O silêncio era a primeira blasfêmia. Um silêncio espesso, poeirento, que desceu sobre o amplo salão da Catedral da Nova Aliança Pentecostal como um sudário, abafando o eco do último "Amém!" fervoroso, dos cânticos que ainda vibravam no ar carregado de suor e perfume barato, dos soluços de contrição e dos gritos de êxtase que eram a marca registrada dos cultos do Pastor Jeremias Soares. Agora, apenas o zumbido fraco das lâmpadas fluorescentes no teto alto e o som distante e caótico que começava a subir da rua principal da Praça Seca ousavam quebrar a quietude profana.
Pastor Jeremias permanecia de pé no púlpito de acrílico imponente, as mãos ainda crispadas sobre a Bíblia de capa de couro aberta no livro de Apocalipse, os olhos arregalados fixos na visão inacreditável à sua frente. Onde, segundos antes, se apinhava sua congregação vibrante – mais de quinhentas almas espremidas nos bancos de plástico desconfortáveis daquele antigo cinema adaptado –, agora restava um rebanho esparso, um terço, talvez um quarto do original, olhando ao redor com a mesma expressão de choque bovino que ele sentia congelada em seu próprio rosto.
Os espaços vazios eram mais eloquentes que qualquer sermão. Pilhas de roupas amassadas sobre os bancos – o terninho florido da irmã Judite (sempre na primeira fila, sempre a primeira a "cair no Espírito", sempre a mais rápida em julgar o decote das irmãs mais novas), o uniforme engomado do irmão Ananias (o diácono que controlava as ofertas com um zelo quase fanático), a camiseta de time puída do jovem Kleber (que Jeremias vivia exortando sobre os perigos do funk e das más companhias). Sapatos. Bolsas. Hinários caídos no chão de cimento frio. Ausências. Buracos na realidade onde, um instante antes, havia fervor, barulho, vida.
E ele. Ele estava ali. Pastor Jeremias Soares. O Ungido do Senhor para a Zona Oeste. O homem que garantia, com a certeza trovejante de quem tinha linha direta com o Arcanjo Miguel, que o Arrebatamento era iminente e que ele, e os fiéis que seguissem suas doutrinas (e fossem generosos nas ofertas), estariam no camarote da primeira leva para a Nova Jerusalém. Ele, que descrevera tantas vezes a cena gloriosa da subida dos escolhidos, deixando para trás os pecadores para rangerem os dentes na Grande Tribulação... ele tinha ficado.
Seus joelhos fraquejaram. Agarrou-se ao púlpito para não cair. O microfone, ainda ligado, captou sua respiração ofegante, amplificando-a pelo sistema de som agora exageradamente potente para o salão esvaziado. Ouviu um murmúrio percorrer os poucos que restaram. Viu os rostos se virando para ele, buscando respostas, buscando o líder, o profeta que deveria explicar o inexplicável. Mas o que ele poderia dizer?
Viu ali, na terceira fila, a irmã Zélia, a fofoqueira contumaz da igreja, cujo veneno ele conhecia bem, mas que sempre dava um dízimo gordo. Viu o jovem Rafael, que ele quase expulsara por questionar sua interpretação sobre a proibição de tatuagens. Viu Seu Antenor, que bebia cachaça escondido nos fundos da oficina. Viu Dona Marlene, que todos sabiam que "lia a sorte" nas cartas para as vizinhas. Viu a si mesmo refletido nos olhos arregalados deles – os deixados para trás. Os réprobos. Os que não foram considerados dignos.
E os que foram? Irmã Judite, com sua língua ferina? Irmão Ananias, com sua ganância disfarçada de zelo? Kleber, o funkeiro? Não fazia sentido! A seleção divina parecera um sorteio macabro, uma piada cósmica de mau gosto. Ou talvez... talvez o julgamento fosse muito mais sutil e terrível do que ele jamais pregara. Talvez Deus enxergasse não os pecados óbvios, mas a podridão escondida no fundo da alma, a arrogância, a soberba, a fé usada como escudo para a vaidade...
Um suor frio brotou em sua testa engomada pelo gel fixador. O terno caro, importado, que ele usava como armadura de sua autoridade espiritual, pareceu subitamente pesado, sufocante.
"Irmãos...", ele começou, a voz saindo rouca, incerta, perdendo o timbre poderoso que hipnotizava as multidões. Tentou encontrar as palavras certas, as passagens bíblicas que pudessem oferecer algum consolo, alguma explicação. Mas sua mente estava um branco. O Apocalipse que ele tanto citava parecia agora um manual de instruções incompreensível para uma realidade que desafiava toda a sua teologia. "Irmãos... mantenham a calma... O Senhor... o Senhor age por caminhos misteriosos... Isso é... uma prova! Uma prova para os que ficaram! Para os fortes!"
