Conversa intima

Depois do furacão que foi aquela visita indesejada, o quarto parecia respirar um alívio amargo. Os pais de Scarletty foram embora — carregando consigo a arrogância, o preconceito e tudo aquilo que não cabia mais na vida dela.

Com carinho, eu me aproximei da cama e perguntei se ela queria ajuda para tomar um banho. Ela assentiu com um sorriso cansado e, com paciência, fomos até o banheiro.

A água quente caía sobre a pele marcada dela, como se tentasse apagar cada vestígio da dor. Eu segurava a toalha e os produtos, dando a ela o espaço necessário, mas com presença constante.

— Sabe, — Scarletty disse, sua voz ecoando baixa entre os vapores — eu nunca imaginei que esse dia ia chegar. O dia em que eu ia parar de sentir vergonha e pedir ajuda…

— Ninguém deveria sentir vergonha por se salvar — respondi suavemente.

Ela virou o rosto e me encarou com olhos úmidos, mas agora mais leves.

— É como se eu tivesse carregado uma pedra no peito por anos… e agora tô tirando, sabe? Aos poucos. Tá doendo, mas… eu tô tirando.

Me aproximei e toquei sua mão.

— Você é corajosa.  Amélia só foi um empurrãozinho.

Ela riu, baixinho.

— Um empurrãozinho com uma coragem absurda. Obrigada, Eva, eu vi seu carinho.

Houve um silêncio confortável por alguns instantes. Eu ajeitava a água morna nos ombros dela, e então soltei com um sorriso tímido:

— Confesso que tô conhecendo o Ethan de uma forma diferente.

Tipo… bem diferente mesmo.

Ela ergueu a sobrancelha, divertida.

— Ethan? Sério? Eu achei que vocês se odiassem pela questão da confeitaria.

Assenti, mordendo o lábio.

— Achei que ele fosse só mais um herdeiro arrogante… mas, Scarletty, ele é… intenso. Protetor. E gentil, de um jeito que eu não esperava.

— Ele sempre teve um lado bom — ela disse, pensativa. — Mas agora tá deixando esse lado respirar. E acho que você tem um dedo nisso.

Sorri, meio sem jeito, e continuei ajudando com o cabelo dela.

— Falando em surpresas… você sabia que Angela namora um cara bacana, Liam seu irmão, lembra dele? Está lindo?

Os olhos dela brilharam na mesma hora. Era como acender uma luz num quarto escuro.

— Eu… eu amava a Ângela — disse ela, baixinho. — Era minha melhor amiga. Sinto tanta falta dela… e do Liam também.

— Ela fala de você com tanto carinho. E, sinceramente eu sabia que ia amar te conhecer? Eles são maravilhosos.

Ela riu, nervosa.

— Quando ele era mais novo, ele dizia ser apaixonado por mim… mas eu nunca levei a sério. Era só um menino… tem 10 anos a menos que eu.

— E agora é um homem — completei com um sorriso. — E se ainda existe algo aí dentro de você, Scarletty… nada é impossível. Liam é incrível. E dez anos não é nada quando o coração fala mais alto.

Ela ficou em silêncio por um instante, e então sussurrou:

— Não conta para ninguém. Promete?

Toquei o peito, como um selo.

— Juro.

Terminamos o banho com leveza. O corpo ainda cansado, a mente ainda em reconstrução… mas algo dentro dela — e de mim também — começava a florescer. Uma amizade sincera, daquelas que nascem no meio do caos, mas que sobrevivem como abrigo.

Nos vestimos e saímos do banheiro. Estávamos prontas.

Prontas para ir embora daquele hospital, mas principalmente…

Prontas para recomeçar.

A noite caiu pesada quando voltaram para a cobertura. O ar ainda trazia resquícios do terror vivido, mas também um sopro de esperança. No carro, Scarletty tentou falar baixo:

— Eu vou pra um hotel, não quero incomodar...

Virei o rosto com firmeza e a cortou:

— Você não vai a lugar nenhum. Vai para casa, conosco.

Ethan apenas deu um sorriso de canto, lançando um olhar cúmplice a Eva.

— Nem sei se mando na minha casa… — murmurou em tom de brincadeira. — Mas, sinceramente? Ainda bem que tenho Eva ali, acho que vou ter que pedi-la em casamento né.

— Não, você não faz meu tipo. — brinquei e rimos, Amélia quis ir no carro de Dilan, ela amava andar de carro com aquele tio bobo pelo visto.

Na cobertura, o ambiente estava silencioso, mas não frio. Havia algo no ar — uma mistura de acolhimento e dor crua. Carla apareceu na sala, limpando as mãos no avental. Olhou para Amélia com um carinho quase materno e sorriu:

— Vem, minha flor… tem um doce lá na cozinha que você vai amar.

Amélia olhou para os adultos, ainda desconfiada, e depois assentiu, deixando-se guiar.

Me levantei com delicadeza, puxando o próprio casaco.

— Vou arrumar o quarto de hóspedes pra Scarletty.

