Levando ela comigo

    Ela estava ali, sentada na beira da maca com os cabelos soltos e o olhar perdido, como se ainda não tivesse certeza de nada. A alta tinha sido liberada, mas o corpo dela hesitava. Eva segurava a alça da bolsa como se fosse a única coisa sólida naquele mundo que desabou sobre ela.

Me aproximei devagar.

— Eu... posso carregar isso pra você. — falei, estendendo a mão para pegar a bolsa dela.

Ela hesitou, mas soltou. Sem dizer nada.

— Eva — disse com calma, olhando nos olhos dela. — Você não precisa ter medo. Eu não vou tocar em você. Nem hoje, nem nunca… a não ser que você queira. Tá bem?

— Você não vai me ouvir te pedindo para que me toque, Sr. ego inflamado. — ela falou com um toque de humor na voz.

— Uma coisa que os negócios me ensinaram é nunca diga nunca querida. — respondi encarando seus olhos e ela sorriu, o clima entre nos estava mais ameno e eu gostava daquilo.

Ela assentiu com um leve movimento de cabeça. Mas havia um traço de confiança nascendo ali. Frágil, mas real.

Caminhamos em silêncio até o carro. Abri a porta do lado dela, esperei que entrasse, depois me acomodei ao volante. O silêncio entre nós parecia cheio de perguntas não ditas, até que ela quebrou o gelo.

— Ethan... o que você faz, exatamente?

Sorri de canto, ajeitando o volante enquanto manobrava.

— Tenho algumas empresas. Tecnologia, investimentos, uma construtora que começou pequena, mas cresceu rápido. São minhas. Criei por fora da Carter's Associados.

— Carter's... é do seu pai?

— É. — respondi, mais seco do que gostaria. — Mas desde que o vi naquele incêndio, vi o que ele é capaz de fazer, eu decidi... não quero mais fazer parte disso. Nunca mais.

Ela me olhou de lado, o rosto delicado franzido numa dúvida sincera.

— Você não gosta do seu pai?

Respirei fundo. Aquilo sempre doía, mas era a verdade.

— Ele e minha mãe são tudo que eu não quero ser. Manipuladores, frios, orgulhosos. Vivem de aparência e controle. Me moldaram para ser um deles, mas... eu tô tentando quebrar isso. Antes que isso me quebre também, ver o risco que você correu aquele dia me fez enxergar que eu não posso ser como ele.

O resto do caminho seguiu em silêncio. Mas era um silêncio confortável agora, não mais pesado.

Quando chegamos à cobertura, abri a porta para ela. O porteiro já tinha sido avisado, e dois seguranças discretos estavam posicionados ao lado do elevador privativo. Quando entramos, um deles — Alto, moreno, terno alinhado — fez um leve aceno.

— Esse é Yuri. O outro é Jorge. Eles fazem a segurança do prédio e da entrada privativa. Você pode confiar neles.

Ela assentiu, olhando ao redor como quem ainda não acreditava estar ali. A cobertura era grande, moderna, janelas de vidro do chão ao teto, com vista para a cidade inteira. E mesmo assim… havia algo acolhedor ali. Um silêncio que não era solitário.

— Essa é Carla, a cozinheira. — falei quando uma mulher sorridente apareceu no corredor, enxugando as mãos no avental. — Ela cozinha muito bem. E a faxineira vem duas vezes por semana.

— Eu posso limpar, se quiser. — Eva disse, num tom suave, quase tímido.

— Não. — respondi imediatamente. — Você vai descansar. Esse lugar é grande, e você precisa de paz. Não de tarefas.

Ela me olhou como se não esperasse gentileza.

— Eu preciso sair agora. Reunião rápida. Mas... pode ficar à vontade, Eva. Esse espaço é seu também agora, Carla ajude com o necessário, mostre tudo que ela precisa ver e dê o quarto de hóspedes mais confortável para ela.

Ela ficou parada no centro da sala por um instante, observando tudo com aquele olhar de quem sobreviveu a um furacão e ainda tá aprendendo a respirar.

E eu… saí dali com um pensamento cravado no peito: talvez ela fosse o único lugar seguro que eu ainda tinha no mundo e aprenderia a proteger a qualquer custo.

Chegando na empresa olhei para aquele prédio imenso, mas não senti nada além de alívio, ia dar certo, hoje seria o primeiro dia do resto da minha vida.

O elevador me levou direto até o último andar da sede principal da Carter’s Associados. O corredor de mármore, os quadros frios de artistas famosos, o cheiro de dinheiro e arrogância pairando no ar… tudo ali me lembrava por que eu odiava aquele lugar.

As portas de vidro da sala de reuniões estavam entreabertas, e a voz do meu pai era facilmente reconhecível, grave e autoritária. Ele falava como se o mundo lhe devesse algo. Sempre foi assim.

Empurrei a porta sem bater.

Todos os olhares se voltaram para mim — engravatados, calculistas, sócios antigos, os que vi crescer me analisando como se eu fosse mais uma peça do tabuleiro. Mas eu não era mais.

Entrei com passos firmes, os papéis em mãos, e parei diante da longa mesa de mogno.

— Aqui está. — anunciei, jogando os documentos sobre a mesa, fazendo com que alguns se espalhassem. — Minha renúncia. Meu desligamento de todos os conselhos, todas as participações, todas as obrigações com a Carter's Associados. A partir de agora, não sou mais parte disso.

O silêncio caiu como uma tempestade.

Meu pai se levantou devagar. Os olhos dele eram fogo frio, uma tempestade contida. Ele pegou os papéis, folheou por cima, e depois olhou direto para mim.

— Isso é ridículo. — disse com aquela voz cheia de escárnio. — Você está se deixando levar por um capricho momentâneo. É sangue da família que corre em você, Ethan. Isso aqui é seu por direito, rasgue essa porcaria e volte ao trabalho.

— Eu não quero esse direito. — respondi, firme, com o maxilar travado. — Você pode ficar com tudo. O nome. A ganância. A sujeira. Eu tô fora e você não manda em mim.

E antes que ele pudesse retrucar, antes que despejasse mais uma daquelas falas calculadas que usava para manipular até o vento, eu simplesmente virei as costas ouvindo meu nome ser chamado, mas o ignorar era a melhor parte.

Cada passo até a porta foi como arrancar uma corrente do meu corpo. A cada batida do meu sapato no chão de mármore, eu sentia o peso de anos sendo deixado para trás. Quando a porta se fechou atrás de mim, o suspiro que soltei veio do fundo da alma.

Era isso. Pela primeira vez em muito tempo... eu era livre.

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Comments

Michele Bonfim

Michele Bonfim

Creio que o caminho da liberdade vai ser difícil, pois a arrogância do pai não permite se quer pensar em.perder uma peça tão importante nos negócios...pois isso que o filho representa para o pai. Mas já que Ethan está certo e convicto desse amor por Eva...tomara que ele aprenda a desbravar esse percurso ao lado da amada um apoiando o outro.

2025-04-08

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Matilde Nacimento

Matilde Nacimento

Nossa que capítulo foi esse autora voltar aqui e postar mais capítulos pra nós por favor 👏👏👏

2025-04-07

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