[ Pinheiros, São Paulo - Brasil ]
Camila Vasquez | 08:00 AM, Um Dia Depois.
A manhã chegou com a delicadeza de uma brisa antiga, daquelas que nos despertam com cheiro de memória. A luz do sol filtrava-se pela cortina bege do quarto de hóspedes, acariciando minha pele como se tentasse me dizer que estava tudo bem, mesmo quando nada parecia estar. Abri os olhos devagar, tentando entender onde exatamente eu estava. Por alguns segundos, achei que ainda estava em Cannes. Que o travesseiro ao lado seria ocupado por ele. Que o silêncio do quarto era o mesmo que ecoava nossos desencontros. Mas então veio o cheiro de café, misturado com pão na chapa e o som abafado de uma panela no fogo.
Eu estava em São Paulo.
Na casa da Júlia.
No agora.
Sentei na cama, os pés descalços encostando no chão frio. O coração ainda pesava — como se cada batida viesse acompanhada do nome que eu não queria mais repetir. Caminhei até a cozinha devagar, como quem volta a uma versão antiga de si mesma. Uma versão que existia antes de Nicolas Stark, antes de tudo que me desmontou e me fez reaprender a existir em pedaços.
Júlia: Bom dia, dorminhoca — disse Júlia, virando-se para mim com aquele olhar cúmplice que só as amizades de muitos anos conhecem. — Achei que você fosse hibernar.
Camila: Dormi mais do que merecia — respondi, tentando forçar um sorriso. — Ou menos do que precisava.
Ela não perguntou mais nada. Sabia que cada palavra minha era o resumo de uma tempestade. Apenas empurrou uma caneca de café na minha direção, como se dissesse “toma, isso é abrigo”. E era. Tomar café naquela cozinha era como voltar a um tempo em que a dor era mais simples. Em que meu coração ainda não tinha aprendido o que era deixar alguém ir.
Júlia: Vai fazer o quê hoje? — ela perguntou, sentando-se à mesa comigo, os olhos ainda inchados de sono.
Camila: Nada. Só… respirar.
Ela apoiou o queixo na mão e me observou por longos segundos.
Júlia: Tem uma festa hoje à noite, lembra da galera da faculdade? O pessoal vai se reunir num bar novo, lá na Vila Madalena. Só gente legal. Vem comigo?
Camila: Festa, Júlia? Eu mal consegui arrumar minha mala ontem.
Júlia: Justamente por isso. Você precisa se lembrar do que é sentir alguma coisa que não seja dor. Precisa sair desse buraco escuro que esse homem te empurrou.
Fiquei em silêncio. Queria dizer que ela estava certa. Mas também queria dizer que não era tão simples. Que o amor, quando parte, deixa raízes. E arrancá-las dói mais do que admitir que fomos deixadas.
Júlia: Pensa com carinho — ela disse por fim, se levantando para lavar a louça. — Você ainda é linda, Camila. Mesmo carregando esse olhar de quem se perdeu no caminho.
Passei a tarde relendo mensagens antigas. Vi e revi fotos que me arrancaram sorrisos tortos. O vestido que escolhi para a noite estava esquecido no fundo da mala. Vermelho, de tecido leve, quase como uma provocação. Coloquei por insistência da Júlia, que me garantiu que era o tipo de vestido que me lembraria que ainda existia mulher dentro da dor.
No espelho, vi alguém que eu quase não reconhecia. Os olhos mais fundos, o sorriso tímido, mas… havia algo ali. Algo que ainda resistia.
O bar era uma mistura de modernidade e memória. As paredes escuras, iluminadas por luzes pendentes, davam ao ambiente um ar de nostalgia chique. A música estava alta, mas não impedia as conversas. O cheiro de vinho, perfume e juventude preenchia o ar.
Entrei com a Júlia, apertando sua mão como quem pede coragem. Havia pessoas que eu não via há anos. Abraços, risadas, perguntas sobre Cannes, sobre a França, sobre a vida. Respondi tudo no automático. Meu corpo estava ali. Minha mente, nem tanto.
Foi então que ouvi.
— Camila?
O tempo pareceu parar.
Virei devagar, como se pressentisse o impacto antes mesmo de senti-lo. E ali estava ele. Guilherme. O mesmo cabelo despenteado de propósito, o sorriso de canto, os olhos castanhos que um dia foram meu abrigo.
