Um jantar.

    Aquele dia teria uma pegada diferente. Depois de tudo que tinha acontecido, depois das dores, dos pesadelos e dos desabafos, eu queria fazer algo por ela. Por Eva. Não como um agradecimento — porque nada do que ela fez poderia ser pago — mas como um gesto. Um começo.

Esperei o momento certo, e quando finalmente a encontrei sozinha na sala, com os cabelos presos de forma descuidada e os olhos perdidos na janela, me aproximei.

— Eva... — chamei, a voz mais calma do que o coração. — Sai comigo hoje?

Ela virou, surpresa, os olhos arregalando levemente.

— Sair? Tipo… um jantar?

— Um restaurante à beira-mar. Nada extravagante… só um lugar bonito, com uma vista boa e comida decente. E você.

Ela mordeu o lábio, hesitante.

— Eu… não tenho roupa para isso, Ethan, aliás não tenho roupa nenhuma.

Antes que eu pudesse responder, Scarlet apareceu com um sorriso arteiro.

— Se você cuidar da Amélia, eu levo a Eva e a deixo encantadora. Linda ela já é. Só falta realçar.

Pronto. Caos instaurado no meu peito.

Fiz um gesto rápido de quem queria protestar, mas assenti devagar.

— Só… levem um dos seguranças com vocês, por favor.

Eva revirou os olhos com leveza, e Scarlet somente acenou com a mão, como quem diz “sim, patrão”.

Pouco tempo depois, as duas saíram animadas, deixando a casa mais silenciosa e, de certa forma, vazia.

— Tio Ethan — ouvi a voz doce de Amélia se aproximando. — Você já comprou flores e chocolates para ela?

Olhei para ela, arqueando uma sobrancelha.

— Para a Eva?

Ela assentiu, muito séria.

— Eu ouvi um áudio da mamãe no telefone com o irmão da tia Angela… ele disse que lembrava qual flor a mamãe amava. — Seus olhinhos curiosos me fitavam. — Você sabe qual é a flor que a Eva ama?

Minha mente processou aquilo devagar. Liam e Scarlet?

É… esse assunto precisava ser resolvido.

Antes que eu pudesse responder, Dilan entrou com Liam. Amélia sorriu instantaneamente.

— Quero tomar sorvete!

— Ótima ideia, minha pequena. — Dilan disse, sorrindo. — Eu também quero.

Liam me lançou um olhar que dizia “estamos juntos nessa”, e seguimos os três com Amélia até a sorveteria.

No caminho, aproveitei o silêncio momentâneo da criança distraída olhando a vitrine de doces.

— Liam, preciso saber… você e Scarlet?

Ele respirou fundo, visivelmente desconfortável, mas firme.

— Eu sempre amei a Scarlet, Ethan. Desde novo. Ela sabia disso, mas sempre teve medo… pela diferença de idade. Ela tinha 28 e eu, 18. E eu respeitei. Sempre. Mas agora… depois do que aconteceu… eu não vou mais me afastar. Otto vai pagar por cada marca que deixou nela. Cada palavra, cada grito, cada abuso. E não só por ela. Por mim também. Eu amo a Scarlet. Sempre amei.

Suas palavras foram afiadas e verdadeiras. Não precisei dizer mais nada. Apenas bati levemente no ombro dele em sinal de respeito.

Foi então que Daniel Moore apareceu. A arrogância no olhar, o sorriso debochado.

— Que coincidência… Ethan. Sobrinha fofa, hein? E aquela loja, desistiu?

Me coloquei na frente da Amélia, calmo, direto.

— Se quiser a loja pague um milhão. Porque a Eva tem outros planos. E, spoiler: nenhum inclui você.

O incômodo foi visível no rosto dele. Esperava um confronto. Um caos. Mas encontrou só o desprezo.

Ele se virou e saiu sem responder.

Ficamos ali, os três, saboreando sorvete como se o mundo estivesse em paz.

E naquele momento, entre um sorriso infantil, um irmão leal e a certeza de que o amor toma formas inesperadas, soube com clareza: nós seríamos uma família. Imperfeita, forte e, acima de tudo, disposta a proteger uns aos outros. Sempre.

Voltamos para casa no final da tarde. O céu ainda carregava tons alaranjados e dourados, como se até ele soubesse que aquele dia merecia uma moldura especial. Amélia entrou animada, com vestígios de sorvete ainda no canto da boca e os olhos cheios de histórias que contaria para a Eva. Dilan foi direto para a cozinha, e Liam… bom, Liam permaneceu.

Sem surpresa nenhuma, Scarlet também estava ali.

A verdade era que eu sabia. Sabia que havia algo entre eles — mesmo sem toques, sem declarações. Era no jeito que os olhos dela procuravam os dele, no modo como Liam ficava em silêncio só para observá-la respirar. Scarlet era reservada, calma, do tipo que jamais se entregaria sem certeza… e enquanto o divórcio não saía, ela mantinha o respeito. Mas também era claro: havia amor ali. E agora eu sabia que ela estaria em boas mãos.

Minha atenção foi sequestrada no instante em que ouvi passos suaves e a voz doce da Amélia anunciando:

— Ela tá vindo, tio…

Me virei instintivamente. E ali estava ela.

Eva.

Vindo do corredor, com um vestido leve que marcava sua silhueta com delicadeza, os cabelos soltos com ondas suaves e um toque de brilho nos olhos que parecia vir de dentro. Não era um brilho forçado. Era… verdadeiro. Ela sorriu, meio tímida, meio nervosa — e aquilo foi o suficiente para roubar o meu fôlego.

Amélia, com as mãozinhas unidas sob o queixo, arregalou os olhos.

— Ela tá uma rainha linda! — depois olhou para mim e gritou — As flores, tio!

Ri baixo, pego de surpresa, e entreguei o buquê que escondia atrás das costas. Rosas-brancas com lavandas. Suaves, delicadas… como ela.

Eva arregalou os olhos e levou a mão à boca, rindo emocionada. As flores tremiam um pouco em suas mãos e percebi que ela estava sentindo tudo de forma intensa. Seus olhos marejaram, mas ela disfarçou com um sorriso mais largo, cheirando as pétalas.

— Ethan… são lindas.

— Nem perto de você — respondi baixinho, aproximando-me para segurar sua mão.

Scarlet piscou para mim com um ar cúmplice. Liam ficou em silêncio, como se entendesse que aquele momento era nosso. E era.

Com Eva ao meu lado, seguimos para o carro.

No caminho até o restaurante, ela não soltava minha mão e olhava pela janela com um leve sorriso no rosto. E eu, dirigindo com o coração leve pela primeira vez em muito tempo, só conseguia pensar em como, de todas as loucuras da minha vida… essa era, definitivamente, a mais linda de todas.

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