Lily

Pela manhã desperto sem meu marido na cama, ele foi correr. Donovan faz isso desde sempre. Vou até o lugar que deveria guardar sapatos, um cômodo estreito e longo, Alexia sempre trás sua cama que dobra fácil e um colchão fino monta ali e dorme confortavelmente.

— Amiga, podemos conversar enquanto preparo o café?

Alexia tateia a mão pelo chão à procura do celular e quando encontra abre apenas um olho para ver a hora. Assim que consegue se senta na cama de olhos fechados e resmunga:

— São nove horas da madrugada, por que está me acordando às nove da madrugada?

— Tenho fofoca.

— Quero meu café com duas colheres de açúcar… vamos logo. — Ela se levanta e sai me empurrando na direção da cozinha.

Alexia ama uma fofoca, sei que não tenho nenhuma para contar, mas esse é o único jeito de fazê-la despertar mais rápido.

— Lily, isso não é fofoca, é burrice!

— O Don só quer que tenhamos uma vida melhor, amiga. Quando viemos morar juntos ele queria um filho assim que fizéssemos um ano morando juntos… por causa da nossa renda isso ainda não foi possível.

— Lily, são quinhentos dólares, seus pais não estão com uma situação financeira diferente da sua.

— Alexia, meus pais tem casa própria, nós não. Isso faz um grande diferencial.

— Pensou no fato de que vocês podem não ganhar e ter uma dívida de quinhentos dólares com seus pais? — Alexia cruza os braços e espera minha resposta.

— Eu trabalho no turno da noite na fábrica e pago eles no próximo mês!

— Uma semana trabalhando em dois turnos vai mesmo valer a pena por algo que talvez seja um desastre?

— Minha esposa sabe o que está fazendo, Alexia! Se não vai ajudar, faça o favor de não se meter. — Don chegou da sua corrida matinal.

— Não precisa falar assim com ela, Don. Alexia só quer o meu bem.

— É, bem isso, e parece que eu sou a única.

Alexia fala e sai da cozinha. Eu encaro Donovan que mostra claramente nenhum remorso pelo que falou e também não vai pedir desculpas para a minha amiga.

Ela acaba indo embora uma hora depois dizendo que vai visitar a tia dela. Sei que foi embora por causa do Donovan, eu não queria aquilo.

Fomos almoçar com os meus pais, ele me olhava a cada cinco segundos e fazia um sutil sinal para os meus pais. Até que fingiu sair da casa para uma ligação e me enviou uma mensagem dizendo que já estava na hora. Com as mãos trêmulas guardo o celular e olho para os meus pais.

— Pais, eu sei que as coisas andam financeiramente complicadas para vocês, mas… poderiam me emprestar quinhentos dólares?

— Nossa, quinhentos dólares? — Meu pai Irian pergunta.

— Querida, tenho esse valor guardado caso tenha alguma emergência com o seu pai. Posso te emprestar sim, só não demora para devolver, como eu disse é para uma emergência. — Meu pai Max fala calmamente.

— Filha, para que você precisa de quinhentos dólares?

— Eu… — Fico em silêncio, não quero mentir para os meus pais.

— Deixe a menina em paz, Irian. Se fosse algo que ela se sentisse confortável de falar teria nos contado antes de pedir o dinheiro. Não ligue para o seu pai, filha.

Meu pai Max se levanta e vai até o quarto, Donovan volta e se senta ao meu lado. Quando meu pai Irian parecia querer falar algo meu pai Max volta com o dinheiro e coloca nas minhas mãos.

— Prontinho, querida, agora vamos comer torta com sorvete? Está uma delícia, eu já provei.

Depois de duas horas na casa dos meus pais voltamos para casa. Donovan estava animado, não parava de contar as cinco notas de cem nas suas mãos.

— Amor… — chamo sua atenção um pouco indecisa — Acho melhor devolver esse dinheiro para os meus pais.

— Por que eu faria algo tão estúpido, Lily? Não vê que a chance de mudar nossas vidas está nesse exato momento nas minhas mãos?

— Porque meus pais podem precisar desse dinheiro e talvez não tenhamos para devolver!

— Seja mais positiva, amor. Eu tenho a sequência de números perfeita, vamos ganhar e vamos devolver esse dinheiro para os seus pais.

Donovan guardou o dinheiro na carteira dele, me senti péssima. O fim de semana acabou, eu fui trabalhar na segunda de manhã muito desanimada. Donovan por outro lado parecia um sol de tão radiante, ele estava mesmo confiante que nós poderíamos ganhar trinta milhões de dólares.

— Fez o que o seu marido queria?

Alexia surge atrás de mim enquanto eu estou guardando minhas coisas no meu armário. Fecho meus olhos e seguro a porta com firmeza, tento responder de uma forma que ela entenda minha situação:

— Amiga, eu realmente queria seguir o seu conselho, mas eu também sinto que está na hora de mudar minha vida com o Don, quero ter um bebê para amar e cuidar. Quero ser a mãe para o meu filho que a Jéssica não foi para mim… você entende?

— Infelizmente sim, amiga! Eu só não queria estar certa sobre uma coisa…

— Sobre o que?

— Talvez as coisas não aconteçam do jeito que você imagina… mas isso não importa porque eu vou estar lá com você quando tudo estiver desmoronando.

Ela se afasta e um grupo de colegas de trabalho nos cerca interrompendo nossa conversa.

Donovan compra o bilhete, ele fica animado e diz que em dois dias sairá o resultado. Esses dois dias passaram voando e eu não acreditei quando Donovan abriu o site e nossos números estavam lá.

Comemoramos juntos, na manhã seguinte ele disse para mim ir trabalhar e não contar para ninguém sobre o dinheiro. Disse que teria que ir buscar sozinho porque estava no nome dele o bilhete.

Não estranhei, no trabalho contei apenas para Alexia que tínhamos ganhado o valor mais alto. Ela disse que se fosse com ela não iria trabalhar, mandaria o dono da fábrica enfiar o emprego onde o sol não bate e esperaria pelo marido em casa.

Por um momento ela parou de rir e seu rosto ficou nublado de pensamentos. Ela se afastou e voltou para sua função. Achei estranho esse comportamento.

Cheguei em casa, mas estava estranhamente silencioso. As luzes apagadas e nada do Donovan, tentei ligar pra ele e só dava desligado. Quando cheguei no quarto vi a porta do guarda-roupa aberta, era onde ele guardava seus documentos e a última lembrança do seu pai, umas fotos antigas.

Não tinha mais nada ali, na cama um bilhete:

— “Espero que você tenha uma boa vida, eu realmente te amei por um bom tempo, mas ter uma vida ao seu lado não é mais para mim. Deixei os quinhentos dólares para você pagar seus pais em cima da mesinha… Adeus, Lily.”

Adeus, Lily? O que está acontecendo? Que dor é essa dentro de mim? Tem algo se partindo e está fazendo um barulho alto. Minhas pernas não respondem e eu caio de joelhos no chão.

— Lily? Lily? Amiga, levanta… vai ficar tudo bem, eu prometo que vai ficar tudo bem.

Alexia está aqui, eu devo ter deixado a porta aberta quando entrei. Meu corpo não responde a minha mente e eu estou nos braços da minha melhor amiga olhando para o teto, catatônica.

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