As palavras soaram ocas, desesperadas, até para seus próprios ouvidos. Viu a dúvida, o medo e, pior, a acusação nos olhos dos poucos que o encaravam. Eles também sabiam. Sabiam que ele, o grande Pastor Jeremias, o arauto do fim dos tempos, tinha ficado para trás junto com eles. Sua autoridade, construída sobre a certeza e a promessa da salvação iminente, desmoronara junto com as roupas vazias nos bancos.
"O culto... está encerrado", ele murmurou, incapaz de sustentar os olhares. "Vão em paz... ou o que resta dela. E... orem. Orem muito."
Deu as costas para o rebanho diminuído e confuso e praticamente correu para a segurança de seu escritório pastoral, nos fundos da igreja. Trancou a porta atrás de si, o som da fechadura estalando alto no silêncio tenso. Encostou-se na madeira maciça, ofegante, o coração batendo descontrolado.
O escritório era seu santuário particular, um contraste gritante com a simplicidade forçada do salão principal. Móveis de couro escuro, um tapete persa (presente de um "irmão" empresário), ar condicionado central, um frigobar disfarçado de armário, e na parede, atrás de sua cadeira de presidente, um enorme quadro a óleo dele mesmo, com a Bíblia na mão e um olhar inspirado para os céus – uma encomenda cara, um tributo à sua própria importância.
Agora, aquele retrato parecia zombar dele. O Jeremias do quadro era o homem de fé inabalável, o escolhido. O Jeremias real, refletido no verniz da mesa de mogno, era um homem de meia-idade, suando frio, pálido, os olhos arregalados de puro terror existencial.
Ele caiu de joelhos no tapete macio. "Por quê?!", gritou para o teto, a voz finalmente explodindo em angústia e raiva. "Por quê, Senhor?! O que eu fiz?! Dediquei minha vida a Ti! Preguei Tua palavra! Construí esta obra! Enfrentei os escarnecedores! Por que me deixaste aqui? Com eles? Com os fracos, os mornos, os pecadores?!"
Esperou por uma resposta. Um trovão. Uma voz vinda dos céus. Qualquer coisa. Mas só o silêncio respondeu, um silêncio que agora parecia pesado, acusador.
Levantou-se, cambaleando. Foi até a Bíblia sobre a mesa, folheando as páginas com mãos trêmulas, procurando desesperadamente por uma explicação, uma brecha, uma profecia esquecida que justificasse sua presença ali. Lia passagens sobre a Grande Tribulação, sobre a marca da Besta, sobre o Anticristo... mas as palavras pareciam distantes, teóricas, desconectadas da realidade brutal do que acabara de acontecer. A teoria do fim do mundo era muito mais organizada do que o caos real lá fora.
Sua mente começou a vasculhar o passado em busca do pecado fatal. Teria sido a vaidade? O gosto pelo luxo que os dízimos generosos lhe proporcionavam? A forma como manipulava as emoções da congregação para conseguir mais ofertas? Aquele caso rápido e secreto com a esposa de um diácono anos atrás, que ele confessara diretamente a Deus (mas nunca ao marido traído)? Ou seria algo mais sutil? A dúvida que às vezes o assaltava nas madrugadas insones sobre a veracidade de tudo aquilo? O pequeno prazer que sentia ao condenar os outros do alto de seu púlpito?
Cada pensamento era uma agulha cravada em sua consciência. O Deus que ele pregava, o Deus justo mas implacável, parecia tê-lo pesado na balança e o encontrado em falta. E o julgamento fora aquele: ficar para trás. Viver o Apocalipse que ele tanto anunciara, mas do lado errado da história.
A noite caiu sobre a Praça Seca, trazendo consigo não a paz, mas um aprofundamento do caos e do medo. Sirenes distantes uivavam. Gritos esporádicos cortavam o ar. O cheiro de fumaça de algum incêndio começou a se infiltrar pelas frestas da janela do escritório. Jeremias continuava ali, encolhido em sua cadeira de couro, a Bíblia esquecida no colo, perdido num labirinto de culpa e pavor teológico.
Foi então que as sombras no escritório começaram a parecer... mais densas. Mais intencionais. A luz fraca da luminária sobre a mesa parecia tremeluzir, projetando formas estranhas nas paredes forradas de diplomas teológicos (alguns comprados, outros reais). Jeremias esfregou os olhos. Cansaço. Estresse.
