A cobertura era linda. Muito mais do que eu imaginava. Cada canto parecia saído de uma revista. Mas o que mais me surpreendeu foi a gentileza da cozinheira, dona Carla, que me ajudou a me acomodar como se me conhecesse há anos.
Ela falava baixo, sempre sorrindo, me mostrando onde estavam as coisas, insistindo que eu não precisava fazer nada.
— Você só precisa descansar, meu bem. O resto, deixa comigo. — dizia com aquele sotaque acolhedor e um carinho que me lembrava uma avó distante.
Resolvi tomar um banho longo. Queria me sentir limpa, leve, talvez até um pouco viva de novo, os produtos eram de qualidade, coisa que meu cabelo nunca viu na minha vida trabalhosa e difícil. A água morna escorria pelos ombros quando ouvi vozes alteradas. Um grito, depois outro. Meu coração disparou. Me enrolei apressada no roupão branco e corri descalça pelo corredor luxuoso que levava até a sala.
Foi ali que vi a cena.
Uma mulher magra, extremamente arrumada, ou melhor... plastificada. Dava para contar os procedimentos no rosto só de olhar. Ela usava um vestido caro e colado demais para o horário. Estava de salto e com um olhar envenenado.
— Você é só uma empregada! — ela gritou com raiva, apontando para dona Carla, que tentava manter a calma.
— Camille, por favor. Você sabe que o senhor Ethan proibiu sua entrada aqui. — disse ela com a voz firme, mas os olhos marejando. — Ele não quer mais que você apareça, muito menos sem avisar. E eu só tô fazendo o que ele mandou.
— Ele vai ter que me dizer isso pessoalmente, é o meu noivo. — falou ela com o dedo em riste próxima demais, isso me alertou e mesmo sem ser nada ali resolvi intervir.
Dói ver alguém como ela — doce, gentil — sendo tratada assim.
— Querida, pode ir para cozinha. — falei com calma, me aproximando. — Eu fico aqui.
Camille me olhou dos pés à cabeça, como se eu fosse um inseto na parede. O olhar dela se tornou ainda mais afiado ao ver o roupão que eu usava.
— E você é quem? Mais uma das empregadas de rodízio? Ou você prefere fingir que não sabe com quem tá se metendo? — o veneno escorria em cada sílaba.
— Se ele fosse casado ou comprometido, teria dito. Na minha cara. — falei, sem alterar a voz. — E nesse caso, ele levaria uma boa bofetada. Mas não disse. Então... a porta é logo ali.
O silêncio incomodou mais do que qualquer grito. Ela não esperava resposta. Esperava submissão. Mas não encontrou.
Camille se enfureceu, os olhos se tornaram duas brasas. E foi ali, naquele segundo de fúria, que ela avançou.
— Sua...! — ela ergueu a mão, pronta para me acertar.
Mas não conseguiu.
Um braço forte segurou o dela no ar, no exato momento em que ela se aproximava.
Ethan.
Ele apareceu como uma sombra, um raio, um escudo.
— Você não devia estar aqui, Camille. — a voz dele era cortante, um misto de nojo e impaciência.
Ela tentou puxar o braço, mas ele não soltou.
— Ah, então é assim? Venho ver você e dou de cara com... com isso? — apontou para mim, cuspindo o desprezo. — Você se recusa a falar comigo e traz uma qualquer para sua casa?
— Nós não somos mais noivos. Você decidiu isso quando estava sentada no colo daquele idiota na boate. — ele respondeu, soltando o braço dela com um empurrão sutil, mas firme. — Não finja surpresa agora.
— Eu errei. Mas você vai jogar fora tudo por uma mulher de rua?
— Eva é minha protegida. — ele afirmou, sem pestanejar. — E se alguém tocar nela, vai conhecer a pior versão de mim. Inclusive você, Camille.
O silêncio caiu pesado na sala. Camille tentou manter a pose, mas os olhos dela diziam tudo. Dor, orgulho ferido... e derrota.
Ela se virou e saiu, batendo os saltos no chão como quem quer deixar uma marca.
A sala estava mergulhada em um silêncio estranho, tenso, carregado demais para o meio da tarde. Eu ainda sentia o cheiro do perfume caro de Camille pairando no ar, junto com o gosto amargo da confusão.
Ethan ainda olhava para a porta quando virou para mim, os olhos escuros suavizando ao me encontrar.
