Capítulo 2

Quatro meses se passaram depois da minha separação. Eu sentia a casa vazia, o meu peito estava vazio, mas era melhor assim. Desde que me separei do Michel e ele foi para a casa de um amigo, costumava a me sentir deprimida. Eu não queria estar deprimida. Estávamos fisicamente separados, mas ainda casados judicialmente. Era apenas um tempo para organizar a minha cabeça e, com coragem, pedir o divórcio a ele. A separação seria em comunhão de bens, mas, honestamente, nem eu nem ele tínhamos muito. Apenas a casa, que sempre foi mais minha do que dele, e um carro seminovo, que, de forma pragmática, seria o que restaria para ambos. Eu sabia que, com o apoio do meu advogado, conseguiria resolver tudo da maneira mais justa. O problema, no entanto, não era a divisão dos bens, mas a divisão do que restava entre nós: os sentimentos, as frustrações e as promessas quebradas.

Era sexta-feira à noite e na segunda eu não tinha trabalho. O que uma mulher de 32 anos faria em uma noite de sexta-feira, em uma cidade pacata da Espanha? Mejorada del Campo era uma comunidade da capital Madrid.

Eu observei meu reflexo no espelho, tentando me convencer de que era hora de sair. O vestido que eu escolhi, um tom suave de azul claro, se ajustava ao meu corpo de maneira simples, mas elegante. O tecido leve balançava suavemente enquanto eu me movia, e as pérolas que eu usava (imitação rsrs) é claro, pois não podia me dar o luxo de joias caras. Os brincos brilhavam discretamente, refletindo a luz suave do quarto. Eu não sabia ao certo para onde estava indo, mas algo dentro de mim queria sair, sentir o ar da noite, afastar um pouco a sensação de solidão que parecia me acompanhar constantemente.

Minhas mãos hesitaram ao passar o batom. Eu não tinha a intenção de impressionar ninguém, mas queria me sentir... viva, talvez. Minha pele branca refletia a luz de maneira suave, e os cabelos ondulados caíam de maneira desordenada, como sempre. Não era o meu melhor visual, mas estava ok. Eu não queria ser perfeita, apenas… suficiente para mim mesma, pelo menos por uma noite. Então eu sei de casa, caminhei sem destino. Enquanto passava pelas ruas desertas e meio escura, o som dos grilos era quase a única coisa que se existia. O vento gelado da noite parecia me abraçar quando eu saí para a rua. Era um tipo de frescor que me fazia sentir um pouco mais viva, mais conectada com o momento. Olhei para os lados, como se a cidade fosse ainda mais vazia do que o normal, mas ao mesmo tempo, havia uma certa paz nisso. A tranquilidade de estar só, de estar em controle, sem ninguém esperando nada de mim.

Continuei caminhando sem rumo. Meu passo era cadenciado, sem pressa, quase como uma tentativa de me perder naquelas ruas quietas, onde ninguém me conhecia, onde ninguém esperava nada de mim.

Foi quando eu o vi.

Ele estava do outro lado da rua, indo na mesma direção, mas um pouco à frente de mim. Não era nada extraordinário, mas havia algo nele que me chamou a atenção. Um rapaz mais jovem, de cabelo escuro e um pouco bagunçado, com uma jaqueta de couro e um olhar perdido, como se estivesse tentando descobrir onde se encaixava. A postura dele parecia meio relaxada, mas havia algo de firme em seus passos, como se ele tivesse uma decisão importante a tomar.

O instinto de não querer me envolver com ninguém agora me fez pensar em atravessar a rua, dar meia volta e voltar para casa. Mas, de alguma forma, minha curiosidade se sobrepôs. Algo em sua presença me fez sentir uma inquietude que eu não conseguia definir. Como se o tempo tivesse desacelerado por um segundo.

Quando ele deu um passo mais apressado e virou para o lado, acabou esbarrando em mim. O impacto foi leve, mas ainda assim, o suficiente para nos fazer parar por um instante, ambos surpresos.