Mas então, ouviu. Um sussurro. Tão baixo que poderia ser o vento no ar condicionado velho. Mas as palavras... eram suas. Frases de seus sermões mais inflamados, ditas num tom zombeteiro, quase infantil. "Os mornos serão vomitados!", o sussurro pareceu rir. "Os joios serão separados do trigo!"
Jeremias levantou a cabeça, o coração disparado. "Quem está aí?", perguntou para o escritório vazio, a voz um fio.
Ninguém respondeu. Mas sentiu um frio repentino no ar, um frio que não vinha do ar condicionado, mas que parecia emanar das próprias sombras nos cantos da sala. As sombras pareciam se contorcer, alongar-se, quase ganhar forma. E os olhos do seu próprio retrato na parede... pareciam segui-lo com uma expressão de acusação silenciosa.
Estou ficando louco, pensou. É o choque. A culpa.
Tentou rezar, mas as palavras familiares pareciam vazias, sem poder. Sua fé, antes uma rocha inabalável, era agora areia movediça. E sentia que estava afundando.
Foi quando a figura surgiu. Não de repente, mas como se sempre estivesse estado ali, numa das poltronas de couro em frente à sua mesa, oculta pelas sombras mais profundas até aquele momento. Não era um demônio chifrudo saído de uma gravura medieval. Era... elegante. Usava algo que parecia um terno escuro, muito bem cortado, mas que parecia absorver a luz em vez de refleti-la. O rosto era difícil de focar, como se estivesse sempre na penumbra, mas os olhos... os olhos brilhavam com uma inteligência antiga, divertida e completamente desprovida de compaixão. Havia um sorriso quase imperceptível nos lábios finos.
Jeremias ficou paralisado de terror, incapaz de gritar ou se mover.
"Pastor Jeremias Soares...", a voz soou diretamente em sua mente, suave como seda, mas fria como gelo. "O grande líder, o arauto do fim... deixado para trás. Que ironia exquisita, não acha?"
A figura fez um gesto com a mão pálida e de dedos longos. "Aquele que você serve... ou servia... tem critérios deveras... peculiares. Tanta devoção, tanto zelo... desperdiçados. Enquanto outros, tão mais... interessantes... foram levados."
O sorriso da figura se alargou minimamente. "Mas talvez não seja um castigo, pastor. Talvez seja... uma oportunidade."
Jeremias apenas encarava, mudo de pavor.
"Este mundo agora...", a voz continuou em sua mente, "...está órfão. Assustado. Precisando de direção. Precisando de líderes fortes, que entendam a natureza humana não como ela deveria ser, mas como ela é. Líderes que saibam usar o medo, a esperança, a culpa... ferramentas que você, pastor, maneja com tanta maestria."
A figura se inclinou ligeiramente para frente, os olhos brilhando nas sombras. "O tabuleiro foi virado. As regras antigas não valem mais. Há um novo poder em jogo. Um poder mais... pragmático. E ele reconhece o seu valor. Seu verdadeiro valor. Aquele que seu antigo Mestre, em sua... seletividade questionável... não soube apreciar."
A figura estendeu a mão pálida na direção de Jeremias. Não era uma mão ameaçadora, mas convidativa.
"Imagine, pastor. Um novo rebanho. Os deixados para trás. Sedentos por respostas, por ordem, por salvação. E você, guiado por uma força que não se prende a moralismos ultrapassados, pode oferecer tudo isso a eles. Pode construir um reino aqui mesmo, neste mundo abandonado. Basta... aceitar uma nova aliança. Um novo patrocínio."
A oferta pairou no ar frio do escritório. Poder. Controle. Relevância. Tudo aquilo que, no fundo mais sombrio de sua alma, Jeremias sempre desejara, escondido sob o manto da fé. Seu Deus o abandonara. Mas ali, nas sombras, outra entidade lhe oferecia um caminho. Um caminho terrivelmente tentador.
Olhou para a figura sombria, depois para seu próprio retrato na parede – o homem de fé que ele fingira ser. O conflito rasgou sua alma. O medo do inferno que ele tanto pregara lutava contra a amargura da rejeição divina e a sedução do poder terreno oferecido pelas trevas. A resposta não veio. Apenas o silêncio pesado do escritório, o som distante do caos lá fora, e o sorriso enigmático da figura que esperava, pacientemente, pela sua decisão. A verdadeira tribulação do Pastor Jeremias tinha acabado de começar.
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Atualizado até capítulo 28
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