Acordei assustada. O barulho dos aparelhos, o cheiro forte de hospital, aquela luz fria entrando pela janela. O corpo inteiro doía, mas não mais do que a confusão que tomou minha mente.
Me sentei rapidamente, quase arrancando os fios do braço.
— Calma. — a voz grave e rouca me fez virar o rosto num susto.
Ele estava ali.
Ethan.
Sentado ao lado da cama, com uma camiseta simples e calça esportiva, cabelo bagunçado, os olhos cansados. Cansados… mas fixos em mim.
Ele parecia exausto, mas estava ali.
— O que você está fazendo aqui?
— Você lembra do que aconteceu? — ele perguntou com cuidado, como se minha cabeça fosse de vidro.
Assenti devagar, o peito apertando com a lembrança do fogo, da fumaça, do pânico. Engoli em seco.
— Você devia estar feliz. Agora talvez eu aceite vender. Devo agradecer se alguém quiser aquilo depois de hoje…
Vi a mudança no rosto dele, como se minhas palavras tivessem machucado de verdade.
— Não fala isso. — ele balançou a cabeça. — Eu não quero nada daquilo. Nunca quis. Só quero que você esteja bem. Em segurança. Eu nunca te faria mal, Eva… Mas tem gente que faria. E faria sem pensar duas vezes.
A sinceridade na voz dele me desarmou. Antes que eu pudesse responder, ele puxou algo do lado da cadeira. Um objeto sujo, chamuscado… mas inteiro.
Meu caderno.
Meus olhos se encheram de lágrimas.
— Você salvou ele… — sorri, segurando o caderno como um tesouro. — Graças a Deus, não se perdeu.
— Você salvou. Estava agarrada nisso como se fosse sua vida. — ele disse com um sorriso de canto. — Achei que era importante, considerando que ficou agarrada em minha mão por horas devo pensar que sou importante? — falou me trazendo esta lembrança e me deixando na hora vermelha.
O médico entrou em seguida, interrompendo aquele momento. Explicou que eu estava bem, com algumas queimaduras leves e inalação de fumaça. Nada grave. Mas teria que seguir medicação e repouso absoluto por alguns dias.
— Prescrição está aqui, Sr. Carter. Já cuidei de tudo com a recepção. — disse ele, entregando a papelada diretamente para Ethan.
Aquilo me preocupou, como vou pagar?
— Foi loucura me trazer para cá… eu não tenho como pagar por isso…
Segurei a mão de Ethan, tentando que ele me olhasse nos olhos.
— Sério. Você tem que saber que—
— Eva. — ele apertou minha mão, firme. — Já tá feito. Não precisa dizer nada.
— Mas eu quero deixar claro!
— E eu já cuidei de tudo. — ele sorriu, como se aquilo fosse simples. Como se fosse certo, mas por quê? Qual intenção por trás disso?
O médico riu baixo, balançou a cabeça e saiu, deixando a gente num silêncio tenso.
Foi aí que Ethan falou de novo.
— Fica comigo.
— O quê?
— Na minha casa. Até você se recuperar. — ele disse calmo, mas direto. — Não quero que você fique sozinha. Não quero que alguém te machuque. Eu não vou te machucar, Eva. Mas me sinto culpado. E enquanto você precisar, eu não aceito um "não".
— Ethan, isso é loucura…
— Talvez. Mas é a minha loucura. Me deixa cuidar de você. Nem que seja só por um tempo.
Meu instinto gritava para correr. Mas o cansaço, a lembrança do calor das chamas, o medo de ficar sozinha… Eram dois ataques em menos de 48 horas.
E, talvez, um certo alívio por não estar lutando tudo sozinha.
— Tá bem. — sussurrei. — Mas só até eu melhorar. Só para você parar de se sentir culpado. Não porque…
Parei a frase no meio vendo o sorriso em seus lábios, aí percebi que ele era bonito, não Eva sua louca, para com isso.
Não porque eu queria estar perto dele.
Claro que não.
Quem eu queria enganar? Ele continuou ali e eu tentei não sentir seus olhos pesados sobre mim.
Foi então que olhei para a porta.
Angela e sua família estavam ali. Liam, Matheu, até a mãe dela.
Todos nos observavam em silêncio. Angela me lançou um olhar confuso, como quem tenta entender se eu estava sob efeito de remédios ou se aquilo era real.
Mas ninguém disse nada.
Talvez, como eu… também estivessem tentando entender onde tudo isso ia dar.
O quarto ainda cheirava a desinfetante, e a luz baixa do entardecer invadia pelas frestas da persiana, lançando sombras delicadas nas paredes. Eu estava deitada, olhando para o teto em silêncio, quando algo lá fora, pela janela lateral, me chamou atenção.
Ethan estava no estacionamento.
Ao lado dele, Liam — o irmão da Angela — falava com gestos firmes, como quem tentava conter uma tempestade. E havia outro homem ali também. Mesmo à distância, a imponência dele era inegável. O terno caro, os cabelos grisalhos bem penteados, a expressão dura como pedra, Liam acalmava Ethan que queria ir para cima do pai.
Eu soube na hora que ele tinha alguma culpa.
Era ele?
O pai de Ethan.
Sr. Carter
Senti meu coração apertar de um jeito que só o instinto entende. Ele deveria estar preocupado com o filho, mas não era isso que se via. A maneira como apontava o dedo, como falava com rigidez, parecia tudo, menos cuidado paterno. Era cobrança. Frieza.
