Cael Ferraz,
O tempo passava de forma estranha desde que voltei para casa. As horas pareciam mais longas, os dias mais pesados. A rotina, antes tão cheia de compromissos e responsabilidades, agora se resumia a uma cama, uma cadeira de rodas e a presença cada vez mais sufocante de Lorena.
Ela fazia questão de deixar claro que estava cansada. Impaciente. Mal escondia o desprezo em seus gestos e palavras. Mas naquele dia, algo diferente aconteceu.
Meu celular, que estava desligado há semanas, foi finalmente ligado com a ajuda da funcionária que ainda restava ali. Precisava voltar a ter algum contato com o mundo, e ela, com pena, me entregou o aparelho já carregado.
As notificações vieram aos montes. Chamadas perdidas. Mensagens. E então, uma ligação entrou enquanto eu ainda olhava para a tela, tentando organizar o caos.
Era Marcelo.
Respirei fundo antes de atender.
— Marcelo…
— Cael? Cara, graças a Deus você atendeu! Eu fiquei sabendo do acidente pela sua esposa. Tentei falar com você, mas estava caindo na caixa postal. No entanto, ela não me deu detalhes. Onde você está? Como você está?
A voz dele era cheia de preocupação genuína. Marcelo era mais que meu vice. Era meu amigo. Meu braço direito. Estava comigo desde os primeiros contratos, desde os primeiros erros e acertos. Um dos poucos em quem eu ainda confiava.
— Estou em casa — respondi. — Melhor agora, pelo menos acordado. Mas, a situação não é simples.
Houve um breve silêncio do outro lado da linha.
— Se quiser, eu posso passar aí. Não precisa falar nada agora. Só me diz quando posso.
— Amanhã de manhã. Às dez. Aqui na mansão. Quero conversar com você pessoalmente.
— Fechado. Estarei lá.
Desliguei e deixei o celular sobre a mesinha de cabeceira. Pela primeira vez desde o acidente, senti uma pequena sensação de alívio. Ainda existiam pessoas que se importavam. Ainda existia alguma estrutura além das paredes frias daquela casa. E claro, Lorena só contou minha situação, porque Marcelo deve ter insistido.
Na manhã seguinte, acordei mais cedo. Sem pedir ajuda, consegui me mover como pude para sentar sobre a cadeira de rodas, fui até o banheiro, fiz minha higiene matinal e depois me arrumei. O espelho não devolveu o homem que eu costumava ver. Mas ainda assim, tentei manter a postura.
Quando Marcelo chegou, seu olhar foi direto ao ponto. A expressão dele dizia tudo.
— Caramba, Cael…
— Não precisa ter pena — interrompi antes que ele continuasse.
Ele sentou no sofá à minha frente, me observando com respeito. O silêncio entre nós, por um momento, foi confortável. Ele me conhecia bem demais para se encher de palavras vazias.
— Me conta o que aconteceu de verdade. Porque o que ouvi da sua esposa, foi tudo muito vago.
— Sofri um acidente grave. Um carro veio na contramão, e quando tentei desviar, perdi o controle. Bati de frente. Apaguei na hora. Fiquei desacordado por alguns dias. Quando acordei, descobri isso aqui — apontei para a cadeira. — Não sinto mais as pernas.
Marcelo esfregou as mãos sobre os joelhos, absorvendo cada palavra.
— E os médicos? Existe alguma chance?
— Eles dizem que é improvável. Só que agora… não é nem a parte física que me destrói. É a mente. É acordar todos os dias com a sensação de estar preso em um corpo que não responde. Ter que depender dos outros pra tudo. Isso é doloroso.
Ele assentiu em silêncio. Depois disse:
— E a empresa? Como você quer fazer?
— Eu quero que você assuma. Oficialmente. Fique de frente para tudo. A empresa precisa continuar rodando. Não posso aparecer agora, não assim. Meu estado pode prejudicar nossa imagem, fazer os investidores surtarem. Não quero isso.
— Tem certeza disso? Vai ser difícil esconder por muito tempo.
