Raízes do Desejo

Raízes do Desejo

Destino infeliz

LÍVIA ALMEIDA

O telefone treme entre meus dedos enquanto escuto a voz de Dona Célia (minha mãe) do outro lado da linha. Minha garganta está seca, e o peso das últimas semanas parece esmagar meu peito.

- Dona Célia...estou ligando para avisar que a vó Maria faleceu ontem à noite. Minha voz sai embargada, e o silêncio que se segue quase me faz querer desligar.

Ela suspira fundo. Sei que está tentando processar a notícia. Dona Célia, sempre foi forte, talvez até dura demais. Uma mulher que aprendeu cedo a engolir o choro e seguir em frente, mas nem ela pode ignorar o impacto dessa perda.

- Eu... eu sinto muito, filha... a voz dela está baixa, quase um sussurro.

- E você? Como está segurando isso tudo?

Eu engulo o nó na garganta e respondo com honestidade.

- Não estou. Ela era tudo para mim. E além da perda e essa dor do luto. Tem o problema da casa.

- Como assim?

- Não consigo pagar o aluguel da casa, já tem dois meses atrasado. O senhoril não nos despejou pois gostava muito da vovó. Eu estou desempregada desde que a fábrica fechou, e agora...vou ter que devolver a casa. Não tenho para onde ir.

- Não se preocupe, venha morar comigo. A resposta dela é imediata, firme.

- Venha morar comigo na fazenda.

Minha mente corre, tentando absorver a ideia, ir para a fazenda? Faz tantos anos que não vou até lá.... Desde que D. Célia conseguiu esse emprego como governanta na fazenda Santana tenho morado com a vó Maria, e estive nesse lugar uma única vez, em uma rápida visita.

- Não sei, mãe... Murmuro, hesitante.

- Não quero atrapalhar sua vida.

- Lívia, por favor. Eu não vou deixar você sozinha. Vou falar com o Dr. Gabriel, pedir para ele autorizar. Mas você precisa entender que, se vier para cá, vai ter que trabalhar. Ele é um homem...exigente. Ela diz buscando as palavras.

A menção do nome "Dr. Gabriel" faz meu coração acelerar. Não porque eu tenha algo contra ele, mas porque sei que esse homem é conhecido pela frieza e severidade com os empregados.

- Tudo bem, D. Célia. Respondo, tentando parecer confiante.

- Eu não tenho escolha..., mas fique sabendo que será por pouco tempo. Somente até eu conseguir um trabalho melhor ou passar no vestibular. O que acontecer primeiro.

- Certo filha. Estarei lhe esperando com ansiedade. Te amo.

- Também te amo. Até breve.

...****************...

DR. GABRIEL SANTANA

A batida na porta do meu escritório é firme, mas não urgente. Levanto os olhos dos papéis à minha frente e vejo Dona Célia, minha governanta de confiança, parada na soleira.

- O que você quer? Espero que seja urgente pois estou muito ocupado.

- Preciso falar com o Sr...Dr. Gabriel.

- Sra Célia, seja rápida. Digo, voltando minha atenção aos contratos espalhados sobre a mesa.

- O que foi?

Ela fecha a porta atrás de si, um gesto que já me alerta de que o assunto é mais sério do que imaginei.

- Preciso de um enorme favor...

- Diga de uma vez Ceci. Eu digo a interrompendo.

- Minha filha... Lívia... Ela precisa de ajuda. Ela cresceu com a avó, mas infelizmente ela faleceu, e agora minha filha está sem casa. Gostaria de pedir permissão para que ela venha morar comigo na fazenda. Mas é por pouco tempo.

Solto um suspiro pesado e me recosto na cadeira de couro. Por que as pessoas insistem em trazer seus problemas pessoais para o meu espaço?

- Ceci, você sabe como as coisas funcionam aqui. Não vou sustentar ninguém. Se sua filha quiser morar aqui, ela vai ter que trabalhar, como qualquer outra pessoa.

- Eu entendo, Sr. Ela responde, com a cabeça erguida.

- Ela não é preguiçosa. Tenho certeza de que ela pode ser útil na casa ou com os animais.

Olho para Célia por um momento, analisando sua postura firme. Conheço essa mulher há anos, e sei que ela só pede algo quando realmente é necessário.