Por um segundo, o ar me faltou.
Camila: Guilherme… quanto tempo — minha voz saiu baixa, quase embargada.
Ele se aproximou devagar, como se não tivesse certeza se podia invadir meu espaço.
Guilherme: Você tá… linda. Diferente. Paris te mudou.
Camila: Cannes. Mas… sim. Acho que sim.
Houve um silêncio estranho entre nós. Não desconfortável. Só carregado de coisas não ditas.
Guilherme: Não imaginei te encontrar aqui — ele disse, cruzando os braços, tentando parecer relaxado.
Camila: Nem eu. Mas a vida… tem dessas, né?
Ele sorriu, aquele mesmo sorriso de quando me fazia rir no meio da aula, escondendo bilhetes por baixo da carteira.
Guilherme: Você… tá bem?
Quis dizer “não”. Quis contar sobre as noites em claro, sobre os abraços que se tornaram ausências, sobre as cartas que escrevi e nunca enviei. Mas apenas assenti.
Camila: Tô tentando ficar.
Ele pareceu entender tudo o que eu não disse. E por um instante, fiquei ali, em silêncio com ele, como duas memórias que se reencontram e se olham de longe, se perguntando se ainda cabem no mesmo tempo.
Guilherme: Quer sair daqui um pouco? O bar dos fundos tá mais vazio. Podemos só… conversar — ele sugeriu.
Olhei para Júlia ao longe, que me lançou um olhar cúmplice e assentiu, mesmo sem ouvir nada.
Camila: Quero — respondi, com uma sinceridade que me surpreendeu.
E ali fomos nós. Dois fantasmas do passado tentando descobrir se ainda podiam ser alguma coisa no presente.
---
[ Lá Californie, Cannes - França ]
Nicolas Stark | 22:00 PM.
Acordei com o peso do silêncio esmagando meu peito. Não era apenas a ausência da Camila — era a sensação de que algo dentro de mim estava sendo arrancado lentamente, como uma ferida aberta que nunca cicatriza. O apartamento ao redor parecia mais vazio do que nunca, mesmo com todas as paredes revestidas de tecnologia e luxo.
Meus dedos tremiam ao tocar o celular. Mensagens não respondidas, chamadas perdidas. O nome dela aparecia a cada notificação, e mesmo assim eu não conseguia me mover para ligar ou escrever. Tinha medo do que uma simples palavra poderia despertar em mim — a mistura caótica de esperança e dor, que eu havia tentado enterrar tão fundo.
Olhei para a janela e vi as luzes da cidade de Cannes piscando lá fora, como estrelas artificiais tentando disfarçar a escuridão real. Queria poder estar lá, do lado dela, segurando sua mão, dizendo que tudo ficaria bem. Mas não podia. Ou talvez não quisesse.
A lembrança da nossa última conversa martelava minha mente: as palavras duras que lancei, a raiva mascarando o medo, o orgulho que nos afastou. Eu sei que a feri, mais do que ela imagina. E no fundo, eu sei que a perdi por isso.
Hoje, quando ela partiu para São Paulo, algo dentro de mim se quebrou de vez. Como se ao vê-la indo embora, eu tivesse perdido mais do que um amor — perdi a única chance de redenção que ainda restava.
Fiquei o dia inteiro no apartamento, encarando o vazio, tentando encontrar sentido em tudo aquilo. Mas não havia sentido. Só a certeza de que minha vida, sem ela, era um espaço frio e imenso, onde o único som era o eco das minhas próprias falhas.
Tentei pensar no futuro, em como recuperar o que foi perdido, mas as palavras me escapavam. Talvez porque o que eu realmente precisava fazer era enfrentar a mim mesmo antes de tentar reconquistar Camila.
E, no meio dessa tempestade de sentimentos, a única coisa que eu queria era ouvir a voz dela. Só isso. Um sinal de que ainda havia algo entre nós, uma chance, uma esperança.
Mas o telefone continuava mudo.
E eu me pergunto: será que ela também sente esse vazio? Será que, em São Paulo, enquanto ela reencontra velhos amigos e tenta respirar de novo, meu nome ainda vive em seus pensamentos? Ou fui apenas um capítulo que ela está tentando fechar?
Não sei.
Mas sei que vou esperar. Porque esperar por ela é a única coisa que me mantém vivo agora.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 31
Comments