O estúdio estava mergulhado no silêncio confortável das noites em Nova York. A luz amarelada da luminária de mesa refletia nas fotos espalhadas pela bancada. O cheiro de café requentado misturado com o leve aroma de produtos químicos usados na revelação de fotos preenchia o ar. Eu estava ali, como sempre, sozinho, revelando alguns arquivos. Sentado na minha cadeira preferida de couro desgastado, o som do clique do mouse e do leve zumbido do computador me faziam companhia.
Foi quando aconteceu. Eu revelei uma por engano. Uma foto dela. Uma foto da nossa adolescência. Provavelmente, quando eu estava revendo aquelas fotos no computador, devo ter baixado essa junto com outras. Não era pra estar ali. Mas ali estava. O sorriso dela. Os olhos lilases — sim, os mesmos olhos que eu sabia que fariam sucesso um dia.
Fiquei parado por longos segundos olhando praquela imagem. Não sabia se queimava, se jogava fora, ou se guardava em uma caixinha, trancada num cofre, pra nunca mais ser tocada, nunca mais ser olhada, mas guardada como um tesouro. Pensei em simplesmente descartá-la, quem sabe pra tentar me esquecer dela. Mas era inútil. Toda vez que vejo alguma foto dela, meus olhos enchem de lágrimas. Por isso evito. Evito saber qualquer coisa dela na mídia. Desde que ela fez sucesso.
Sempre que tem algo sobre ela em algum canal, em alguma entrevista, em algum programa, eu desligo a TV. Me levanto. Saio. Finjo que o mundo parou. Que não existe mais Joyce. Que não existe mais o que eu perdi. Porque lembrar dela... olhar praqueles olhos... me destrói.
Me faz lembrar do idiota que eu fui.
Senti meus olhos se encherem de lágrimas. De novo. Por lembrar da besteira que cometi. Do quanto fui babaca. Do quanto apostei com meu melhor amigo os sentimentos dela. Do quanto parti um coração puro. Do quanto desperdicei o amor da única mulher que eu jamais conseguiria esquecer.
A porta do estúdio se abriu de repente. Eduardo entrou. Sim, Eduardo. Aquele meu amigo idiota. Carregando duas sacolas de supermercado e com cara de quem passou por um furacão.
— Lorenzo... — ele largou as sacolas na bancada — Toda vez que eu entro aqui, me bate aquele déjà vu dos velhos tempos.
— Bons ou ruins?
— Os dois — ele sorriu de canto.
Eu dei um suspiro e voltei meus olhos pra foto. Ele percebeu.
— Você imprimiu essa foto?
— Sem querer. Estava entre as outras.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos. Depois suspirou.
— Você ainda sente, né?
— Claro que sinto, Eduardo. Você me viu quebrado. Com 18 anos, caído nos campos, bêbado. Abandonado por minha mãe. Sozinho com meu pai. Você viu o que me tornei.
— Eu achava que era só uma brincadeira. Que você tinha defendido ela por... sei lá, implicância. Não achei que você tava apaixonado de verdade. Achei que era só mais uma zoeira.
— Pois é. A feia da escola. Aquela que a gente apostou quem conseguiria conquistar primeiro. Que tipo de idiota faz isso?
— Dois idiotas — ele murmurou —. Eu e você.
Ficamos em silêncio. O som distante de buzinas vindo da rua preenchia os espaços entre nós. O estúdio era pequeno, aconchegante. Tinha paredes de tijolos aparentes, uma estante com algumas câmeras antigas, e um cheiro constante de papel fotográfico e café frio. Era o lugar que construímos juntos. Onde montamos nosso pequeno negócio de fotografia. E mesmo pequeno, meu nome começava a ganhar espaço. Fui chamado para esse trabalho nos Estados Unidos, e aqui estou. Três meses.
Eduardo se encostou na parede e cruzou os braços.
— Lembra quando a gente brigou feio? — ele perguntou, mexendo distraidamente em uma lente da prateleira.
Assenti. Como esquecer?
— Claro. Foi quando eu descobri que meu pai tinha perdido tudo. Toda a fortuna. Toda a estrutura. E você ainda não sabia. Achei que você tinha mentido pra mim. Que tinha escondido. Eu tava um caos... e descontei em você.
— E eu também fui um imbecil, não vou negar — ele disse com um suspiro —. Demorei pra entender o tamanho da bomba. Quando meu pai me contou que os dois tinham falido juntos... que o império tinha ido embora... eu fiquei sem chão. E foi naquele momento que percebi que você era a única pessoa que eu ainda tinha. Que me restava.
— Foi o fundo do poço. Mas também foi quando a gente se reencontrou.
— Há 15 anos... — ele disse, como se só agora percebesse a quantidade de tempo que passou.
— Quinze anos desde que perdemos tudo. Quinze anos desde que recomeçamos. Mas algumas perdas, Eduardo... nem o tempo cura.
Ele me olhou com pena, mas sem dizer nada. Já tinha insistido muito pra eu tentar outro relacionamento. Mas não adiantava. Desde que Joyce se foi, ninguém mais preencheu esse espaço. Era como se só existisse ela. Como se meu coração tivesse sido moldado pra caber só ela ali dentro.
Depois de um tempo, Eduardo disse que ia fazer algo pra gente comer. Disse que eu precisava alimentar o corpo pra tentar acalmar o coração. Fiquei ali. Sozinho. Me levantei. Fui até a varanda do apartamento.
A noite estava fresca. O céu estrelado. O cheiro das árvores lá embaixo misturado com o asfalto quente ainda subia até aqui. Sentei na cadeira, respirei fundo.
Pensei nela.
Na forma como ela sorria sem mostrar os dentes. No jeito que ela mexia nos cabelos. No som da risada dela. No abraço. No beijo. Em tudo que eu perdi.
E chorei.
Porque ainda dói. Porque ainda amo. Porque sei que nós dois nunca mais seremos os mesmos. Porque não importa quanto tempo passe, eu nunca a esqueci.
E aquela foto... aquela simples foto impressa sem querer... foi o suficiente pra me desmoronar de novo. Pra fazer tudo voltar. A dor. A saudade. O arrependimento.
Porque mais do que ter sido rejeitado, eu fui um covarde. Um idiota. Um garoto babaca que apostou com um amigo o amor da mulher da vida dele.
E perdeu tudo.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Angela S Silva
aff Maria 15 anos já gente, e nenhum dos dois seguiu arrumou outros amores
2025-04-28
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Marileiva Rocha
Também acho que 15 anos foi muito tempo, mas para ficarem separados, não para o amor morrer.
2025-04-30
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