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Capítulo 3 – A Coisa Dentro do Espelho
O silêncio já não era mais apenas ausência de som — era uma presença. Espessa, densa, viva. Helena despertou com o peito arfando, como se tivesse corrido por horas, mas seus pés não haviam se movido. Suas mãos tremiam. O suor escorria frio por sua nuca. A lembrança da sala de chá ainda pulsava em sua mente — aquela versão distorcida de sua mãe, os dentes como lâminas, o riso que reverberava nos ossos.
Mas agora, ela estava em outro lugar. Um cômodo completamente novo.
Sem janelas.
Sem luz natural.
Apenas espelhos.
Do chão ao teto, todas as paredes estavam cobertas por espelhos antigos, de molduras tortas, algumas corroídas pelo tempo, outras polidas demais, refletindo não apenas sua imagem — mas memórias. Fragmentos. Pesadelos.
Helena ficou em pé, o coração batendo alto demais em seus ouvidos. A primeira coisa que percebeu foi que cada espelho refletia uma versão diferente dela.
Ali, à esquerda, estava Helena com seis anos, segurando um urso de pelúcia, com os olhos inchados de tanto chorar.
Do outro lado, Helena com dezoito, sentada em seu quarto escuro, encarando o nada com uma lâmina na mão.
Mais à frente, Helena já adulta, coberta de sangue, os olhos perdidos, as mãos tremendo.
E em um espelho grande, bem no centro da parede oposta, uma versão que não era ela.
Era... parecida. Idêntica, talvez. Mas havia algo errado.
Os olhos eram completamente negros, fundos como poços sem fundo.
A pele estava sem vida, quase acinzentada.
E o sorriso...
Deus, aquele sorriso.
Um sorriso que dizia: "Eu sei tudo sobre você. Inclusive o que você nega até para si mesma."
Helena se aproximou, hesitante.
O reflexo sorriu mais. E, de repente, moveu-se sozinho.
Sozinho.
O sangue dela congelou.
A outra Helena ergueu a mão, bateu levemente contra o vidro. Um som seco, oco. Um toc toc toc que soava como batidas na tampa de um caixão.
Helena recuou um passo. Depois outro. Mas o reflexo não a seguiu — não exatamente.
Ele começou a bater com mais força. O vidro vibrou. Trincou. Um estalo. Depois outro.
Uma rachadura serpenteou pelo espelho como uma aranha de vidro, correndo do centro até as bordas.
Helena gritou:
— NÃO!
Mas o espelho... explodiu.
Não em estilhaços, mas em líquido. Um jorro escuro, viscoso, como sangue envelhecido misturado a óleo. A sala inteira se tingiu de vermelho. O chão foi coberto por uma poça escorregadia e quente. E de dentro dele... ela emergiu.
A Outra.
A cópia. A sombra. A ausência de alma.
Ela se ergueu lentamente, os membros se esticando em ângulos impossíveis. Cada movimento fazia os ossos estalarem como madeira podre quebrando. Os cabelos grudavam no rosto pálido. Os olhos negros reluziam como poças de petróleo. E a boca... a boca era apenas um risco rasgado demais para ser humano.
— Eu sou você... sem os filtros.
— Sou a que ficou para trás.
— A que você enterrou para continuar respirando.
Helena tentou fugir, mas seus pés afundavam no líquido que cobria o chão. Era como lama viva. Cada movimento puxava seu corpo mais para baixo, como se a casa tivesse decidido que ela deveria afundar ali, junto com suas verdades.
A Outra Helena se aproximou, e a voz dela soava como vidro arranhado.
— Você quer sair? Quer sobreviver? Então me encare.
— Prove que você ainda é real.
As paredes da sala começaram a tremer. Espelhos vibravam. Imagens antigas surgiam — cenas de sua infância, momentos esquecidos, traumas enterrados.
E então, tudo desapareceu.
A cena mudou.
Ela estava... no quarto da infância.
Exatamente como ela se lembrava. O abajur de coelhinhos. O tapete felpudo cor-de-rosa. As prateleiras com livros infantis. A boneca de pano que sua irmã lhe deu no aniversário de cinco anos.
Mas algo estava errado.
A porta estava entreaberta, como naquela noite. Aquela noite. A mais escura.
E debaixo da cama... olhos.
Muitos olhos. Olhos pequenos, arregalados, esbugalhados. Seguidos por mãos. Mãos infantis. Mãos que se estendiam lentamente, como se esperassem alguém. Como se buscassem... ela.
— Você lembra? — uma voz doce, infantil, ecoou pelo quarto.
— Lembra do que fez?
A boneca caiu da estante com um baque seco. A luz do abajur piscou.
— A noite em que sua irmã chorava e você trancou a porta... Porque estava com medo. Porque não queria ouvir.
— Ela gritou por você, Helena. Mas você fingiu que dormia.
Helena caiu de joelhos, lágrimas escorrendo.
— Não... não é verdade...
Mas era.
A cama se virou sozinha. As mãos agarraram seus braços, suas pernas. Garras de lembranças. Vozes de culpa.
E no escuro, entre os olhos e as mãos, surgiu o rosto de sua irmã.
Pálido. Rachado. Sem brilho.
— Você me deixou aqui, sozinha. Agora... é sua vez.
A luz se apagou. O quarto desapareceu.
Ela acordou de novo — ou achava que sim. Estava de volta na sala dos espelhos. Todos quebrados. Todos vazios.
Menos um.
E nesse único espelho... ela não estava sozinha.
Atrás dela, refletido no vidro trincado, uma mão surgia lentamente sobre seu ombro.
Mas quando virou-se... não havia ninguém ali.
Só o toque frio.
E o sussurro:
— Você está cada vez mais perto... da verdade.
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