Melissa não dormiu naquela noite.
As palavras de Gabriel martelavam em sua mente como um eco distante que se recusava a desaparecer.
“Você está perto demais da escuridão.”
“O que vem depois dela.”
“A última luz.”
A frase dele grudara na alma.
Naquela madrugada, sentada à mesa da cozinha com uma xícara de chá frio entre as mãos, ela abriu o laptop e digitou palavras aleatórias:
“seres invisíveis”, “pessoas esquecidas”, “memória seletiva sobrenatural”.
Nada concreto.
Algumas lendas urbanas, relatos mal estruturados em fóruns abandonados, gente falando sobre encontros com figuras que desapareciam depois…
Mas nenhum deles dizia que alguém podia ver o que os outros esqueciam.
Exceto um.
Um relato escondido num blog antigo, escrito por uma mulher chamada Aline, datado de 2016.
Dizia:
> “Vi um homem com olhos como gelo e cabelo de fogo. Ele me disse que estava ali para assistir o fim. Mas depois que ele foi embora, todos pareciam ter esquecido que ele existia. Só eu me lembrava. E depois... eu adoeci.”
Melissa sentiu o estômago revirar.
Era coincidência demais?
Ela clicou para ver mais postagens.
Nada. O blog terminava ali.
Na manhã seguinte, a doceteria parecia mais silenciosa do que nunca.
Os clientes vinham e iam, mas a sensação persistente de estar sendo observada não a deixava em paz.
Ela sentia o olhar dele mesmo sem vê-lo.
Gabriel estava por perto. Tinha certeza disso.
Pudim, seu gato, estava agitado desde cedo. Ficava encarando cantos vazios, as orelhas em alerta.
Em um momento, chegou a arquear o corpo como se tivesse visto algo.
Melissa parou de preparar os biscoitos e seguiu o olhar do gato.
Nada.
Mas a sensação… aquela presença… era real.
Ao fim do expediente, ela fechou a doceteria com um pouco mais de pressa.
O céu estava encoberto, o ar pesado como se anunciasse uma tempestade.
— Você vai me enlouquecer — murmurou para si mesma enquanto trancava a porta.
— Ainda não — respondeu uma voz atrás dela.
Ela girou, com o coração disparando.
Gabriel estava ali, encostado a um poste, com as mãos nos bolsos do casaco escuro.
A névoa da rua parecia girar em torno dele como se o mundo se recusasse a tocá-lo.
— Eu não chamei você — disse ela.
— Mas pensou em mim — ele respondeu, aproximando-se.
Melissa o encarou com os olhos brilhando de raiva e medo.
— O que você quer de mim?
Gabriel a observou por um longo momento.
— Nada. Eu não quero nada. Mas o que vem me buscar… talvez queira.
Um arrepio percorreu a espinha de Melissa.
— O que vem te buscar?
— A parte que me falta — murmurou ele. — Aquilo que sou quando paro de fingir ser humano.
Melissa deu um passo para trás.
— Eu não entendo.
— Vai entender. Um pouco mais a cada dia.
Ele tocou o rosto dela, de leve. A ponta dos dedos era fria como mármore.
— Você está morrendo, Melissa — disse com ternura inesperada. — E ainda assim... me olha como se eu fosse sua última esperança.
Ela sentiu o coração apertar.
— Porque talvez você seja.
Os olhos azuis de Gabriel cintilaram.
— Cuidado com isso.
— Com o quê?
— Esperança demais atrai o que não perdoa.
E com isso, ele desapareceu mais uma vez.
Como um sopro apagado pela escuridão.
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Atualizado até capítulo 41
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