— Desculpe!!!! ele disse, olhando para mim com uma expressão que misturava desconforto e um toque de embaraço.

Eu sorri, tentando esconder a surpresa.

— Não tem problema. Eu deveria estar mais atenta.

Ele deu uma risada suave, com uma ponta de sinceridade.

— Às vezes a gente se perde no próprio caminho, não é?

Eu não sabia bem como reagir, mas havia algo naquela troca que me fez sentir uma conexão instantânea. Não era o tipo de coisa que acontecia frequentemente, mas, naquele momento, algo parecia fazer sentido, mesmo que por um segundo.

— Eu também me sinto assim, às vezes. — A resposta saiu sem que eu tivesse pensado muito. Como se, no meio de toda a minha confusão, ele tivesse colocado uma palavra para o que eu sentia.

Houve um silêncio breve. O tempo parecia ter desacelerado ainda mais, como se o momento tivesse se expandido de forma quase surreal.

— Você está indo para algum lugar?

Eu pensei por um momento. Não tinha planos, não sabia exatamente onde estava indo, mas sentia que esse encontro tinha, de alguma forma, significado algo.

— Eu estava só… caminhando. Falei para ele.

— Eu também. Acho que estamos juntos nessa.

Senti um sorriso involuntário surgir nos meus lábios. Era engraçado como ele parecia tão à vontade, apesar de sua aparente bagunça emocional. Talvez fosse o tipo de conexão simples que todos nós precisávamos, mesmo que não soubéssemos disso na hora.

— Então, você mora por aqui? Ele questionou.

— Sim. E você?

— Estou por aqui também. Só que sou de Barcelona. Meu pai abriu um negócio, vim para ajudá-lo. Ele jurou que aqui daria mais lucro por ter poucas opções de restaurante.

Aos poucos, comecei a descobrir um pouco mais sobre ele. Eu não sabia muito sobre o que dizer, afinal, nunca havia tido uma conversa assim com outro homem depois que conheci meu ex-marido.

— Então, acho que vou indo nessa. — Ele tirou um cartão da carteira e me entregou. — Esse é o endereço do restaurante. Se quiser comer, bater um papo ou, sei lá, fazer um amigo, pode me procurar.

Eu peguei o cartão, dei uma olhada rápida e coloquei-o na bolsa.

— Pode deixar. Eu… posso saber o seu nome? — tentei disfarçar o nervosismo. — Vai que eu apareço por lá, seria bom ter uma referência.

— Rafael. — Ele respondeu com um sorriso. — E o seu?

— Izabel. Prazer! — Eu sorri timidamente, sentindo uma pontada de timidez, mas também algo diferente.

Rafael sorriu de volta, com aquele sorriso tranquilo, como se já tivesse dado muitos sorrisos assim, quase como uma rotina de sedução inconsciente. Talvez eu estivesse carente demais e vendo coisas onde não havia. Mas, quem sabe, aquele nosso breve encontro tinha sido apenas um flerte aleatório e espontâneo.

— O prazer é todo meu. — Ele disse, seus olhos brilhando demonstrando simpatia e algo mais. — A gente se vê por aí, então?

Eu balancei a cabeça, como um “sim”. Ele se virou, indo embora, e eu fiquei ali, com uma sensação estranha no peito, tentando processar o que havia acabado de acontecer.

Ele era alto, muito alto. provavelmente mais de 1,85m. Eu, com meus 1,71m, sentia-me pequena perto dele, mas de uma maneira confortável, como se estivesse ao lado de alguém que tivesse espaço para me proteger sem que eu precisasse pedir. Seus ombros largos e braços musculosos pareciam ter sido moldados para destacar a força que transbordava de seu corpo. A jaqueta de couro ajustada ao seu corpo seguia as curvas de seus músculos, enquanto seu pescoço, firme e bem estruturado, escondia parcialmente uma tatuagem, nunca tinha parado para pensar o quão atraente era homens com tatuagem no pescoço.

