O adeus a Camille

Cheguei em casa naquela noite ainda com o sangue fervendo. O silêncio do meu apartamento fazia o eco da raiva martelar ainda mais alto dentro de mim. Tirei o paletó com um gesto brusco, jogando-o no encosto do sofá. Caminhei até a cozinha, abri uma cerveja e me encostei no balcão, tentando relaxar.

Mas não adiantava.

Eva.

Por que, diabos, eu ainda pensava nela? Aquela mulher era um campo minado. Desconfiada, ingrata, e mesmo assim… algo nela grudava em mim como um vício maldito. A lembrança do jeito como ela me olhou quando cheguei para salvá-la ainda me corroía por dentro.

O celular vibrou no bolso. Reconheci o nome na tela.

Liam Thompson.

— Fala, irmão — atendi, encostando a garrafa nos lábios.

— Cara, minha irmã tá em casa com uma amiga, então vou aproveitar para estourar o apê novo. Bora sair, tomar umas, olhar a vida com outros olhos?

Sorri sem vontade.

— Quer dizer que a princesinha finalmente se rebelou e saiu da mansão dos Thompson? — zombei lembrando do medo que ele tinha da reação da mãe, uma senhora amável e carinhosa, que gostava de ter todos debaixo das asas.

— Pois é. E vou arrumar uma treta daquelas com meus pais. Mas hoje é noite de esquecer os problemas, certo?

— Certo — respondi, seco. — Me passa o endereço.

Me troquei com pressa, camisa escura, jeans escuro, tênis. Nada formal. Não estava no clima para etiquetas. Encontrei Liam e alguns amigos em uma boate no centro. O som pulsava nas paredes, e a bebida já girava fácil entre as mesas.

Dilan meu irmão, chegou pouco depois. Sentou-se ao meu lado com seu jeito debochado de sempre.

— Pensei que ia te encontrar em casa chorando com Camille — provocou.

Revirei os olhos.

— Camille não me atrai para nada, não choraria por ela.

— E porque não termina? — questionou.

— São negócios. — respondi. — até agora nada nela me fez desejar terminar, nada urgente pelo menos.

E naquele momento era verdade.

Até ela aparecer.

Vestido curto, salto alto, risada forçada. No colo de outro cara, com os braços em volta do pescoço dele, beijando-o como se estivesse sozinha no mundo.

Todos os olhares da nossa roda viraram para mim.

O futuro marido traído.

O Carter sendo feito de idiota.

Senti o sangue subir.

Levantei sem dizer nada e fui até lá. O idiota ainda tentava rir quando me aproximei. Não dei tempo.

Um soco direto no rosto dele.

O barulho seco do impacto cortou a música ao menos na minha cabeça. Ele caiu pra trás, atordoado. Camille deu um passo, gritou alguma coisa, mas eu já estava cuspindo as palavras que não consegui engolir.

— Você nunca foi digna de usar o meu nome — rosnei. — Mas parabéns. Agora é livre.

Tirei o anel do bolso interno da jaqueta — aquele maldito anel que o pai dela fez questão de me entregar — e joguei na cara dela.

— Fica com ele. Vai combinar com o seu novo idiota.

Camille ficou ali parada, sem reação, os olhos arregalados e os lábios entreabertos. Ridícula.

Me virei sem olhar para trás e voltei até a minha mesa.

— Vamos sair daqui — falei para os caras. — Tô com sede de lugares melhores.

Dilan riu, colocando a mão no meu ombro.

— Agora sim eu vi o verdadeiro Ethan Carter, está na hora de se rebelar contra os nossos pais e esses malditos mandamentos.

Saímos juntos da boate, e pela primeira vez naquela noite, eu respirei melhor.

Camille estava fora do meu caminho.

Mas Eva...

Eva ainda estava grudada na minha mente como uma maldita tatuagem feita à força.

E isso, sim, era um problema.

Depois do show particular na boate, seguimos direto para o apartamento do Liam. Ele tinha bom gosto, eu precisava admitir. Cobertura moderna, vista privilegiada da cidade, sofá confortável e geladeira abastecida — tudo que um homem solteiro e rico precisava para sobreviver.

As risadas ecoavam pela sala, os copos tilintando em um ritmo quase terapêutico. Eu só queria desligar a mente. Deixar o álcool afogar a lembrança daquele chifre da Camille… e daquele não da Eva.

A campainha tocou e Liam foi atender.

— Aí está ele, o mais apaixonado da noite! — gritou, rindo enquanto abria a porta.

Entrou um cara alto, boa pinta, com jeito descolado e cara de quem trabalhava com design ou algo criativo. Vestia uma jaqueta de couro por cima de uma camiseta branca e tênis. Era o típico "gente boa".

— Fala, Matheus! — Liam o cumprimentou. — Já acabou a noite dos apaixonados?

— Que nada. Hoje é "noite das garotas", e se eu me metesse, perdia minha namorada — ele disse, jogando a jaqueta na poltrona. — Angela foi clara: ‘É só eu, a Eva e um filme. Tenta aparecer e dorme no sofá por uma semana.’ Tô obedecendo.

Todos riram, inclusive eu... até aquele nome bater no meu ouvido com força.

Eva.

Matheus continuou, pegando uma cerveja da mesa:

— As duas são inseparáveis. Angela ama aquela garota como se fosse irmã. E sinceramente? Não vou arriscar perder a mulher que eu amo por ciúmes idiotas. Hoje eu bebo com os machos, mesmo.

As risadas continuaram, mas minha mente parou.

Eva.

A mesma Eva?

Coincidência?

Tentei fingir que não estava incomodado, mas era como se o universo estivesse rindo da minha cara. Primeiro Camille. Depois Eva me rejeitando. Agora eu estava no apartamento do Liam e Eva aparece como um nome repetido em todo lugar, mente, vida — ou melhor, não só o nome já que sua imagem não sai da minha cabeça também — Não posso ficar aqui só ouvindo que ela estava no "clube das meninas intocáveis da noite".

Levantei sem dizer nada.

— Vai aonde? — Dilan perguntou, franzindo a testa.

— Para casa.

— Já?

— É. O mundo tá meio... contra mim hoje.

Eles riram. Não respondi.

Peguei minha jaqueta e fui embora. Dirigi em silêncio, os nós no peito apertando a cada quilômetro.

Quando cheguei, joguei a chave na bancada, tirei os sapatos e fui direto para o quarto. Deitei. Apaguei a luz.

Mas dormir?

Isso seria luxo.

Talvez fosse só o álcool... ou talvez fosse o nome dela martelando na minha cabeça como uma maldição bem pronunciada.

Eva.