- Tudo bem. Concedo, minha voz carregada de impaciência.

- Mas quero deixar claro: não vou passar a mão na cabeça de ninguém. Se sua filha quiser viver aqui, vai ter que trabalhar duro. Se ela me trazer problemas você e ela serão expulsas, então melhor você controlar a sua filha. Explique as regras da casa e da fazenda. Espero não ter que repreende - la.

- Não se preocupe menino Biel. Obrigada pelo seu apoio.

Assim que Célia sai, volto aos meus papéis, mas não consigo evitar o incômodo que essa conversa deixou. Uma "filha da empregada" chegando na fazenda... espero que ela não crie problemas.

Se ela criar, será expulsa sem piedade. Não suporto nem meus empregados...que dirá uma garota, filha de uma empregada.

Alguns dias se passam e eu havia me esquecido disso.

Vou até a cozinha...

- Sra. Célia você sabe do Tião?

Tião é o motorista da fazenda.

- Sr. ele foi até a cidade buscar os fertilizantes que o Sr. encomendou.

- Verdade! Eu havia me esquecido...assim que ele chegar me avise.

"Bi Bi"

Ouvimos a buzina da caminhonete.

- Ele acabou de chegar Sr. Ela diz sorrindo e sai correndo a minha frente.

Para que essa presa toda. Assim que passo pela porta principal o sol está alto e forte que ofusca a minha visão.

Levo a mão ao chapéu para pegar meus óculos de sol, mas ele não está ali. Devo ter esquecido no escritório. Fecho os olhos para ajustar a visão.

Minha atenção é instantaneamente capturada. Um linda jovem desce da caminhonete com passos tímidos, mas a graça natural em seus movimentos é inegável.

Seus cabelos negros balançam sob o sol, e seus olhos, brilhantes, percorrem a fazenda com uma mistura de curiosidade e admiração. Ela veste uma roupa simples, mas que realça a sua beleza.

Minha respiração falha por um instante, e um calor inesperado sobe pelo meu peito. Quem é essa garota?

- Dr. Gabriel! Célia acena para mim, tirando-me do transe.

A jovem Lívia, presumo...seu rosto se ilumina com uma expressão que não consigo decifrar: Respeito? Medo? Alguma coisa mais?

Eu me aproximo delas.

- Então essa é a famosa Lívia? Pergunto, o tom casual mas sério e firme que mascara a confusão interna que sinto.

- Sim, Dr. Essa é minha filha. Célia sorri, mas há algo de nervoso em seu sorriso.

Lívia dá um passo à frente, hesitante, e estende a mão.

- É um prazer conhecê-lo, Dr. Sua voz é suave e delicada, o que combina com sua beleza única.

Eu seguro sua mão por um momento mais longo do que o necessário, meu olhar preso ao dela. Algo nela me desarma. É como se toda a dureza que construí ao longo dos anos estivesse sendo desafiada pela presença dela.

- Bem-vinda à fazenda, Lívia. Digo, soltando sua mão. Meu tom soa mais suave do que eu pretendia, e isso me irrita.

- Espero que esteja pronta para trabalhar.

Digo com a firmeza rotineira.

Ela assente rapidamente.

- Estou, Senhor.

- Ótimo. Respondo, tentando recuperar o controle da situação.

- Porque aqui não tem espaço para preguiçosos ou oportunistas.

Ela não recua, e isso me surpreende. Há algo mais nessa garota do que apenas timidez.

- Não se preocupe. Eu aprecio desafios. Sua voz doce mas que demonstra um pouco de sua personalidade.Tem algo diferente nela e eu estou bem interessado em descobrir.

Eu lhe encaro e não digo mais nada. Me afasto calmamente, caminhando em direção ao estábulo, mas não consigo evitar...olho para trás . Lívia está parada ao lado da mãe, observando a fazenda com um brilho nos olhos que não consigo ignorar.

Algo nela mexeu comigo, e eu odeio admitir isso.

Talvez a presença dela seja mais perigosa do que eu imaginei.

Mais populares

Comments

Sandra Camilo

Sandra Camilo

já amei o primeiro capítulo 👏👏👏👏❤️

2025-03-16

0

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!