O sol mal havia se erguido no horizonte quando Gabriel acordou, mas o peso de sua mente o havia tirado do sono muito antes da luz do dia começar a se espalhar pela vila. A imagem de Selene, com seu sorriso enigmático e os olhos desafiadores, parecia perseguí-lo em cada sombra da catedral. Ele se levantou da cama com um suspiro pesado, sua mente repleta de pensamentos conflitantes. A cúpula da igreja parecia distante, a paz que ele antes sentia em suas orações agora substituída pela inquietação.
Ele se vestiu em silêncio, colocando sua batina com o gesto automático de sempre, mas a sensação de estarem se tornando apenas uma máscara para esconder a crescente turbulência dentro dele era inescapável. O que ele estava se tornando? O que ele havia feito ao se aproximar de Selene? A culpa o corroía, mas ao mesmo tempo, havia algo mais, algo que ele se recusava a admitir. Um desejo profundo, algo que queimava sua alma de dentro para fora.
Gabriel respirou fundo e saiu da catedral. O ar da manhã parecia mais denso, como se o próprio mundo estivesse observando-o. Os pássaros cantavam ao longe, mas ele não conseguia ouvir a beleza da natureza. Seus pensamentos estavam distantes, sempre voltando para ela. A mulher cigana, com seus olhos que viam através de sua fé, com seu corpo que chamava por ele de maneira que ele jamais poderia imaginar.
Ele caminhou sem rumo, os passos automáticos o levando até a praça da vila, onde os moradores já começavam a se reunir para suas tarefas diárias. O cenário habitual parecia tão normal, tão rotineiro, mas ele sentia como se estivesse em um pesadelo. Cada rosto que passava por ele parecia vazio, sem vida. Ele os via, mas não conseguia se conectar. Só conseguia pensar nela.
Ele parou diante de uma pequena fonte de água na praça, olhando as águas cristalinas que fluíam lentamente. Era como se ele estivesse tentando se limpar, tentando expurgar o que havia se infiltrado em sua alma. Mas as lembranças de Selene voltavam com mais força a cada momento. Ela estava dentro dele agora, enraizada em sua mente e coração.
De repente, uma voz interrompeu seus pensamentos.
— Padre Gabriel? — Era a voz de um dos aldeões, um homem idoso que sempre o cumprimentava com um sorriso respeitoso.
Gabriel levantou os olhos, forçando um sorriso cordial.
— Sim, senhor Antonius? — Sua voz estava mais grave do que ele gostaria, marcada pela turbulência interna que ele não sabia mais como esconder.
O homem olhou para ele com um semblante preocupado, notando a expressão distante de Gabriel.
— Está tudo bem, padre? Parece… perturbado. — O tom de Antonius era de uma preocupação genuína.
Gabriel queria afastar os pensamentos que o assolavam, mas a verdade era que ele não sabia mais o que fazer. Como poderia continuar a servir a Deus com um coração tão dividido?
— Estou bem, senhor Antonius. Só… só estou pensando em algumas coisas. — Ele forçou a resposta, tentando esconder a angústia.
O homem idoso não parecia convencido, mas se limitou a dar um aceno com a cabeça.
— Lembre-se, padre, que todos nós carregamos fardos. Mas a fé nos guia, não importa o quão escura seja a estrada. — Antonius deu um leve sorriso, colocando a mão sobre o ombro de Gabriel de forma reconfortante antes de se afastar.
As palavras do homem ressoaram em sua mente, mas não o trouxeram o consolo que ele esperava. A fé, a mesma fé que ele pregava todos os dias, estava se tornando algo distante. Ele sentia como se estivesse caindo em uma espiral que o afastava de tudo o que conhecia e acreditava ser certo.
Aquela tarde, Gabriel não conseguiu se concentrar em suas obrigações. As orações soavam vazias em sua boca, e as palavras do sermão pareciam se dissolver no ar. O que ele estava fazendo ali, sendo um homem de Deus, se sua alma estava tomada por uma paixão que não podia controlar? Ele rezava, mas era como se suas palavras caíssem em um abismo, sem resposta, sem alívio.
No fim da tarde, quando as luzes do dia começavam a minguar, Gabriel decidiu ir até a praça novamente. Mas desta vez, ele não queria apenas caminhar sem rumo. Ele precisava encontrá-la. Precisava ver Selene de novo, ouvir sua voz, ver seus olhos que pareciam ler sua alma como ninguém mais poderia.
Ele sabia que estava indo em direção ao precipício, mas não podia evitar. Quando chegou ao acampamento cigano, o som da música novamente lhe chamou. As fogueiras estavam acesas, e as pessoas dançavam ao redor delas com uma liberdade que parecia insultar tudo o que ele conhecia. Mas então ele a viu, de pé perto do fogo, seus olhos brilhando nas chamas.
Selene o percebeu instantaneamente e seu sorriso apareceu, como se soubesse de antemão que ele voltaria. Ela caminhou até ele, seus passos leves, quase etéreos. Quando ficou diante dele, olhou-o profundamente, como se fosse ler seus pensamentos mais secretos.
— Então, padre… você voltou. — Sua voz estava tranquila, mas havia um desafio em suas palavras.
Gabriel não respondeu imediatamente. Ele só a observava, a sensação de ser consumido por ela tomando conta de seu corpo. Ele queria se afastar, queria fugir daquilo tudo, mas algo dentro dele o mantinha ali, como se ele não tivesse escolha.
— Não deveria estar aqui — murmurou ele, sua voz falha. — Eu não posso fazer isso. Não posso me entregar a isso.
Ela sorriu mais amplamente agora, um sorriso que não era de triunfo, mas de compreensão.
— Você já se entregou, Gabriel. — Sua voz era suave, mas as palavras eram penetrantes. — Já está perdido. Não há volta.
Gabriel sentiu um aperto no peito. Ela tinha razão. Ele já não sabia mais o que era certo ou errado. Não sabia mais quem ele era, ou o que realmente queria. Mas uma coisa ele sabia: não poderia viver sem ver Selene novamente.
Ela deu um passo em direção a ele, mais perto, e com isso, Gabriel sentiu seu corpo reagir, o desejo que ele havia tentado esconder vindo à tona com força.
— O que você quer de mim? — Ele finalmente perguntou, a voz cheia de angústia e confusão.
Selene o observou por um momento, os olhos dela brilhando com algo que ele não conseguia compreender, mas que o atraía ainda mais.
— Quero que você veja além daquilo que você conhece, Gabriel. Quero que você veja a verdade que está diante de seus olhos.
Ele estava perdido, não havia como negar. E, sem saber como ou por quê, ele deu um passo mais perto dela.
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Atualizado até capítulo 40
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