Tudo começou quando eu ainda era bem pequena…
Eu sou a Gabriela, tenho dois irmãos gêmeos, o Bernardo e a Paulo, e eu nasci depois deles, na segunda vez que a mamãe ficou grávida. Quando eu tinha dois aninhos, a barriga da mamãe ficou grande de novo! Ela dizia:
— Gabriela, você vai ganhar uma irmãzinha!
Eu fiquei muito animada! Eu adorava brincar de boneca, então pensei que ia ser como ter uma boneca de verdade! Quando a Thalita nasceu… nossa… eu lembro até hoje. Eu sentei do ladinho da mamãe e ela colocou a Thalita no meu colo. Ela era tão pequenininha… o rostinho enrugadinho, as mãozinhas miúdas mexendo… Eu disse:
— Oi, bebê… eu sou sua irmã. Eu vou cuidar de você pra sempre, tá bom?
Mesmo falando embolado e do jeito que eu sabia, ela apertou meu dedo como se fosse resposta.
Me apaixonei por ela na hora.
Mas os meus irmãos? Eles nem ligavam! Ficavam brincando entre eles, nem chegavam perto. Meu pai, o Afonso, fez uma cara feia quando viu que era menina. Ele queria outro menino, porque já tinha dois filhos. Mas eu fiquei feliz. Muito feliz.
Quando eu fiz quatro anos e a Thalita tinha dois, eu já era a “irmã mais velha responsável”, sabe? Eu protegia ela de tudo!
— Não encosta nela! — eu falava pra todo mundo — Ela é minha irmãzinha!
Mas... eu não gostava do meu pai. Ele era mau. Ele me batia... e às vezes tentava bater na Thalita também. E ela só era um bebê! Eu ficava na frente dela e gritava:
— Não! Nela não!
Tinha uma pessoa que odiava a gente ainda mais… o vovô Ramiro. Ele olhava pra mim e pra Thalita com uma cara de ódio. Ele só gostava dos meus irmãos gêmeos. Mas o estranho é que a mamãe era a filha preferida dele… ela tinha dez irmãos! Mesmo assim, ele só gostava dos meus irmãos.
A vovó Tatiane… ah, ela era diferente. Ela amava eu e Thalita. Sempre cuidava da gente, mesmo o vovô Ramiro reclamando. E a Bisa Rosângela também morava com a vovó, mesmo o vovô não querendo. Elas nunca deixavam a gente sozinha.
A gente era só criança! Só queria brincar, comer doce, ter abraço… Mas nosso aniversário nunca era uma festa. A mamãe fazia um bolinho simples, e o papai nem ligava. Mas a vovó Tatiane sempre fazia uma coisa especial. Ela colocava balões, cantava alto, fazia panquecas em formato de coração…
A mamãe não gostava muito que a gente fosse tão próxima da vovó. Ela fazia cara feia, cruzava os braços e dizia:
— Vocês estão tempo demais com a minha mãe.
Mas aí… veio o dia que mudou tudo.
Eu e a Thalita estávamos numa aula de etiqueta. A gente estava aprendendo a colocar guardanapo no colo e tomar chá sem fazer barulho. A professora dizia:
— Mãos delicadas, meninas… assim!
De repente… fogo!
Começou um incêndio!
Eu fiquei desesperada! Eu gritava:
— Thalita! Thalita, vem comigo!
Ela tremia, chorava muito. Eu puxava a mãozinha dela e dizia:
— Vai ficar tudo bem, eu prometo!
O fogo não queimou a gente, mas a fumaça… ai… a gente tossia, chorava, tentava respirar. Eu fiquei bem, mas a Thalita ficou doente depois. Por seis meses! Ela tinha medo de fogo. Não podia nem ver vela de aniversário.
Mas uma noite… uma madrugada escura… acordei com gritos!
Explosões!
Bombas dentro da nossa casa!
Um homem com roupa de soldado me pegou no colo e me levou correndo pra fora. Eu me debatia e gritava:
— Minha irmã! Minha irmã tá lá dentro! Deixa eu ir!
— Thalitaaaaa!!
Vi meus pais do lado de fora com meus irmãos. A mamãe chorava muito. E eu gritava sem parar:
— Minha irmã! A Thalita!
E aí… a casa explodiu… tudo voou… eu tapei os ouvidos.
Depois, os soldados procuraram nos escombros… e encontraram a Thalita. Ela tava dentro de um quarto especial de segurança, mas alguém colocou uma bomba lá… alguém sabia que ela ia se esconder ali.
Fomos pro hospital correndo. A mamãe segurava a Thalita e eu fiquei com as perninhas dela no meu colo. Eu alisava o pezinho dela e dizia:
— Não vai embora, tá? Eu tô aqui.
A vovó Tatiane chegou depois e ficou muito preocupada.
O Don da Cosa Nostra apareceu e falou com meu pai. Eles conversaram e foram embora. Eu não entendi nada.
A Thalita ficou em coma por dois meses. Dois meses!
A vovó pediu quando o médico veio falar sobre algumas consequências poderia ter em Thalita:
— Gabriela… não conta nada pra ninguém sobre o que aconteceu. Tá bom?
E eu guardei segredo.
Quando ela acordou, eu chorava de felicidade. Ficava o tempo todo com ela, contava histórias, fazia desenhos.
Mas depois disso… nossa vida ficou ainda mais difícil. A mamãe tava grávida de novo. O papai batia na gente. Mesmo a mamãe não gostando, ela levava eu e a Thalita pra casa da vovó Tatiane.
Um dia… o vovô Ramiro morreu. Eu ouvi a Bisa Rosângela sussurrando:
— Fui eu. Eu matei aquele desgraçado.
E… sabe o que eu senti?
Alegria.
Não medo. Alegria.
Mas nunca contei pra ninguém que eu sabia.
Dois meses depois, a vovó e a Bisa foram embora pra França. A vovó disse:
— Agora estamos livres. Vamos cuidar da empresa da família Amarante.
Só eu e a Thalita tínhamos o sobrenome Amarante. A mamãe odiava isso…
Quando eu tinha sete anos e a Thalita cinco, nossos pais fizeram a pior coisa…
Eles mandaram a gente embora.
Pra França.
Pra morar com a vovó e a Bisa.
Como se a gente fosse nada.
A mamãe não chorou. Não disse “adeus”. A gente tinha uma irmãzinha nova, a Lara. Mas nem deixaram a gente segurar ela.
A Thalita chorava muito no avião. Eu abracei forte e disse:
— Eu tô aqui. Sempre. Sempre.
E foi aí que eu entendi…
Eles nunca foram de verdade nossos pais.
E a única coisa que eu tinha… era a minha irmã.
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Atualizado até capítulo 33
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