Capítulo 3 – A Marca de Sangue

A marca apareceu como uma chama fria na pele de Isadora, entre as clavículas. Um traço vermelho-escuro, em forma de espiral entrelaçada com linhas finas como raízes — viva, pulsante. Assim que Kael terminou o gesto, ela sentiu como se algo antigo e invisível tivesse se entrelaçado à sua essência.

“Está feito”, ele disse com a voz baixa, ofegante. “Agora eles não podem tocá-la sem se queimarem.”

Ela tocou a própria pele com cuidado. Não havia dor. Apenas a sensação de algo sagrado e profano, coexistindo em silêncio.

“O que é isso exatamente?”

“Uma antiga runa de proteção. Proibida, mesmo entre os meus. Para colocá-la, eu precisei ceder parte do meu próprio poder. Ela te protege, mas também... nos liga.”

“Nos liga?”

“Se você morrer… eu também morro.”

O silêncio que se seguiu foi mais intenso que qualquer palavra.

“Por quê?”, ela sussurrou.

Kael desviou o olhar, mas não mentiu. “Porque eu não conseguiria continuar existindo num mundo sem você.”

Isadora não sabia o que responder. Um demônio, uma criatura feita de tormento e sombra, acabara de entregar a própria imortalidade por ela. E, mesmo que quisesse, ela não podia fingir que aquilo não a tocava.

Naquela noite, ela sonhou.

Mas não era um sonho comum.

Estava em um corredor longo e escuro, com paredes cobertas por espelhos rachados. Cada espelho refletia versões distorcidas dela mesma — algumas choravam, outras sangravam, outras sorriam com olhos vazios. No fim do corredor, uma porta vermelha pulsava como um coração doente.

Ao tentar se aproximar, ouviu uma voz.

“Você não devia tê-lo deixado entrar.”

Era a mulher da cafeteria — a mensageira. Ela surgia atrás dos espelhos, multiplicando-se em cada superfície como um pesadelo repetido.

“Ele vai te destruir. Como destruiu todos os outros.”

Isadora correu. Tentou ignorar. Mas a voz ecoava como se estivesse dentro de sua cabeça.

“Demônios não amam. Eles apenas tomam.”

Quando abriu a porta vermelha, o mundo caiu.

E ela acordou.

Kael estava ajoelhado ao lado da cama. Ele parecia tenso, os olhos brilhando mais do que nunca.

“Você gritou.”

Ela tocou o próprio rosto. Estava molhado de suor e lágrimas.

“Foi ela, não foi?”, ele perguntou.

“Sim. Ela falou comigo. No sonho. Disse que você... destruiu outros antes de mim.”

Kael não negou. Mas seu silêncio era diferente de culpa.

“É verdade?”, Isadora perguntou.

Ele se levantou devagar. “Sim. Mas não como você pensa.”

“Então me diga.”

Kael caminhou até a janela, encarando o céu nublado que ainda ameaçava tempestade. “Muitos antes de você cruzaram meu caminho. Alguns me chamaram. Outros eu apenas observei. Havia desejo, curiosidade... mas nunca amor. Nunca essa ligação. Eles queriam poder, vingança, salvação. E eu... dava a eles o que pediam. Mas toda troca tem um preço. E eles não suportavam o peso.”

“Você os matou?”

“Não com minhas mãos. Mas sim, eu os destruí. Com promessas, com verdades que não suportaram. O amor… nunca foi parte disso. Até agora.”

Isadora se aproximou. Tocou o braço dele, e ele tremeu sob o toque.

“Você tem medo?”

Kael virou-se para ela. “Do que eu posso me tornar… sim.”

Ela sorriu, triste. “Então somos dois.”

Naquela manhã, a cidade estava mais cinzenta do que nunca. Isadora decidiu não ir trabalhar. Ficaram em casa, ela e Kael, em um silêncio confortável.

Ela cozinhou. Ele observou, curioso, como se os pequenos rituais humanos fossem um espetáculo ancestral. A forma como ela cortava os legumes, soprava o chá antes de beber, cantarolava sem perceber.

“Você é mais mágica do que qualquer demônio que conheci”, ele murmurou.

Ela riu, com a colher de pau na mão. “E você é mais trágico do que qualquer poeta que já li.”

Mas a trégua não duraria.

Naquela tarde, as luzes da casa piscaram.

O ar ficou denso. A marca no peito de Isadora ardeu, como se algo tentasse forçá-la a se apagar.

Kael arregalou os olhos. “Eles chegaram.”

Um espelho no corredor trincou de repente. Da rachadura, uma sombra começou a escorrer como sangue negro.

Isadora recuou. “O que é isso?”

Kael se posicionou diante dela. “Caçadores de almas. Meus irmãos. Aqueles que recusam a luz.”

A sombra se moldou em uma figura de braços longos e olhos brancos. Ela sibilou algo em uma língua que Isadora não compreendia, mas sentia na pele: raiva, traição, fome.

“Kael, por favor…”

Ele avançou.

O impacto entre Kael e a criatura fez as paredes tremerem. Garras rasgaram o ar. Chamas escuras colidiram com relâmpagos vermelhos. Era como ver a própria guerra dos infernos materializada na sala de estar.

Isadora caiu de joelhos, a marca em seu peito pulsando de dor. Mas não se importava. Tudo o que via era Kael lutando por ela.

Por ela.

Ele gritou um comando. A sombra explodiu em fumaça escura e desapareceu.

A casa ficou em silêncio. Apenas os dois ali. Ofegantes. Quebrados.

Isadora correu até ele. Kael estava de joelhos, ferido, o ombro aberto em uma ferida que fumegava trevas.

Ela o abraçou.

“Eu não vou deixar que levem você”, ela sussurrou.

E ele, com a voz fraca, respondeu: “Já levaram quase tudo, Isadora. Só me resta você".

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