Ele era, sem dúvida, bonito. Seus olhos castanhos tinham algo hipnotizante, como se fossem capazes de ler minha alma com um único olhar. A boca, bem desenhada, parecia ser feita para sorrisos, e o olhar dele... ah, o olhar era intenso e expressivo, como se estivesse sempre em busca de algo, ou talvez apenas de uma boa conversa. Sua barba, cuidadosamente aparada, dava um toque de masculinidade suave, mas autêntica. Eu apostaria que ele não passava dos 23 anos.

Olhei o meu relógio no pulso, ainda estava um pouco cedo, ainda se aproximava das 22h. No cartão, o restaurante dizia funcionar 24h por dia. “Toque da noite” era o nome. Será que ele acharia estranho se eu aparecesse por lá? Atirada, safada ou até mesmo maníaca. Mas, eu estava disposta a provar a culinária. Eu me desloquei até o restaurante, afinal, ele me deu o cartão, significava que de alguma forma queria que eu fosse lá, mesmo que de repente. Eu me permiti a ir até lá. Quando cheguei no restaurante, estava quase deserto quando eu cheguei, a luz suave das lâmpadas quentes criando um ambiente aconchegante, acolhedor. A fachada de madeira escura e o letreiro discreto eram o tipo de detalhe que, em uma cidade pequena, tornava tudo mais pessoal. Senti uma leve apreensão ao cruzar a porta, mas logo fui recebida por uma vibe tranquila, onde a música era boa e o aroma da comida preenchiam o ar. Olhei por todos os lados captando aos detalhes. A decoração do lugar era minimalista, com um toque rústico e moderno ao mesmo tempo, como se tivesse sido pensado para não chamar muita atenção, mas ainda assim impressionar quem estava disposto a olhar.

Uma mulher de cabelo curto e uniforme simples, me sorriu e me conduziu até uma mesa próxima à janela, de onde podia observar as ruas vazias e as luzes da cidade refletindo nas calçadas molhadas.

Sentei-me e passei os olhos pelo cardápio, mas não sabia o que escolher. Eu me sentia ansiosa de alguma forma. Ir a restaurantes me fazia lembrar do Michel nos primeiros anos de nosso casamento. Mas aquilo eram lembranças que eu queria que não permanecessem em minha cabeça.

Fiquei ali por alguns minutos, absorta nos meus próprios pensamentos, até que a porta se abriu novamente e eu o vi. Rafael entrou, com o mesmo sorriso tranquilo, mas agora com um ar mais descontraído, como se estivesse em casa. Ele olhou para mim por um momento, e seus olhos brilharam com algo que eu não sabia bem o que era. Foi quando ele se aproximou e, com um gesto natural, se inclinou um pouco para me cumprimentar.

— Ei. Nosso reencontro foi mais rápido do que o esperado. — Sua voz tinha um tom quase brincalhão. — Não esperava te ver por aqui tão cedo.

Eu ri, sentindo uma pontinha de nervosismo, mas também uma curiosidade crescente.

— Acho que você me deu uma desculpa para aparecer. — Respondi, tentando disfarçar a sensação de estar sendo observada, mas de uma maneira que não me incomodava tanto assim.

Ele deu uma risada baixa e se sentou na cadeira ao meu lado, sem cerimônia. — Eu sabia que ia te convencer. O lugar é bom, não é?

A risada dele era contagiante, e eu me peguei sorrindo sem querer. Não era o tipo de lugar onde eu imaginava que acabaria em uma noite como aquela, mas aqui estava eu, compartilhando uma mesa com um estranho que, de alguma forma, parecia se tornar mais familiar a cada minuto. Eu olhei para o cardápio e fiz uma cara indecisa.

— O que você recomenda?

— Risoto de cogumelos para começar essa noite. O que acha? — É por minha conta. Ele disse.

— Isso é bom? Nunca provei — E o que temos de sobremesa?

— Não se apresse — Ele disse rindo — Você vai amar.

Ele se recolheu e foi para a cozinha. O cheiro da comida estava muito bom, o restaurante estava começando a receber mais clientes. Passou-se um tempinho, ele mesmo ao invés do garçom foi me servir.

