Capítulo 4 – Entrelinhas
A primavera chegou com cheiro de flor no ar e uma nova mania na escola: bilhetes. Eles passavam de mão em mão, escondidos nos estojos, dobrados em corações ou aviõezinhos de papel. Uns eram engraçados, outros bobos, alguns com perguntas inocentes sobre “quem você gosta na sala”.
Pietra não costumava responder. Mas um dia, recebeu um. A letra era conhecida, meio torta, com caneta roxa brilhante.
“Se você tivesse que escolher só uma pessoa pra ficar do seu lado num apocalipse zumbi… quem seria?”
Pietra sorriu. Escreveu de volta no verso:
“Fácil. Você. Porque você ia saber como me salvar.”
Dobrou o bilhete com cuidado e devolveu no estojo de Isabela no intervalo. Elas não falaram sobre isso. Mas naquela tarde, enquanto desenhavam juntas na aula de artes, Isabela encostou o joelho no dela e não afastou.
Na semana seguinte, veio outro bilhete.
“Você já beijou alguém?”
Pietra sentiu o rosto esquentar. Pensou um pouco, depois respondeu:
“Não. Mas às vezes sonho que sim.”
E entregou com o coração acelerado. Isabela leu, dobrou o papel de novo, e não disse nada. Mas no recreio, quando se sentaram juntas no banco do pátio, ela encostou a cabeça no ombro da amiga. E ficou ali. Silenciosa. Quase como um abraço sem braços.
Naquele dia, Pietra chegou em casa e escreveu no caderninho de glitter:
“Tem coisa que a gente sente antes de saber o nome.”
E dormiu abraçada no travesseiro, com a sensação de que o mundo estava prestes a mudar. Devagar. Mas mudar.
O último dia de aula chegou com calor, barulho de ventilador velho e cheiro de lanche misturado com ansiedade. Todo mundo falava das férias, das viagens, dos acampamentos. Pietra só pensava que ia passar muito tempo sem ver Isabela.
Na hora da saída, combinaram de se encontrar no parquinho da pracinha, como nos verões anteriores. Levaram sorvete, chinelo no pé e cabelo preso de qualquer jeito. Riram alto, como sempre. Mas havia algo diferente nos olhares — um cuidado maior, um silêncio cheio de significados.
— Você já pensou… — começou Isabela, mexendo na areia com os dedos — em como seria se a gente depois de adultas juntas de verdade?
— Tipo… morar perto? Ir pra mesmo trabalho sempre?
— Tipo… isso. E mais.
Pietra ficou em silêncio. O coração batia forte, mas ela não sabia exatamente por quê.
Isabela continuou, sem encará-la:
— Porque às vezes eu fico pensando se um dia você vai gostar de alguém. Tipo… gostar mesmo. E se essa pessoa te afastar de eu"
Pietra sentiu o ar ficar mais quente. Pegou a mão da amiga, como já tinha feito tantas vezes, mas dessa vez com mais medo. E respondeu baixinho:
— Eu já gosto de alguém.
Isabela a olhou, séria. Os olhos castanhos, tão conhecidos, pareciam perguntar tudo sem dizer nada.
— É segredo? — ela sussurrou.
Pietra balançou a cabeça, devagar.
— Não pra você.
Elas ficaram ali, de mãos dadas, sentadas no escorregador gasto da pracinha, com os pés descalços na areia e os sentimentos à flor da pele. E então, sem pressa, como quem descobre algo pela primeira vez, Isabela se aproximou e a deu um selinho
Rápido, leve, quase nada.
Mas também tudo.
As duas riram depois, meio sem graça, meio aliviadas.
— A gente acabou de…? — perguntou Isabela.
— Acho que sim — disse Pietra. — Mas ainda somos nós, né?
— Sempre ja acobteceu sem querer quando pequenas lembra?
E naquela noite, quando chegou em casa, Pietra não escreveu nada no caderno de glitter. Pela primeira vez, sentiu que não precisava.
continua
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 31
Comments
Ana Faneco
fofinhas 😍❤️❤️❤️ continuaaaaaaaaaaaaa
2025-05-06
0