A manhã de domingo começou cedo demais para mim. Antes do sol sequer tocar os prédios da cidade, eu já estava nas ruas. Tênis nos pés, fones no ouvido, tentando fugir de mim mesmo.
Mas minhas pernas tinham outros planos.
E me levaram até ali.
Aquela maldita sala de reuniões onde meu pai costumava me moldar como se eu fosse parte de algum tabuleiro sujo, um aglomerado de prédios de luxo que eram a cede da Carter's associados.
Fiquei do outro lado da rua, parado.
As janelas estavam fechadas, mas ainda conseguia ouvir os fantasmas ecoando lá dentro — a voz dele, o olhar sempre pesado, as decisões que nunca foram realmente minhas.
Tinha tomado a decisão: me afastar de vez.
Com o que herdei da minha mãe e o que construí por conta própria, dava pra viver por mil anos. E ainda sobrava.
Na mesma rua em contraste com aquele luxo tinha uma pequena confeitaria, meus pés seguiram por vontade própria até la. Foi aí que vi ela.
Eva.
Caminhando leve, com uma bolsa grande no ombro. Entrou na confeitaria com passos quase silenciosos, como se pertencesse mais àquele lugar do que ao mundo lá fora.
Me sentei no café em frente. Sem pensar. Pedi algo que nem provei. Fiquei ali. Observando. Não como um stalker — mas como alguém que, pela primeira vez, queria entender o que se passava por trás de um sorriso doce e olhos tão assustados.
As horas passaram.
Vi Liam chegando. Depois Angela. Matheu.
Todos pararam em frente à confeitaria. Todos pareciam preocupados. Bateram na porta, chamaram por ela.
Nada.
Era dela que falavam na noite anterior, não era coincidência, era ela.
Eva.
A amiga da irmã. A que fazia doces. A que Matheu disse que Angela protegeria com a vida.
Eu deveria ter ido embora.
Mas algo me prendia ali.
E quando dei por mim, já estava escuro. O café fechara, os carros passavam com faróis acesos, e eu ali. Sozinho. Na calçada. Esperando sabe-se lá o quê.
Foi quando ele apareceu.
Um homem estranho. Alto, com um capuz cobrindo parte do rosto. Entrou na confeitaria sem hesitar. Não parecia cliente. Não parecia... certo.
Um nó se formou no meu estômago.
Levantei.
Meu corpo já se movia antes da mente decidir.
Quando cruzei a rua, a porta se abriu com violência e o homem saiu correndo. Rápido demais. O instinto gritava pra ir atrás, mas algo mais alto dentro de mim gritou mais forte:
Eva ainda estava lá dentro, será que machucada? Com medo?
Dei dois passos na direção do cara, mas parei.
Virei para a confeitaria — e foi aí que vi.
Fumaça.
Subindo pelas frestas da janela.
Fogo. Começando a devorar por dentro.
— Merda… — sussurrei, antes de sair em disparada.
Bati na porta. Nada.
Tentei ver por dentro, mas tinha muito fogo, era praticamente impossível ter alguém vivo, mas reparei que atrás do balcão não tinha fogo, corri para os fundos com o coração na mão.
Mas eu não parei.
Entrei.
Meu coração batia tão alto que mal ouvia os estalos do fogo.
— EVA! — gritei, avançando no escuro. — RESPONDE, EVA!
Foi quando ouvi um gemido fraco. Um som abafado.
Segui na direção, cegamente. A fumaça ardia, queimava os olhos, mas continuei.
E então a vi.
Caída no chão, abraçada a um caderno como se fosse um tesouro. O rosto manchado de fuligem, o cabelo preso em mechas suadas. Ainda assim, era ela. Linda até no meio do caos.
Me abaixei, a envolvi com os braços e a ergui contra meu peito.
— Tá tudo bem. Tô com você. Não solta.
Não esperei por mais nada.
Corri com ela nos braços, como se o mundo estivesse desmoronando atrás de nós.
Porque estava.
E quando saímos — quando finalmente a luz da rua nos alcançou — tudo dentro de mim mudou.
Não importava o que tinha acontecido antes.
Não importava o quanto eu tentasse lutar contra.
A partir dali, eu sabia: jamais conseguiria ver Eva se machucar e não fazer nada.
A fumaça ainda estava no ar, densa, carregada. Meus braços envolviam Eva, e mesmo sem força ela segurava meu pulso com uma insistência quase desesperada — como se, ao soltar, tudo pudesse desmoronar outra vez.
