Depois da Tempestade (Livro 2)

Depois da Tempestade (Livro 2)

depois de 15 anos Joyce

Era uma noite silenciosa. Daquelas em que tudo ao redor parece estar dormindo, menos a minha cabeça. As luzes suaves do abajur derramavam um tom dourado pelas paredes claras do meu quarto. As cortinas de linho balançavam levemente por causa da brisa que entrava pela janela entreaberta. Eu estava ali, sentada na poltrona ao lado da cama, com um exemplar gasto da trilogia Acotar entre as mãos. A mesma edição que li pela primeira vez com ele. Ainda lembro o cheiro das páginas quando Lorenzo me emprestou o primeiro volume.

Minha vida mudou tanto durante esses quinze anos. Tanto.

Fechei o livro por um momento, pressionando os olhos com os dedos. Quando a saudade batia, ela não pedia licença.

Me lembrei exatamente do dia em que tudo começou a mudar. Eu estava andando com a minha mãe pela rua, voltando da feira. A sacola dela estava rasgando, e eu reclamava do calor, da fome, do mundo. Quando um homem me parou. Um olheiro da Vista Models. Ele ficou parado por um tempo, encarando meu rosto. E então disse:

— Seus olhos… São como laços. Você já pensou em modelar?

Na hora, achei que fosse uma piada. Ou algum tipo de golpe. Mas o cartão dele era verdadeiro. Ele representava uma das maiores agências de Nova York. A Vista Models, famosa por descobrir beleza onde o mundo via "estranho". Eles não buscavam perfeição. Eles apostavam no autêntico. E, por algum motivo, viram isso em mim.

Depois daquele dia, tudo mudou.

Eu comecei a fazer testes. Aprendi a desfilar, a posar, a manter o olhar firme diante das câmeras. Dei entrevistas, fui chamada para campanhas. De repente, meu rosto estava estampado em revistas que minha mãe só folheava nas bancas. A gente ria juntas no começo. Mas quando o dinheiro começou a entrar, quando a casa mudou, quando o aluguel deixou de ser uma preocupação… Ela chorou.

Minha mãe. A mulher mais forte que conheço. Não é mais costureira. Não precisa mais passar noites costurando roupas alheias para pagar contas atrasadas. Hoje ela tem uma casa linda, vive em paz, cuida do jardim e assiste às novelas antigas que ama. E tudo isso, eu consegui dar pra ela. Graças aos meus olhos — os mesmos que Lorenzo viu primeiro.

Mas não. Eu não quero pensar nele.

Sacudi a cabeça, tentando afastar o pensamento. Só que era inevitável.

— A primeira pessoa que reparou nos meus olhos foi ele. — murmurei para mim mesma, com a voz falha.

Foi naquela biblioteca. Lorenzo tirou meus óculos de um jeito irritante, como ele sempre fazia, só pra me provocar. E então ele parou. Ficou olhando. Seus olhos encontraram os meus como se tivesse visto algo raro.

Mas tudo aquilo foi uma farsa, não foi? Eu repeti isso pra mim por anos. Que ele só se aproximou por causa daquela aposta idiota. Que tudo não passou de um plano para me humilhar. E mesmo que uma parte de mim tivesse visto verdade no olhar dele, no toque dele… Não importava. O dano já tinha sido feito.

Fechei os olhos por um segundo.

Quinze anos. Quinze anos desde que ele quebrou meu coração. E mesmo assim, foi o único homem que beijei. Que me tocou. Que me fez sentir algo.

Fui cortejada por atores, diretores, empresários. Eu sorri, fui educada, tirei fotos, fiz o jogo da mídia. Mas nunca deixei ninguém se aproximar de verdade. Nunca mais.

Eu foquei na carreira. E isso me trouxe ao topo.

Hoje eu sou conhecida mundialmente. Faço parte das maiores campanhas. Já desfilei em Paris, Milão, Tóquio. E mais do que isso… Eu construí meu próprio império. A Lilás Models. Nome escolhido por mim, claro. Em homenagem à cor dos meus olhos. Aqueles que abriram portas, que me trouxeram até aqui.

A Lilás Models é mais do que uma agência. É um estúdio de fotografia, é uma casa para novos talentos. Modelos que, assim como eu, não se encaixavam nos padrões. E hoje brilham. Eu criei algo meu. Algo que ninguém pode tirar de mim.

Meu celular vibrou em cima da mesinha. Ignorei.

Voltei o olhar para o livro no colo. A página que eu lia antes ainda falava sobre redenção. Sobre segundas chances. Sorri, amarga.

— Redenção, hein? — sussurrei. — Será que ele teve?

Será que Lorenzo mudou?

Será que ele conseguiu pagar a dívida do pai? Será que ele encontrou alguém? Será que foi feliz?

Respirei fundo. Fechei o livro.

— Eu espero que ele esteja bem… — falei para o silêncio. — Espero que tenha formado uma família. Que a mulher que ele escolheu não tenha feito com ele o que ele fez comigo. Que tenha dado amor. Paz.

E talvez… só talvez… ele ainda pense em mim. Nem que seja uma vez por ano.

Mas isso não importa mais, não é?

Sou feliz assim. Ou pelo menos aprendi a ser. A sorrir para os flashes, a assinar contratos milionários, a dar conforto para quem me deu tudo. Minha mãe.

Mas lá no fundo… ainda existe um espaço vazio. Um espaço com nome e rosto.

Lorenzo.

E por mais que eu tente negar… toda vez que abro esse livro, é dele que eu lembro. E do que poderia ter sido.

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