Mas antes que pudesse dar um passo, senti a mão de Ethan segurando a minha. Ele me olhou firme, mas com doçura.

— Não precisa fazer isso. Já tem um quarto pronto. Você já fez o suficiente. Está vulnerável também, Eva. Você precisa descansar.

Só conseguir assentir, ele tinha uma irmã para se preocupar, mas lembrava que eu precisava de cuidados, e isso me deixou emotiva.

No sofá amplo, Scarletty estava entre Dilan e Ethan. As mãos trêmulas sobre os joelhos, o olhar perdido por um momento, até encontrar força em si mesma — ou talvez no fato de que, pela primeira vez, alguém a escutaria sem julgar.

Não cabia que eu falasse algo, era um momento deles, somente oferecendo presença. E então, com a voz embargada, Scarletty começou.

— No começo… ele era gentil. Otto sabia se portar, sabia quando sorrir, quando me dar flores, quando parecer o homem dos sonhos. E eu… — ela engoliu seco — eu queria tanto me sentir amada. Queria que alguém dissesse que eu era suficiente.

A primeira lágrima escorreu, e ela não tentou esconder.

— O primeiro tapa veio quando eu disse que não queria ir a um jantar. Ele disse que era só nervosismo. Que eu o havia irritado. Eu pedi desculpa.

Senti meu coração apertar, segurei sua mão oferecendo apoio.

— Depois vieram os gritos, os empurrões, as humilhações. Me chamava de inútil, de fraca, de vazia. Dizia que eu envergonhava ele.

Dilan fechou os olhos por um instante, como se segurasse a própria fúria. Ethan permaneceu imóvel, mas seus olhos estavam vermelhos.

— E então… vieram os socos. Sempre onde ninguém via. As coxas, as costelas, a barriga. Uma vez ele quebrou meu braço e disse para eu dizer que caí da escada. Eu… eu disse, piorou quando me neguei a transar, os estupros eram frequentes, mas pararam quando ele encontrou uma amante, ele a levava para sua cobertura exclusiva, soube pelos empregados e sinceramente senti alivio, ele passou a ficar mais tempo com ela e os abusos diminuíram.

Não consegui conter o soluço contido. As lágrimas escorriam por seu rosto sem que ela sequer percebesse.

— Eu queria proteger a Amélia. Só ela. Mas... — a voz dela falhou — ontem, quando ele me jogou contra a parede com tanta força, eu só pensei: “eu vou morrer”. E quando acordei no hospital… e vi a Eva ali… vocês estavam ali... eu soube que finalmente alguém me salvou.

Silêncio.

Denso. Duro. Carregado de verdade.

Ethan fechou os olhos por um momento, a respiração pesada. Depois olhou para mim com uma gratidão silenciosa, e para a irmã com o coração despedaçado.

Dilan pegou a mão de Scarletty e beijou com carinho.

— Nunca mais. Nunca mais ele toca em você.

Respirei aliviada e feliz, me sentindo parte de algo novo, talvez algo que só vivi nos meus sonhos distantes... uma família

— Agora você está segura. A gente vai reconstruir você, Scarletty. E você vai se descobrir muito mais forte do que imagina.

Scarletty sorriu, fraco, mas genuíno. Pela primeira vez em muito tempo… ela parecia acreditar.

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Comments

Maria Helena Macedo e Silva

Maria Helena Macedo e Silva

quando minha sobrinha tinha 3 anos, na época eles moravam nos fundos da nossa casa e estávamos saindo para fazermos uma visita na casa da afilhada dos meus pais, então a minha sobrinha chegou gritando para o meu pai socorrer a mãe dela pois o pai estava a arrastando pelos cabelos, quando o meu pai chegou minha irmã estava chorando no sofá e o esposo tomando água na cozinha, meu pai não falou nada pegou uma mala e meu cunhado pelo colarinho e disse pra quê ele arrumasse "seus panos de bunda" e sumisse da nossa frente. passou um mês minha irmã pediu demissão e foram morar em outro Estado, levando só o filho mais velho pois a caçula não quis ir com eles. nisso o meu pai falou que se aplicava o dizer "em briga de marido e mulher ninguém mete a colher" pois quem saiu de ruim e intrometidos foram os sogros.🤦‍♂️ e o pior que vivem nessa situação até hoje. ele já até tentou sufoca-la com o travesseiro mas o filho chegou a tempo de interceder por ela.

2025-04-11

1

Iracema Vianna

Iracema Vianna

Coitada da Scarllety
Tem que dar uma surra nesses três demônios e mandar sentar no colo do capiroto kkkk
A mãe dela é egoísta, apanhava do velho e suportava por dinheiro e status

2025-04-08

1

Michele Bonfim

Michele Bonfim

Agora é o processo de restauração da Scarlet, só o fato dela conseguir desabafar,relatar já é o início da cura, e eles ao seu lado , a filha é o bálsamo que ela tanto necessita.

2025-04-08

1

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