O barulho das engrenagens elevadoras era suave, quase imperceptível. Lysander sempre preferiu os andares mais altos. A visão de cima lhe dava a sensação de controle — de que podia ver tudo, mesmo que não sentisse tudo.
As portas se abriram e ele entrou em sua sala. O escritório era organizado, minimalista. Um pequeno jardim interno, com pedras flutuantes, ocupava o canto direito, lembrando que ali trabalhava alguém que não era apenas humano.
Ele passou a mão pelo cabelo e um feixe colorido brilhou entre os fios dourados. Azul, lilás, dourado — como se pequenos arco-íris se escondessem ali, vivos, pulsando em silêncio.
Sentou-se. Releu os relatórios. Digitou algumas instruções. Mas sua mente vagava.
"Se quiser, posso te escutar mais vezes."
A frase parecia simples. Mas não era.
Ele não era o tipo que fazia convites. Muito menos para pessoas como ela — jovens, inteligentes, levemente desafiadoras.
Ela não era só mais uma funcionária. E isso o incomodava um pouco.
Porque, se fosse, ele não teria notado o leve tremor das mãos dela no início da reunião. Nem o modo como ajeitou o blazer antes de falar. Nem o tom quase firme demais, como se falasse para se proteger.
Ele se lembrava daquele tipo de firmeza. Ele já tivera uma assim.
Lysander levantou-se e caminhou até a janela, as asas se estendendo lentamente pelas aberturas discretas do terno. Elas se moveram com lentidão, como se respirassem.
Do alto, via-se a cidade toda. Caótica, viva, cheia de espécies diferentes vivendo suas próprias realidades. No meio de tudo aquilo, a empresa que ele ajudava a comandar era um santuário de ordem. Mas também, aos poucos, estava se tornando algo mais.
Um lugar onde coisas aconteciam.
Inclusive... sentimentos.
No andar de baixo, Aylin observava Alice organizar os arquivos com energia exagerada.
— Você viu o jeito que ele te olhou, né? — Alice perguntou de repente, sem sequer levantar os olhos dos papéis.
— Quem?
— Lysander. Ele olhou como quem vê uma cor que nunca viu antes. — Alice sorriu. — E você fingiu que não sentiu.
— Alice... — Aylin avisou com um meio sorriso.
— Só estou dizendo, tá? Não me mata. Mas se quiser... — ela ergueu os dedos e fez aspas no ar — “trabalhar em equipe” com ele, eu apoio cem por cento.
Aylin riu, apesar de si mesma. Era bom rir. Principalmente quando o resto da vida pesava tanto.
Enquanto Alice falava sobre um novo projeto, a mente de Aylin vagou por um instante.
Na frase.
No convite.
“Posso te escutar mais vezes.”
Era uma frase simples. Mas... parecia ter sido dita por alguém que nunca disse isso antes.
E isso significava mais do que qualquer coisa.
Horas depois, no fim do expediente, a empresa esvaziava aos poucos. Luzes iam se apagando. Sons diminuíam. O silêncio corporativo que só surgia após às 20h tomava o lugar.
Luciano Couto estava no corredor. Com os braços cruzados, encarando uma tela com dados da produção. Quando Aylin passou por ele, apenas um aceno seco foi trocado.
Nenhuma palavra. Nenhuma pergunta.
Ela já estava acostumada. Mas, por alguma razão, aquilo doía mais naquele dia.
Ao virar o corredor, encontrou Lysander saindo de sua sala.
Ele também parou.
— Senhorita Mendes.
— Senhor Lysander.
Houve um silêncio breve, confortável. As luzes atrás dele criavam um contorno dourado ao redor das asas semiabertas.
— Tem um lugar no terraço onde o ar é melhor pra pensar — ele disse, como quem menciona o tempo. — Se quiser ir algum dia... eu posso mostrar.
Ela assentiu. Com hesitação. Com curiosidade. E, talvez, com um pouco de coragem.
— Eu gostaria.
E então, os dois caminharam em direções opostas. Mas, por dentro, ambos sabiam:
estavam se aproximando.
De algo que ainda não sabiam nomear.
Mas que, no fundo, já os escolhia.
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Atualizado até capítulo 24
Comments
Ming❤️
Me identifiquei muito com a personagem, é como se fosse minha vida retratada.
2025-05-12
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