Você me faz ser alguém melhor.

Aquela noite parecia um recorte de caos embalado por um sopro de amor. Tudo tão recente, tão cru. E mesmo assim, ali estávamos — juntos. Eu ajudei Scarletty a deitar na cama de hóspedes com o maior cuidado possível. Ela resistiu, como sempre, dizendo que estava bem… mas suas mãos tremiam. E mesmo depois de tanta dor, ela ainda se preocupava com os outros. Com a filha. Com o mundo.

— Você está segura agora, Scar… — sussurrei, arrumando o travesseiro sob sua cabeça. — Pode fechar os olhos.

Ela assentiu com um olhar perdido, cansado, mas havia paz ali. Pela primeira vez em anos.

Na sala, Dilan já tinha estendido um colchão no chão com lençóis embolados e um cobertor de sofá. A TV ligada num canal qualquer exibia desenhos animados, e Amélia, depois de tanto terror, ria baixinho comendo cereal de chocolate. Era tudo improvisado. Mas feito com tanto carinho que doía bonito.

Dilan virou o rosto e deu de ombros:

— Vou dormir por aqui hoje. Não confio nem em parede essa noite.

Eu assenti em silêncio.

Meu celular vibrou.

De novo.

E mais uma vez.

Otto.

Mensagens. Ligações. Desespero. Manipulação. Fingimento.

Abri a tela e li algumas:

“Você está destruindo tudo.”

“Eu estava nervoso.”

“Não envolve a polícia, Ethan.”

“A família precisa de você.”

Ri. Seco. Azedo.

Gravei um áudio. A voz saiu como lâmina:

— Otto… você vai se afastar da minha irmã. Da minha sobrinha. E de tudo que respira o mesmo ar que elas. Você acha que ainda tem controle, mas não tem nada além da sua própria miséria. Você é um covarde. Um maldito verme que bate em mulher e se esconde atrás de títulos. Se você ousar se aproximar de novo, eu mesmo te enterro. E juro por tudo que ainda tenho de bom que não vou me arrepender.

Enviei. Sem dó.

Guardei o celular no bolso e procurei por ela — por Eva.

A encontrei na varanda. Sozinha, sentada, com o cabelo preso de qualquer jeito e os olhos perdidos no céu escuro da cidade. Me aproximei em silêncio e sentei ao seu lado. O vento tocava leve. Mas não era o bastante pra amenizar tudo o que meu peito carregava.

Fiquei quieto por alguns segundos, olhando adiante.

E então soltei, sem pensar muito:

— Você me faz querer ser uma pessoa melhor, Eva.

Ela virou o rosto devagar, surpresa. Não pela intensidade, talvez, mas pela sinceridade estampada na minha cara.

— De verdade. Quando eu te vi… com a Amélia no colo, segurando a Scarletty, se jogando em meio ao caos sem hesitar… eu vejo luz. Mesmo quando você está machucada, você brilha. E eu… — engoli o nó na garganta. — Eu só queria poder merecer isso. Um dia.

Ela não disse nada de imediato. Apenas sorriu, daquele jeito pequeno que explode por dentro. E ali, com o mundo desabando em volta… eu soube que tinha algo que valia a pena proteger. E que, dessa vez, eu ia lutar por isso com tudo o que eu era.

A noite estava calma demais para a tempestade que eu carregava por dentro. A varanda parecia pequena diante do peso das últimas horas, mas ali, com Eva ao meu lado, tudo parecia encontrar um respiro.

A cidade se estendia à frente, acesa, viva, mas meus olhos estavam nela.

Ela era diferente. Não apenas por ter salvado minha irmã ou abraçado minha sobrinha com um amor que eu nem sabia que ainda existia no mundo. Mas por me enxergar — além do meu nome, além do meu sobrenome, além da porra da máscara que eu aprendi a vestir.

E quando ela falou, com aquela voz doce e um olhar cheio de dúvidas, eu quase perdi o equilíbrio.

— Eu não quero ir rápido demais. Tenho medo. Eu não sou do seu mundo.

Meu peito apertou. Quis rir e chorar ao mesmo tempo. Ela achava mesmo que esse mundo onde cresci valia alguma coisa? Eu odiava tudo aquilo. O poder, os jogos, os segredos. Tudo.

— Eva… — falei firme, olhando nos olhos dela. — Eu não quero que você venha para o meu mundo. Eu quero criar um novo com você. Nosso. Onde ninguém te machuca, onde você pode respirar. Onde você não precisa ter medo de ser quem é, quero te ajudar a reconstruir sua confeitaria, entendi que aquilo é o seu sonho, que seu coração está lá dentro.

Ela sorriu de um jeito tímido, tão vulnerável que minha vontade era puxá-la para perto ali mesmo. Mas ela abaixou o olhar, e o que veio depois me pegou desprevenido.

— Antes de qualquer coisa… eu queria pelo menos ter beijado alguém. — ela murmurou, como se isso fosse uma vergonha. — Se você gostar… e eu também… aí a gente pode tentar. Mas...

Eu não deixei ela terminar.

Chega de medos. Chega de adiar o que a gente já sabia que queria.

Toquei o rosto dela devagar, como se ela fosse feita de porcelana. Me aproximei com calma, deixando espaço pra ela recuar — mas ela não recuou.

E então eu a beijei.

Não foi um beijo qualquer. Foi o tipo de beijo que muda tudo. Que vira a página do livro e escreve um novo começo.

A boca dela encaixou na minha como se tivesse sido feita para isso. Doce, suave, entregue. Meu coração acelerou como se eu fosse um garoto de novo. Um idiota apaixonado.

E talvez eu fosse.

Quando me afastei, ela estava com os olhos fechados, o peito subindo e descendo devagar. Como se ela também estivesse tentando entender o que diabos acabara de acontecer.

— Se isso for o começo, Eva… — sussurrei contra os lábios dela — eu quero tudo. Cada passo, cada medo, cada riso seu. Você merece o mundo inteiro.

— Eu não tenho ninguém, não posso ser machucada, mas sinto que fracassarei se não tentar. — ela disse.

— Então é isso? Estamos juntos? — falei querendo ouvir de sua boca.

— Só se prometer me dar o mundo. — ela falou manhosa.

E se dependesse de mim, ela teria.

Porque naquela noite, com um beijo, Eva me salvou.

E eu sabia, sem sombra de dúvida…

Que nunca mais seria o mesmo.

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Comments

Alessandra

Alessandra

Autora linda vai no seu tempo mais posta mais capítulos mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais mais,não demora muito.

2025-04-08

2

Renata

Renata

aí meu deus 💖💖💖💖 mais ela sabe e ele também que não vai ser simples pois os inimigos estão lá fora

2025-04-08

1

Michele Bonfim

Michele Bonfim

Aí que lindo hein Autora, muito romântico, sensível....pra quem era um.ogro, tá um verdadeiro príncipe agora.kkkk

2025-04-08

0

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