — Ele não hesitou. — E eu queria ver como o silêncio te tratava depois de ontem.
Ela desviou os olhos. Mas havia algo nela — no jeito como segurava a caneta — que era quase... leve.
— Ontem foi… estranho — ela disse, sincera. — Eu não costumo falar com ninguém daquela forma.
— E o que exatamente você falou?
Ela o encarou.
— Que você me viu.
— E foi mentira?
— Não.
Ele assentiu, como se isso bastasse. Mas então completou:
— Eu vi mesmo.
A porta se abriu, e três diretores entraram falando de prazos e estatísticas. O momento desapareceu como poeira no ar. Mas ele esteve ali.
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Horas depois, Aylin saiu da reunião e caminhou pelo corredor como se as paredes a observassem. Sentia a presença dele, mesmo sem vê-lo.
No elevador, sozinha outra vez, respirou fundo.
Havia algo desajustado dentro dela. Como uma peça que nunca foi encaixada e, de repente, parecia começar a se mover.
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No fim da tarde, ela foi até a varanda de novo. Não esperava vê-lo lá, mas ele estava.
As asas abertas, os olhos fechados, e uma brisa leve mexendo os cabelos com aqueles fios que brilhavam com tons impossíveis.
— Você me seguiu — ele disse, sem abrir os olhos.
— Talvez — ela respondeu, firme.
Ele abriu os olhos e se virou para encará-la.
— Por quê?
Aylin hesitou. Depois se aproximou, parando perto da mesma borda de vidro onde estiveram pela manhã.
— Porque você me perguntou ontem se eu pensei em você. E eu… eu não te perguntei o mais importante.
— O quê?
Ela virou o rosto para ele.
— Você acredita no amor?
A pergunta caiu como um fio de tinta no vidro limpo.
Lysander não respondeu logo. Estudou o rosto dela, como se buscasse o ponto exato onde aquela dúvida havia nascido.
— Não da forma como esperam que ele seja — respondeu por fim. — Mas acredito no que ele provoca. No que ele exige. E no que ele muda.
— Isso é suficiente?
— Pra mim? — Ele se aproximou um pouco mais. — Por enquanto, é.
Aylin assentiu, lentamente. Depois desviou o olhar.
O céu começava a escurecer. As luzes da cidade acendiam aos poucos.
Entre os dois, o espaço era pequeno. Mas carregado.
Ela não disse mais nada. Ele também não. Mas havia um acordo silencioso entre eles agora. Algo que nenhuma ata de reunião registraria.
E o porquê continuava crescendo.
Silencioso.
Perigoso.
Real.
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Atualizado até capítulo 24
Comments
Rukawasfound
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2025-05-12
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