— Espero que goste — ele disse, com um sorriso seguro, enquanto colocava o prato delicadamente na mesa.

— A aparência tá perfeita e o cheiro irresistível — elogiei sinceramente, não apenas para agradá-lo, mas porque o prato realmente estava impecável. Quando dei a primeira garfada, uma explosão de sabores deliciosos invadiu meu paladar. Estava incrível.

— Seu pai quem cozinha? — perguntei, curiosa, ainda saboreando o risoto.

— Não. Temos um chef especializado — ele respondeu rapidamente, com um toque de orgulho. — Estamos cada vez mais expandindo o negócio. Em breve, teremos mais garçons, um espaço maior e até mais chefs.

— Isso é impressionante. Parece que o negócio está crescendo rápido — observei, admirando a forma como ele falava do futuro do restaurante.

— E o seu pai, onde ele anda? — perguntei, querendo saber mais sobre a rotina dele.

— Perdido, como sempre — ele responde educadamente mesmo eu sendo invasiva. — Ele tá com um amigo, deve voltar mais tarde. Eu fico aqui tentando dar conta de tudo, mas, honestamente, não é muito a minha praia.

— Qual é a sua praia?

— Certeza de que quer saber?

Ele me olhou com um olhar brincalhão e um sorriso enigmático. Ele parecia tentar me testar, como se houvesse algo mais por trás de sua resposta.

— Sim... fiquei pensativa. Quero saber.

— É algo muito íntimo.

Naturalmente ele soltou essas palavras, mas ainda assim deixando claro que não estava pronto para se abrir completamente.

— Mas... Você namora? Ou é solteira?

Fui pega de surpresa com a pergunta e, por um momento, engasguei um pouco antes de conseguir responder.

— É... Eu estou solteira. — falei, tentando disfarçar o desconforto.

— Isso é bom. — Ele me encarou profundamente parecendo satisfeito com a resposta.

— Por quê? — perguntei, curiosa.

— Porque assim eu posso avançar no meu sinal. — disse ele, com um tom provocante e um sorriso travesso.

— E como você avançaria? — fui cautelosa, querendo entender até onde ele estava disposto a ir com a conversa.

Ele sorriu de forma intensa, quase como se tivesse planejado aquela resposta. Seus olhos brilharam com um toque de malícia, e ele se inclinou um pouco mais perto de mim, baixando a voz.

— Bom... eu estava pensando em algo que você realmente vai gostar. Se quiser, posso te dar a sobremesa... Mas, para isso, você teria que ir até o meu lugar, algo mais... privado. Lá no fundo do restaurante tem um quarto onde eu guardo algumas coisas... e acho que seria o cenário perfeito.

Eu o encarei, tentando entender o que ele estava insinuando. Havia algo nos seus olhos que queimava com desejo

— O que tem lá? — perguntei, minha voz um pouco mais baixa, tensa e com vergonha.

Ele soltou uma risada baixa, quase como se soubesse exatamente o efeito que suas palavras estavam tendo. Com um sorriso provocante ele se ousou a dizer:

— Você só vai saber se decidir vir comigo. A sobremesa... é só um pretexto. O que eu realmente quero é te mostrar o que tem por trás daquela porta. Mas, é claro, a escolha é sua.

Sim, a escolha era minha, eu tinha notado bem (acho) o que ele queria dizer. Apenas me fiz um pouco de boba para não notar a quão interessada eu estava.

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Comments

Simone Galindo

Simone Galindo

cogumelo n eh uma droga??
minha filha estuda farmacia e o cogumelo tem uma substancia que deixa as pessoas meio groji

2025-04-14

1

Simone Galindo

Simone Galindo

mas olha ate q n demorou muito tempo aguentou 4 meses

2025-04-14

2

Marilena Yuriko Nishiyama

Marilena Yuriko Nishiyama

eita Izabel,olha só a cantada que o Rafael está te fazendo..........pelo visto o seu passeio será muito interessante 🤭🤭

2025-04-13

2

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