Sombras do Passado
Capítulo 1
A chuva caía fina sobre Vila Sereno, transformando as ruas de paralelepípedo em caminhos escorregadios e brilhantes.
Elisa Moretti apertou o casaco contra o corpo, como se pudesse se proteger não apenas do frio, mas também das memórias que a cidade trazia de volta.
O táxi parou em frente ao antigo casarão da família Moretti, uma silhueta sombria contra o céu cinzento. Ela hesitou antes de abrir a porta, o coração batendo como se tivesse voltado a ser aquela jovem assustada que partira dali anos antes, jurando nunca mais voltar.
— Aqui estamos, senhorita — disse o motorista, sem saber que entregava muito mais do que apenas uma passageira ao passado.
Com passos firmes, mas hesitantes, Elisa atravessou o portão de ferro. O rangido enferrujado soou como um grito abafado, uma súplica antiga que o vento levou consigo.
A casa parecia menor do que ela se lembrava — ou talvez fosse ela que havia mudado tanto.
Lá dentro, as luzes estavam acesas, e vozes abafadas preenchiam o salão principal. A cerimônia de despedida de Helena Moretti reunia rostos conhecidos e julgadores, rostos que Elisa preferiria esquecer.
E então, entre a névoa e o murmúrio, ela o viu.
Gabriel Duarte.
Parado sob o arco da entrada, de braços cruzados e olhos fixos nela. Olhos que pareciam carregar a mesma tempestade que rugia lá fora.
Elisa sentiu o chão oscilar sob seus pés. Não havia preparação possível para reencontrar o homem que havia despedaçado seu coração.
E ela sabia, ali mesmo, que seu retorno não seria uma despedida breve.
Era o começo de algo muito maior — algo que nenhuma fuga poderia impedir.
O Funeral de Helena
O salão da casa Moretti estava tomado por uma atmosfera de pesar e tensão. Velas espalhadas em candelabros antigos lançavam uma luz tremeluzente sobre as paredes cobertas de quadros antigos — retratos sérios de ancestrais que pareciam julgar cada movimento silenciosamente.
Elisa avançou pelo salão com o peito apertado, sentindo olhares se voltarem para ela. Murmúrios surgiam como serpentes invisíveis, sussurrando seu nome misturado a velhas fofocas e suposições cruéis.
Ela não precisava ouvir claramente para saber o que diziam: "A neta ingrata que abandonou a família..."
"...Ela só voltou por causa da herança..."
"...Helena nunca a perdoou por partir..."
O caixão de sua avó, coberto de lírios brancos, ocupava o centro da sala. Ao lado, sua mãe, Lúcia Moretti, permanecia rígida, os olhos secos como se não permitisse a si mesma o direito de chorar.
Elisa aproximou-se devagar.
De pé diante do caixão, uma onda de sentimentos a atingiu de uma só vez — culpa, saudade, arrependimento. Quis dizer algo, pedir perdão, talvez. Mas que palavras poderiam costurar os anos de silêncio e distância?
Respirou fundo e fechou os olhos por um instante, tentando encontrar forças.
Quando abriu, seu olhar cruzou novamente com o de Gabriel, do outro lado da sala.
Ele não parecia o mesmo garoto impulsivo que conhecera; havia uma dureza nova em seus traços, como se a vida o tivesse esculpido à força.
E ainda assim, algo nos olhos dele — uma sombra de dor, talvez arrependimento — fez o coração de Elisa bater mais forte do que deveria.
Ela desviou o olhar rapidamente, irritada consigo mesma.
Isso não muda nada, pensou. Nada.
O padre começou a oração final, e todos baixaram a cabeça.
Enquanto murmurava as palavras conhecidas, Elisa sentiu a presença de Gabriel mais forte do que a fé que tentava evocar. Uma presença que perturbava sua mente tanto quanto confortava seu coração em luto.
E naquele instante, ela soube:
Vila Sereno não permitiria que ela apenas cumprisse seu dever e partisse.
O passado estava apenas começando a sussurrar de volta.
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Atualizado até capítulo 54
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