Eu acordei com a coragem que só Deus sabe. O corpo todo moído. Ontem à noite teve um evento da Gucci — e adivinha quem era a estrela da noite? Isso mesmo: eu. A principal modelo do evento. Foram tantas fotos, tantos flashes, tantos famosos querendo me cumprimentar, tantos sorrisos distribuídos… que eu acho que dormi sorrindo. Juro. Minha bochecha ainda tá doendo. Tenho quase certeza de que meu rosto paralisou.
Levantei com o cabelo todo bagunçado, parecendo que um furacão tinha passado só na minha cabeça. Tomei meu banho, vesti minhas roupas — hoje, um look casual-chique, porque eu posso. Não escondo mais minhas curvas. Aliás, algumas dessas curvas foram um presente da ciência e do meu bolso. Lipoled, silicone, aumento no quadril... e o aplique? Vai até a bunda. Eu mesma digo: o dinheiro compra beleza sim. E se bem investido, compra até presença.
Desci as escadas da minha mansão — sim, mansão. Um casarão branco com colunas em mármore italiano, janelas panorâmicas de vidro fumê, jardim de revista, piscina aquecida, spa particular, e um closet que daria inveja na própria Barbie. Uma daquelas casas que, quando eu era pequena, eu via na TV e pensava: “um dia a gente vai morar num lugar assim, mãe.” E agora a gente mora. Há 15 anos.
Na cozinha gourmet, toda planejada, com bancada de mármore preto e eletros dourados da Smeg, lá estava ela: minha mãezinha. Sentada à mesa enorme, com uma cestinha de pães de queijo e o cheirinho de cuscuz no ar.
— Mãe, as empregadas não vieram hoje, não? — perguntei, bocejando enquanto servia café.
— Dispensai, minha filha... hoje é feriado aqui — ela respondeu, no inglês todo tortinho dela, misturado com o português de sotaque do interior.
— E por que a senhora não me chamou pra ajudar?
— Ô minha filha, você tava tão cansada... roncando alto que só vendo. Fiquei com dó de te acordar.
Sentei com ela e começamos a almoçar ali mesmo, numa mistura de café da manhã com almoço. Arroz, ovo frito, salada, cuscuz com carne seca... coisa que nenhuma chef estrelada faz igual.
— A senhora ainda se enrola com o inglês, né?
— Ah, minha filha... você que sempre foi a inteligente da casa. Sempre entendeu tudo rapidinho. Até hoje eu me atrapalho com esse povo falando depressa demais.
— Pois é, QI acima da média. Nunca foi sorte, sempre foi inteligência.
Ela riu, e eu também. Era bom estar ali. Era bom olhar pra ela e saber que eu tinha conseguido. Que eu dei pra minha mãe a vida que ela sempre sonhou, sem nunca precisar pedir nada pra ninguém. Nem pra homem. Nem pra ricaço. Nem pra empresário querendo vantagem.
Terminei de comer, troquei de roupa e fui trabalhar. Porque a vida de uma empresária não para. Adivinha onde? No meu estúdio de moda e fotografia: Lilas & Moda. Um império. Meu império.
Criei ele do zero. Com o meu dinheiro. Com os meus olhos — sim, os mesmos olhos lilases que chamaram a atenção de um olheiro, anos atrás. Mas, claro... nunca esqueço quem foi o primeiro a ver esses olhos. Quem viu antes de todo mundo. Mas quando esse nome tenta aparecer na minha cabeça, eu mesma dou um chute mental e expulso. Não vou cair nessa armadilha de novo.
Minha secretária, Fernanda, me mandou mensagem dizendo que estavam faltando fotógrafos no estúdio. E que uns nomes novos tinham surgido, nomes interessantes. Mas eu tô tão ocupada hoje, que talvez só passe lá rapidinho, dê uma olhadinha, e depois volte pro escritório resolver o resto.
Cheguei no estúdio.
Ah, o estúdio... o meu verdadeiro templo. Piso preto brilhante, paredes em cimento queimado com painéis de LED que mudam de cor conforme o clima do dia. Uma recepção espelhada, com um letreiro em neon dizendo “Be bold, be lilas.” E ali, atrás das cortinas automáticas, estão os três sets de fotografia principais. Cada um com iluminação controlada por inteligência artificial, fundos intercambiáveis, armários de figurino e maquiagem assinada por marcas de luxo. Modelos andando de um lado pro outro, estilistas correndo com tecidos, fotógrafos ajustando lentes.
É um caos organizado. E eu sou o centro dele.
Porque aqui... aqui eu sou a Joyce. Não a garota da escola que ninguém olhava. Não a filha de mãe solteira que vendia trufas na rua. Aqui, eu sou o nome. O rosto. A marca.
E hoje, mais uma vez, vou mostrar pra todo mundo o que significa ser Lilas & Moda.
Assim que eu entrei no estúdio, o burburinho cessou por alguns segundos. Era sempre assim quando eu aparecia. Os funcionários todos deram bom dia quase em coro, alguns com sorriso, outros com aquela reverência de quem sabe quem manda ali. Eu apenas acenei com a cabeça, confiante, segura, e caminhei direto até a sala envidraçada que dava vista pro set principal.
Fernanda, minha secretária, já estava me esperando com uma pasta nas mãos e a típica expressão de quem quer falar tudo ao mesmo tempo.
— Joyce, aqui estão os dois nomes dos fotógrafos que a gente selecionou pra aquele projeto nos Estados Unidos, lembra?
Peguei a pasta da mão dela sem muita cerimônia. Comecei a folhear. Um dos nomes: Enzo Fotografia. E, logo abaixo, Edu - assistente. Sem fotos. Nada além de um currículo resumido e referências. Mas eram boas. Eram ótimas. Uma sequência de trabalhos com elogios absurdos.
Não tinha imagem, não tinha sobrenome. Só tinha competência.
E eu? Eu nem me dei o trabalho de perguntar mais.
— Esse aqui tem a minha cara. Pode contratar — falei, entregando a pasta de volta pra Fernanda.
Mas agora, chega.
Agora eu vou começar meu dia de trabalho, finalmente.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 30
Comments