Estávamos sentados na calçada, ela encostada no meu peito, os olhos fechados, respirando aos poucos, meio inconsciente, entre tosses gemidos e medo de homens que se aproximavam para oferecer ajuda, arranhada e com a pele manchada de fuligem. Mas viva. Ela estava viva.
O livro…
Aquele caderno de receitas todo queimado e sujo…
Agora estava nas minhas mãos. E por mais absurdo que parecesse, ela tinha tentado salvar aquilo com a própria vida. Era mais que um objeto. Era tudo o que ela construiu sozinha.
As sirenes cortaram a rua. Vermelho. Azul. Vultos correndo. Gritos de bombeiros. Ambulância. As pessoas começaram a se aglomerar. E, de repente, tudo ao redor ficou em segundo plano.
Eva apertou minha mão com mais força.
— Não solta… — ela murmurou, quase sem voz.
— Tô aqui. Não vou a lugar nenhum — respondi em saber que dessa vez ela não me via como um perigo, ela estava colocando sua segurança em mim.
Os paramédicos se aproximaram, agiram rápido. Uma máscara de oxigênio foi colocada no rosto dela, e mesmo com os olhos meio fechados, ela não largava minha mão nem o livro, que eu segurava agora por nós dois.
Foi quando vi uma movimentação mais agitada.
Angela surgiu correndo no meio da multidão, ao lado de Liam, Matheu e outras pessoas que pareciam família. Ela me viu. Os olhos arregalaram — e marchou até mim.
— Você! — apontou o dedo. — É você o idiota que queria comprar a confeitaria a todo custo? Você não faria isso, conheço você, por essa loucura ela quase morreu.
Olhei pra ela, tenso. Mas firme.
— Não, eu não faria isso, não sou assassino.
Ela parou. Respirou fundo.
— Eu sei. Mas tem outros querendo. Homens piores. Que não aceitariam um não.
Aquilo me fez engolir em seco.
Eva… ela estava no meio de uma guerra que não sabia estar lutando.
— Ninguém mais vai tocar no que é dela. Eu juro.
— No que sobrou né, isso que você quis dizer, coitada vai morrer de desgosto quando ver que tudo se acabou. — respondeu olhando com cara de preocupação para ela na maca e para os bombeiros apagando o fogo.
Quando os paramédicos começaram a preparar a maca, soltando instruções e cercando Eva com rapidez, ela tentou falar algo. Estava fraca, mas seus olhos encontraram os meus. E por um instante, o mundo parou de novo.
Mas então…
ele chegou.
Meu pai.
Desceu do carro com aquele terno caro, o rosto fechado, os olhos analisando tudo como se estivesse em uma reunião de negócios. O olhar dele passou por mim, por Eva, pela confeitaria ainda soltando fumaça. A carranca dele dizia tudo.
Como se fosse culpa minha. Como se fosse culpa dela. Como se ele já soubesse.
Me levantei. O sangue ferveu.
— Você sabia. — minha voz saiu firme, pesada.
Ele arqueou a sobrancelha como se fosse inocente. Como se ainda achasse que estava no controle.
— Ethan, abaixe o tom. Não é o lugar—
Não deixei ele terminar.
Avancei. O punho cerrou sozinho. E com força, acertei um soco no rosto dele que o fez cambalear para trás.
— Ninguém vai encostar um dedo na Eva sem passar por mim primeiro.
O silêncio que se fez depois foi denso.
Mas eu não me arrependi.
Ali, naquela calçada, com o cheiro de fumaça ainda no ar e o gosto amargo da verdade na garganta, eu soube.
Eva agora era minha luta.
E quem tentasse destruí-la, teria que me enfrentar.
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Atualizado até capítulo 42
Comments
Michele Bonfim
Uau o todo poderoso, vai ama lá na mesma intensidade que é arrogante....tomara.
Agora a briga vai ser feia...pai e filho se gladiando, cada um lutando pelo seu amor verdadeiro....hummm Ethan por nossa doce Eva e seu pai pelo poder ,dinheiro....quem sairá vitorioso?
2025-04-05
2
Renata
nosso herói de terno ..isso aí deixa todos saberem que ela não tá sozinha
2025-04-05
1
Matilde Nacimento
uau que capítulo foi esse maravilhoso 👏👏👏
2025-04-05
2