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Capítulo 2 – Corredores que Sussurram
Helena correu.
Não sabia para onde, não sabia por quê. Apenas corria. Seus passos batiam contra o chão de madeira apodrecida, mas a casa parecia não ter fim. Corredores se estendiam, dobravam, viravam sozinhos como se estivessem mudando de forma, se adaptando ao seu medo. Como um labirinto vivo que a estudava em silêncio.
Atrás dela, os sussurros não cessavam.
— Você está aqui... Você está aqui...
— Ela abriu... Ela abriu...
As bocas nos olhos da menina — se é que era uma menina — haviam parado de falar, mas agora eram as paredes que murmuravam. As rachaduras pareciam lábios. E os quadros? Todos eles agora tinham o rosto dela. Mas distorcido, derretido, chorando sangue.
Helena tentou ligar o celular. Nada. Sem sinal. Sem GPS. Sem tempo.
Virou à esquerda. Uma porta entreaberta a convidava com um rangido lento, como se respirasse. Ela entrou. Era um quarto de criança. Mas não havia brinquedos — apenas bonecas partidas com olhos arrancados e costurados de volta em lugares errados. Uma delas tremia no canto, como se estivesse viva. A outra... a outra sussurrava.
— Eles dormem sob o assoalho.
— Mas agora estão acordando.
O ar estava ficando mais denso. Cada vez mais. Como se o oxigênio estivesse sendo devorado. A lanterna piscou, falhou. Um estalo atrás dela. Virou-se num pulo — ninguém. Mas o chão sob seus pés começou a estufar, como se algo rastejasse por baixo, empurrando as tábuas.
Helena gritou.
Correu de novo, sem pensar. A casa não deixava. Portas se fechavam sozinhas. O teto rangia. E em algum lugar, um piano começou a tocar sozinho. Notas suaves, tristes. Ela reconhecia aquela melodia. Era a canção que sua mãe cantava quando ela era pequena. Mas sua mãe estava morta há anos.
— Helena...
A voz dela.
— Venha me ver. Estou esperando na sala de chá... como antes... lembra?
A voz vinha do andar de cima.
E contra todo instinto, contra toda lógica, Helena subiu. Os degraus gemiam, choravam. Uma das molduras na parede caiu com um estalo, revelando um buraco negro atrás do reboco. Dali, saía o som de risadas infantis. Rindo. Rindo sem parar.
O andar superior era pior. O teto era baixo, as portas, tortas. Algo pingava do teto. Um líquido espesso e escuro. Sangue? Tinta? Não havia como saber. Ela seguiu até uma porta no final do corredor. Porta branca, com desenhos de flores murchas. Era ali.
Sala de chá.
Abriu. E lá estava sua mãe.
Sentada à mesa, sorrindo. Jovem. Como antes do câncer. Como antes de tudo.
— Sente-se, querida. Trouxe chá pra nós. De jasmim, como você gosta.
Helena não conseguia respirar. As mãos tremiam. Sabia que aquilo não podia ser real.
— Você está morta... isso não é... não pode...
A mulher sorriu. E quando sorriu, seus dentes eram todos agulhas.
— Eu morri, sim. Mas você morreu também, Helena. Só ainda não percebeu.
A casa explodiu em gritos.
Helena se virou, tentou correr, mas a porta havia sumido de novo. O chão se partiu em lascas. A mesa virou cinzas. E a “mãe” se levantou, esticando os braços demais, ossos estalando como madeira quebrada.
Ela estava presa.
Na casa. No tempo. No medo.
E a casa ria.
Ria dela.
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