[ Aeroporto de Cannes, Cannes França ]
Camila Vasquez | 08:17 AM, Seis Dias Depois
A mala estava mais leve do que eu esperava. Não pelo peso em si — mas porque, pela primeira vez em dias, meu coração parecia menos carregado. Eu havia passado a noite empacotando o básico, ouvindo Elis Regina baixinho no fundo da sala e tentando me convencer de que não era uma fuga. Era só… uma pausa. Uma pausa necessária.
A passagem para São Paulo estava comprada. Três semanas. O suficiente pra respirar ar novo, pra rir com Júlia, pra comer comida com gosto de afeto. Talvez até pra lembrar quem eu era antes de me despedaçar por alguém.
Arrumei o cabelo no reflexo da vitrine do Aeroporto. Uma bobagem. Ninguém ali me conhecia. Mas mesmo assim… era como se eu esperasse que o passado aparecesse a qualquer momento e me visse — inteira, mesmo que só por fora.
Me sentei no banco de metal frio, segurando o passaporte entre os dedos. Havia uma calma estranha na estação. Um silêncio disfarçado de rotina. Famílias se despedindo, executivos olhando o relógio, mochileiros sonhando com outros mundos. E eu, no meio disso tudo, tentando não pensar nele.
Mas é claro que pensei.
O Nicolas.
A semana inteira me pareceu um campo minado, onde cada esquina podia ter seu nome. Aquele tipo de pensamento involuntário — como se o coração tivesse memorizado a silhueta de alguém e vivesse em estado de alerta.
Passei por cafés que costumávamos ir. Entrei na livraria de novo — fingindo interesse por poesia francesa, quando, na verdade, só queria ver se o destino seria cruel o suficiente para repetir o encontro. Mas ele não apareceu.
Ou talvez tenha aparecido e se escondido melhor.
Suspirei, me ajeitando no banco. O trem ainda levaria vinte minutos pra chegar. E, por um momento, pensei em desistir. Voltar pra casa, me trancar no quarto e fingir que essa coragem toda era só cansaço.
Mas então o celular vibrou.
Júlia: O miojo já está na panela. Se você não vier, eu vou até a França te buscar pelos cabelos.
Sorri. Ela era o tipo de pessoa que salvava a gente da gente mesma.
Guardei o celular e fiquei olhando o reflexo na porta de vidro da estação.
Foi aí que senti.
Não sei explicar como. Nem por quê. Mas de repente, minha pele soube. O ar soube. Me virei devagar, como se algo me puxasse. E lá estava ele.
Do outro lado da rua. Parado. De braços cruzados, com os olhos fixos em mim.
O mesmo olhar. O mesmo silêncio barulhento. E uma distância que parecia maior do que dois anos.
Por um segundo, o mundo parou.
Não havia trem. Não havia estação. Não havia ninguém além de nós dois, presos num tempo que já não existia mais.
Mas ele não se moveu.
Nem eu.
Ficamos ali, como duas estátuas que se reconhecem depois de séculos. E, ainda assim, não se tocam.
Ele não sorriu. Nem fez menção de atravessar. Apenas me olhava. Como quem tenta guardar um último retrato antes do adeus.
E talvez fosse isso mesmo.
Um adeus silencioso. Sem palavras. Sem pedidos. Sem promessas.
Me virei de volta, o coração em disparada.
Quando olhei de novo, ele já não estava mais lá.
O trem chegou minutos depois. Entrei sem hesitar. Me sentei junto à janela e encostei a cabeça no vidro. Não chorei. Não dessa vez. Porque, estranhamente, havia paz naquele olhar distante. Como se, finalmente, estivéssemos nos permitindo seguir.
Enquanto Cannes ficava para trás, uma parte de mim ficava também.
E pela primeira vez em muito tempo, eu senti que talvez… só talvez… eu sobrevivesse a isso tudo.
Mesmo sem ele.
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[ Estação de Cannes, Cannes - França ]
Nicolas Stark | 08:30 AM.
Eu a vi antes mesmo de sair do carro.
Ela estava ali — sentada sozinha no banco de metal, abraçada por um casaco bege claro que ela sempre usava quando queria parecer mais forte do que estava. O passaporte entre os dedos, o olhar distante, como se já tivesse partido antes do trem chegar.
Meu corpo inteiro ficou em alerta.
Como se o simples ato de vê-la respirando, real e tão perto, fosse suficiente pra desmontar tudo que levei dias tentando manter em pé.
Camila.
Meu nome na boca dela sempre teve um som diferente. Nunca consegui explicar por quê. Talvez fosse o sotaque leve, ou o jeito como ela não dizia "Nicholas" como quem chama alguém — mas como quem afirma que conhece até o que eu escondo.
E eu escondi.
Escondi mais do que devia.
Foram dias arrastando minha sombra por Cannes, fingindo uma indiferença que só me corroía mais. E agora, ali, parado do outro lado da rua, eu não sabia o que fazer. A distância entre nós parecia pequena, mas era enorme.
Ela me viu.
Eu soube pela forma como se virou — devagar, como quem sente antes de enxergar.
Nossos olhos se encontraram, e por um segundo eu perdi a respiração.
Nada no mundo me preparou pra aquele olhar.
Não havia mágoa. Nem raiva. Só uma ternura exausta, como quem já chorou tudo o que tinha pra chorar e agora só quer seguir.
E foi aí que entendi.
Ela estava indo embora.
Não de Cannes. De mim.
Poderia atravessar a rua.
Poderia correr até ela, pedir desculpas, dizer que fui um idiota, que não soube amar como ela merecia. Poderia dizer que ainda era ela, mesmo depois de tudo.
Mas eu fiquei parado.
Covarde.
Congelado no meu orgulho, no meu medo, na minha incapacidade de abrir o peito e deixar alguém morar ali por inteiro.
Ela virou o rosto primeiro.
E aquilo doeu mais do que qualquer grito.
Minutos depois, o avião chegou.
Vi seu reflexo na janela quando ela embarcou. Por um momento, achei que ela fosse me procurar do lado de fora. Mas não. Ela se manteve firme, olhos para a frente, como quem já decidiu.
Fiquei ali até o último avião sumir da minha vista.
E quando não havia mais nada a ser visto, só então, soltei o ar preso nos pulmões.
Ela se foi.
E eu fiquei.
Com o gosto do arrependimento na garganta e o silêncio latejando feito culpa.
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Atualizado até capítulo 31
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