Dança, Duques e Lembranças

O salão de baile permanecia em sua grandiosidade habitual. O brilho dos candelabros refletia nos vestidos suntuosos, as risadas e murmúrios se misturavam à melodia suave da orquestra, enquanto casais rodopiavam em perfeita harmonia. Mas, para Nora, tudo parecia distante, como se estivesse presa a um espetáculo do qual não queria fazer parte.

Ela sentia o olhar do Duque de Ashford ainda sobre ela, mesmo enquanto ele se afastava para cumprimentar outras damas e cavalheiros. Ele era habilidoso, movia-se com confiança e elegância, como alguém acostumado a comandar a atenção de uma sala inteira.

E, aparentemente, ele queria a atenção dela.

Nora apertou levemente o próprio pulso, como se o simples toque pudesse afastar o peso daquela realidade. Seu coração já pertencia a outro. Mas ninguém parecia se importar com isso.

Apertando os lábios, ela deixou o salão e seguiu para a varanda lateral, onde a brisa noturna trouxe um alívio imediato. O ar fresco contrastava com o calor sufocante da festa, permitindo que ela finalmente respirasse.

Fechou os olhos por um momento, e então o passado a envolveu como uma lembrança teimosa.

Xavier.

Os jardins da propriedade Clifford sempre haviam sido seu refúgio quando criança. Um lugar de liberdade, longe das exigências do mundo nobre que lhe impunham desde o berço. E ele sempre estava lá.

Xavier, o filho do jardineiro. Sujo de terra, mas com olhos vivos como a própria primavera.

Eles compartilhavam segredos sob as grandes macieiras, dividiam sonhos impossíveis enquanto corriam entre os canteiros de flores proibidos. Ele era a única pessoa que enxergava Nora além do título e das obrigações que a cercavam.

E, com o tempo, Xavier se tornou mais do que um amigo. Se tornou o único dono do seu coração.

Mas ele nunca se iludiu.

— Nora, vivemos em mundos diferentes.

Aquela lembrança vinha acompanhada da dor familiar.

— O que temos aqui... não pode existir além desses jardins.

— Eu não ligo para isso.

Ela havia dito isso com a convicção ingênua da juventude.

Mas Xavier sempre soube que a realidade era cruel.

— O mundo liga. Sua família ligaria. Seu pai... e, principalmente, sua mãe.

E então, como uma tragédia inevitável, ele se foi. Xavier partiu para a guerra e levou consigo a parte do coração de Nora que jamais pertenceria a outro.

Agora, ali, na varanda, com um duque cortejando-a e sua mãe conspirando para seu futuro, Nora sentia-se sufocada.

— Fugindo da festa novamente, Lady Nora?

A voz grave e aveludada arrancou-a do passado. Ela abriu os olhos e encontrou o Duque de Ashford encostado no batente da porta, os braços cruzados sobre o peito, um meio sorriso nos lábios.

— Apenas buscando um pouco de ar — respondeu, com um toque de ironia.

Ele se aproximou, sem pressa, parando ao seu lado.

— E conseguiu encontrar o que procurava?

Ela virou o rosto em sua direção.

— Não. Mas aparentemente minha paz tem se tornado um bem escasso ultimamente.

O duque sorriu, um brilho divertido nos olhos.

— Não sou um grande admirador de joguinhos sociais, Lady Nora. Mas admito que você me diverte.

— E eu não tenho a menor intenção de entreter Vossa Graça.

— Então por que não me ignora como faz com os outros?

Ela hesitou.

O duque era perspicaz. Isso a incomodava.

— Porque o senhor é teimoso e me persegue pela festa inteira — rebateu, erguendo o queixo.

— Prefiro chamar de determinação.

— Eu prefiro chamar de insistência irritante.

Ele riu, genuinamente divertido.

— Nora Clifford... bela como uma pintura e afiada como uma lâmina.

Ela cruzou os braços, girando discretamente o bracelete em seu pulso.

— E você, Vossa Graça, é exatamente como imaginei que seria.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Oh? E como me imaginou?

— Um homem acostumado a sempre ouvir "sim", que nunca foi desafiado e que se diverte quando alguém ousa contrariá-lo.

Ele sorriu de canto, inclinando-se ligeiramente para ela.

— E se eu disser que finalmente encontrei alguém à altura do desafio?

Os olhos de Nora brilharam em um desafio próprio.

— E se eu disser que nunca me renderei ao que minha família quer?

O duque não respondeu de imediato. Ele apenas a observou, seus olhos escuros percorrendo cada detalhe de sua expressão, como se tentasse desvendar o que se escondia por trás daquela postura firme.

Então, fez algo inesperado.

Pegou delicadamente a mão dela e, sem pressa, ergueu-a até seus lábios, deixando um beijo sutil na pele macia.

Foi um toque breve. Mas a deixou sem ação por alguns segundos.

O estômago de Nora se contraiu.

Ela puxou a mão de volta rapidamente, como se tivesse sido queimada.

— Cuidado, Vossa Graça. Algumas mulheres mordem.

Ele ergueu uma sobrancelha, os olhos brilhando com um desafio velado.

— Algumas mordidas valem a pena.

Antes que ela pudesse rebater, uma voz se sobressaiu no corredor.

— Nora!

Ela se virou e encontrou sua mãe, Mary Clifford, ao lado de algumas damas que observavam a cena com sorrisos satisfeitos.

— O Duque de Ashford tem sido um cavalheiro maravilhoso esta noite — Mary elogiou, cheia de segundas intenções.

Nora manteve sua expressão neutra.

— Ele tem sido persistente, isso posso garantir.

O duque riu, sem se ofender.

— Lady Nora é uma mulher fascinante. Seria um erro não tentar conhecê-la melhor.

Mary sorriu, satisfeita.

— Então espero que continue tentando, Vossa Graça.

Nora suspirou.

A noite parecia longe de acabar.

E, em meio a toda aquela encenação, só uma pergunta queimava em sua mente.

Xavier voltaria um dia?

Se sim...

O que aconteceria quando ele visse o que sua família estava preparando para ela?

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