Na manhã seguinte, o sino da doceteria soou da mesma forma.
Clientes habituais, sorrisos automáticos, cafés adoçados e bolos cortados com precisão.
Mas nada estava igual.
Melissa passava o pano no balcão com movimentos distraídos, os olhos sempre voltando para o canto onde Gabriel havia estado.
Ele simplesmente desaparecera.
Sem som. Sem aviso. Como um sopro que se apaga na vela.
Ela pensou que talvez tivesse imaginado. Um delírio, talvez. Algo provocado pelo estresse, pelo medo.
Mas não… ela se lembrava de cada detalhe. Do tom da voz dele. Da frieza na pele. Da forma como ele parecia se encaixar no mundo e ao mesmo tempo… não fazer parte dele.
Gabriel.
Mesmo o nome parecia estranho nos lábios.
Ela tentou buscá-lo nas câmeras de segurança, mas no horário em que ele surgiu… o vídeo travava. Tela preta. Nada.
Uma falha?
Ou algo mais?
Pudim, seu velho gato, passou roçando nas pernas dela como se sentisse a inquietação.
Melissa o pegou no colo, aninhando-o junto ao peito.
— Você viu ele também, não viu? — sussurrou.
O gato apenas ronronou.
No dia anterior, após Gabriel desaparecer, ela passou horas vasculhando a doceteria, como se ele pudesse estar escondido atrás de um balcão, dentro de uma sombra.
Mas tudo estava igual.
Exceto uma coisa.
Um pequeno pedaço de papel, dobrado em quatro, repousava sobre o balcão onde ele estivera.
Melissa só o encontrou ao fechar o caixa, quando os olhos cansados quase deixaram passar o detalhe.
Com dedos trêmulos, desdobrou-o.
Uma única frase, escrita com caligrafia firme:
"Você vê o que os outros esqueceram."
Ela engoliu em seco.
Aquilo não era um sonho.
Ele existia.
E ela era a única que o via.
Mas por quê?
Naquela noite, Melissa não foi para casa.
Fez questão de ficar na doceteria até mais tarde, preparando uma nova fornada de cupcakes, como desculpa para manter as luzes acesas.
Esperando.
Ela queria respostas.
Queria entender quem — ou o quê — era Gabriel.
Mas ele não voltou.
As horas avançaram, o céu escureceu completamente, e a rua ficou deserta.
A única companhia eram as luzes amareladas dos postes lá fora… e o som distante da cidade adormecendo.
Melissa sentou-se na poltrona da varanda dos fundos, com uma manta sobre os ombros e uma xícara de chá nas mãos.
Lágrimas silenciosas escorreram pelo rosto.
Ela não sabia por que se sentia assim. Não era apenas medo.
Era a sensação de que algo dentro dela havia sido despertado.
Algo adormecido por anos.
E, no fundo, sabia: Gabriel não era um homem comum.
Ele era um presságio.
Talvez um aviso.
Ou pior… um reflexo do fim que se aproximava.
Mas mesmo com o coração acelerado e o estômago apertado, uma parte dela — a parte que ainda acreditava em milagres — queria vê-lo de novo.
Porque, mesmo cercado de silêncio, ele a fez sentir algo que a doença ainda não havia conseguido apagar:
Curiosidade.
Expectativa.
Vida.
As ruas estavam cobertas por uma névoa densa naquela manhã.
Melissa acordou cedo, mesmo sem ter dormido direito.
Tinha a sensação estranha de estar sendo observada, mas toda vez que virava para trás, só encontrava o vazio.
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Atualizado até capítulo 41
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