— Me desculpa. Isso não vai mais acontecer. — disse ele, e, naquele momento, mesmo em meio ao caos, eu soube... ele estava ali por mim.
Me virei devagar para Ethan. Ele parecia calmo por fora, mas seu maxilar ainda estava contraído, os olhos sombrios, como se a raiva ainda vivesse ali, em algum canto bem fundo.
— Eu… devo ir embora? — perguntei, baixando um pouco o olhar. Não queria ser um incômodo. Não depois daquilo.
Ele respirou fundo e deu um passo à frente, negando com a cabeça.
— Não, Eva. Você pode ficar o tempo que quiser. — a voz dele saiu firme. — Na verdade, você é necessária aqui.
As palavras dele me pegaram desprevenida. Necessária? Eu? Quis perguntar o que ele queria dizer com aquilo, mas antes que qualquer som saísse da minha boca, Carla, a cozinheira, se aproximou com um sorriso doce e um toque de leveza que aquela cena precisava.
— Senhorita Eva, obrigada por cuidar de mim ali. — disse com um brilho grato nos olhos. — Fiz um lanche, você precisa comer. Não pode ficar só de roupão, com estômago vazio, né?
Ethan assentiu com um meio sorriso, como se agradecesse também por aquilo, e me guiou até a cozinha.
A mesa era ampla, com bancos altos e um toque moderno, mas o clima agora era mais aconchegante. Carla serviu dois pratos com torradas, ovos mexidos, suco fresco e algumas frutas, e nos deixou sozinhos.
Sentei ao lado dele e dei uma mordida pequena, tentando disfarçar o quanto ainda estava tensa.
— Eu não imaginava que um homem como você… tivesse sido traído. — falei devagar, mais como um pensamento em voz alta do que uma pergunta.
Ele soltou uma risada curta, sem humor, e passou a mão pelos cabelos escuros.
— Dói no ego. — respondeu, encarando o prato como se tivesse mais do que comida ali. — Não por amar ela… porque não amava. Mas, porque outras pessoas viram. E julgaram. E eu odeio ser julgado.
A sinceridade dele me surpreendeu. Ele não fingiu ter sido apaixonado, não se colocou como vítima de um grande amor perdido. Somente um homem ferido no orgulho.
— Eu tenho asco de traição. — confessei, minha voz saindo mais baixa. — Dói. Mesmo que não seja com a gente… ainda assim, dói.
Ele me olhou de lado, os olhos mais suaves.
— Você foi traída?
Engoli seco e balancei a cabeça, sem jeito.
— Não… nunca namorei ninguém. — falei baixinho, como se fosse um segredo vergonhoso.
Os olhos dele buscaram os meus, por um segundo mais longamente do que eu estava pronta para aguentar.
— Nunca? — ele repetiu, como se fosse difícil de acreditar.
Assenti.
— Nunca. Nem beijo de verdade, máximo um selinho e isso não conta né. — sorri sem graça, mordendo a torrada, querendo afundar na cadeira.
Ele não riu, não zombou, não fez piada. Apenas ficou ali, me olhando com aquela intensidade que fazia o estômago dar voltas — e não era culpa da comida.
Ali, entre garfadas silenciosas e verdades partidas ao meio, eu percebi que talvez… talvez aquele homem, com toda sua sombra e mistério, estava deixando as paredes começarem a ruir. E eu, mesmo sem entender por quê, já não queria ir embora.
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Atualizado até capítulo 42
Comments
Maria Helena Macedo e Silva
o Ethan só esqueceu de falar na portaria e aos seguranças que a entrada da Camille estava suspensa até segunda ordem pois segundo a cozinheira ela tinha ordens para não deixá-la entrar😬 só sobra para as funcionárias que são tratadas como escravas braçais e saco de pancadas para certos seres abomináveis🤦♂️
2025-04-11
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Michele Bonfim
Já até imagino o que Ethan está pensando dessas revelações da Eva kkkk
Nunca namorou...nem beijou direito...
Já vai ativar o botão de que vai querer ser o primeiro e único, tô até vendo.
2025-04-08
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Márcia França
Lindos , achei que ele ia ser um mal caráter , mais tô vendo que é um fofo , um querido , amando a história, ela muito verdadeira, linda de alma , parabéns autora .to amando a história
2025-04-08
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