Controle.
Soltei um suspiro longo. Era tudo demais. Meu corpo doía, minha alma latejava.
Pouco depois, Angela entrou no quarto com uma garrafinha de suco na mão e aquele olhar que ela sempre tinha quando queria dizer muita coisa, mas preferia esperar que eu abrisse a porta.
— Ele... me pediu pra ficar no apartamento dele. — deixei escapar de uma vez, baixando os olhos. — Até eu melhorar.
Angela parou no meio do quarto. Eu a vi franzir a testa, surpresa.
— No apartamento dele? — repetiu, com uma mistura de choque e cuidado na voz.
Assenti devagar.
— Disse que se sente culpado... que não quer que eu fique sozinha. E prometeu que não vai me fazer mal. — falei baixo, como se estivesse tentando convencer a mim mesma de que aquilo fazia sentido.
Ela puxou a cadeira ao lado da cama e se sentou, me olhando daquele jeito intenso que só ela sabia fazer. Às vezes, eu achava que Angela enxergava através de mim.
— E você sente alguma coisa por ele?
Minha boca se abriu antes que o pensamento estivesse pronto, mas hesitei.
— Não. — respondi, e logo em seguida senti que talvez minha própria voz não acreditasse. — Quer dizer... acho que não. Eu não sei, Angela. Não é fácil confiar assim. Mas ele... ele me salvou. Ele me trouxe de volta o caderno. Ele ficou aqui. O tempo todo. E não fez nada além de me respeitar.
Ela respirou fundo, cruzando os dedos sobre o colo.
— Ethan é... complicado. — começou, com um pesar no olhar. — Mas é uma boa pessoa, não sabia que era ele o cara mau, Eva. De verdade. Só que foi moldado pelo pai para ser o que ele nunca deveria ter sido. O Sr. Carter… ele é podre. Do tipo que suja tudo o que toca.
Ficamos em silêncio por alguns segundos. Até que ela continuou:
— Os irmãos do Ethan são bem diferentes. A irmã dele Scarllety era minha amiga. Mas se afastou depois que teve a Amelia. Casou com um verdadeiro monstro, Eva. Um daqueles que só de ouvir falar, a espinha arrepia. Ela se fechou num mundo próprio para proteger a filha. Ethan não sabe disso, eles só enxergam status, pelo menos achei isso até o ver enfrentar o pai hoje.... acho que ele tenta salvar todo mundo e ninguém sabia. Talvez porque ninguém tenha feito isso por ele.
Angela deu de ombros, como quem aceitava uma dor antiga demais para mudar.
— O passado deles é uma corrente pesada. Mas se você não sente maldade nele... talvez ir para lá não seja tão ruim assim.
Fiquei em silêncio, digerindo cada palavra.
— Saber disso me alivia. — confessei. — Me dá uma... sensação de segurança que eu não esperava sentir com ele.
Angela sorriu, mas os olhos dela... ah, os olhos disseram tudo. Ela estava triste por mim. Pela confeitaria. Por tudo o que eu perdi.
— Queria que sua vida fosse mais simples. Você merecia paz, merecia ver sua confeitaria crescer, brilhar... Era o seu mundo.
Minha garganta fechou. Senti as lágrimas se acumulando nos olhos.
— O que... sobrou de lá? — perguntei, com um fio de voz.
Ela hesitou. Depois pegou o celular.
— Tem certeza?
Assenti, já sentindo meu peito doer antes mesmo de ver.
A imagem apareceu.
Meu coração se partiu em mil pedaços.
Era só escombro.
Madeira queimada. Vitrines estilhaçadas. Fumaça ainda dançando no ar como se zombasse do meu sonho morto.
— Meu sonho virou pó... — sussurrei, com a voz embargada.
As lágrimas simplesmente vieram. Sem esforço. Sem controle. Como se todos os dias em que segurei o choro estivessem explodindo de uma vez só.
Mas, mesmo com o peito em pedaços, algo dentro de mim... ainda brilhava. Uma semente de fé.
— Mas… algo me diz que Deus preparou coisas melhores. — murmurei. — E é nisso que eu vou me agarrar. Porque se eu não acreditar nisso agora… eu morro de desgosto.
Angela me puxou pra um abraço forte, apertado, como se tentasse segurar meus pedaços no lugar.
— Você não vai morrer, Eva. Vai renascer. E se for na casa de um Carter... bom, eu estarei te vigiando de perto.
Soltei um riso fraco, trêmulo. Chorei no ombro dela. Mas pela primeira vez... o choro veio com uma pontinha de alívio.
E naquele instante, entre dor e esperança, eu soube: ainda havia muito por vir.
E eu não ia desistir.
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Atualizado até capítulo 42
Comments
Maria Helena Macedo e Silva
lembro quando eu tinha 12 anos , a casa de uma colega foi consumida pelo fogo, então todos nós vizinhos e colegas fizemos um mutirão e conseguimos estruturar a casa, arrecadarmos mantimentos, roupas e até. trabalho para os pais dela ( o pai se tornou porteiro em nossa escola e a mãe costureira na oficina de costura no bairro). assim eles conseguiram se reestabelecer.
2025-04-11
0
Renata
vai ser um desafio mais vcs vão conseguir
2025-04-05
1
Michele Bonfim
É isso mesmo Eva, literalmente a esperança é a última que morre...fé que grandes coisas estão por vir...
2025-04-05
2