— Então esconda enquanto puder. Diga que eu viajei. Que estou tratando de uma expansão internacional. Qualquer coisa. Mas mantenha tudo longe da imprensa, dos funcionários, dos conselheiros. Eu ainda sou o nome por trás da Ferraz Group. Ainda sou o CEO. Só não estou pronto pra aparecer. Se acaso falarem do acidente, diga que estou bem, que foi apenas um susto. Não fale da minha condição física, apenas isso.
— Entendido. Vou manter tudo sob controle.
— E por favor, não me trate diferente — acrescentei. — Não me olhe como se eu fosse uma vítima. Ainda tenho minha cabeça funcionando. Ainda posso tomar decisões. E preciso disso mais do que nunca.
Marcelo assentiu mais uma vez.
— Vai receber relatórios semanais, como sempre. Posso mandar um estagiário vir buscar sua assinatura quando necessário, ou você pode assinar digital. O importante é você sentir que ainda está lá dentro.
— Obrigado, Marcelo. De verdade.
— E Lorena… ela está te ajudando?
Me calei por alguns segundos. A vontade era de dizer tudo, de contar cada palavra venenosa que ela me dizia, cada olhar de desprezo, cada gesto impaciente. Mas engoli a verdade.
— Ela está tentando, do jeito dela.
Marcelo não insistiu. Apenas se levantou e me deu um leve aperto de mão.
— Você é forte. Vai passar por isso.
Depois que ele saiu, fiquei sozinho na sala, encarando a porta fechada. A sensação era de ter aberto uma janela de ar puro num quarto abafado. Marcelo era meu único elo com a vida que eu deixei pra trás. E a única pessoa, até agora, que não me olhou com escárnio.
Minutos depois, ouvi passos. Lorena apareceu no corredor, com um copo de suco nas mãos e um olhar entediado.
— Conversou com seu coleguinha?
— Ele é meu sócio — respondi, com calma. — E meu amigo.
— Amigo — repetiu, fazendo uma careta. — Tomara que esse seu amigo não resolva te passar a perna. Vai que você vira um CEO aposentado antes do tempo, né?
Ignorei. A simples presença dela já me irritava. Mas eu não queria brigar.
— Só te aviso uma coisa, Cael — ela disse, se aproximando. — Não adianta tentar parecer forte. Eu sei que você está quebrado. Sei que depende de mim pra tudo agora. Então, baixe essa pose. Você não é mais o homem que era. E talvez nunca mais seja. Não serve pra nada.
Ela virou as costas e saiu da sala.
Permaneci ali, respirando fundo. Não respondi. Não gritei. Só deixei que o silêncio me envolvesse. Eu precisava guardar minhas forças. Usar minha energia com sabedoria. E ela, por mais que achasse, ainda não tinha me vencido.
No final da tarde, pedi à funcionária que me levasse até a varanda. O ar fresco me fez bem. Peguei o tablet que Marcelo tinha deixado e comecei a ler os relatórios do mês anterior. Estava tudo em ordem. Pelo menos, ali, eu ainda era útil. Ainda era necessário.
Quando a noite caiu, voltei para o quarto. Mais uma vez, precisei da ajuda da funcionária para subir na cama. Lorena não apareceu. E no fundo, talvez fosse melhor assim.
Deitado ali, olhando o teto escuro, pensei em tudo que ainda precisava enfrentar. Pensei na empresa. Pensei em mim. Não tinha finais inspiradores. Nem frases prontas de superação. Só tinha a realidade: eu não estava só quebrado, mas destruído.
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Atualizado até capítulo 42
Comments
Dulci Oliveira
tomara que esse amigo não seja amigo da onça
2025-04-27
10
Maria Sena
Nossa autora, estamos só no começo da história e eu já tô com uma vontade terrível de entrar e arrancar tudo o que essa filha do demo tem de postiço, o cabelo, os cílios,as unhas e se duvidar até os peitos. Mas isso acontece mesmo na real, tem mulheres que vivem com os caras só por interesse, aí quando acontece uma desgraça é a primeira a pular fora.
2025-05-03
0
Maria Cristina Mello Francisco
Espero que este amigo seja amigo mesmo e não amigo da cobra pesonheta ele tinha que contratar um enfermeiro e buscar saber sobre o acidente
2025-04-28
1