As Vozes Que Não Se Ouvem

EXTERNO DA QUADRA DE TREINO – TARDE

O sol poente lançava um brilho dourado sobre a quadra, tingindo o piso de tons quentes. O som rítmico da bola quicando se misturava às passadas rápidas das jogadoras, às chamadas de jogadas e aos comandos do técnico Shimizu. O treino daquela tarde era intenso – passes velozes, movimentação constante, esquemas táticos sendo testados.

Sofia Takahashi, a capitã, acompanhava tudo com olhar atento. A estratégia para o próximo jogo precisava ser afiada. O time precisava estar no seu melhor.

Mas então, algo quebrou o ritmo.

Mei Nakamura.

Seu passe saiu errado. A bola quicou no lugar errado e escapou pelas laterais da quadra. Akami Fujimoto tentou salvar, mas já era tarde demais.

Sofia franziu o cenho.

Mei errando passes?

Ela olhou para a amiga, mas Mei não retribuiu o olhar. Ela apenas voltou para sua posição, forçando a postura. Seus movimentos pareciam rígidos, quase mecânicos.

O treino continuou. Mei acertava alguns lances, mas havia algo diferente. Algo sutil, mas inegável. Os passes estavam menos precisos. Os cortes, menos rápidos.

Ela não parecia estar ali de verdade.

Sofia cruzou os braços, observando mais de perto.

Mei nunca errava.

Mas hoje...

Hoje, algo estava errado.

INTERNO DO VESTIÁRIO – DEPOIS DO TREINO

O som do chuveiro ecoava pelo vestiário enquanto as garotas conversavam animadamente. Algumas estavam sentadas nos bancos, secando o suor com toalhas, outras já trocavam de roupa, aliviadas pelo fim do treino puxado.

— Cara, eu achei que fosse desmaiar hoje! — Rina Saito disse, jogando a cabeça para trás.

— Se desmaiar, cai longe de mim, por favor. — Yui Tanaka rebateu, cruzando os braços.

— Poxa, que insensível! — Rina fingiu indignação, fazendo um bico exagerado.

O riso ecoou entre as meninas.

Exceto por Mei.

Ela estava no canto do vestiário, a cabeça baixa enquanto mexia na própria mochila. Não havia sorrisos em seu rosto. Nenhuma piada, nenhuma reclamação sobre o treino puxado.

Só silêncio.

Sofia notou.

Se aproximou, casual, como quem não queria nada.

— Ei, Mei... você tá bem?

Mei piscou rápido, como se tivesse sido pega de surpresa. Seus ombros tensionaram antes que ela erguesse o olhar.

— Hã? Por que não estaria?

Sofia cruzou os braços, inclinando a cabeça.

— Você errou passes que não costuma errar.

Mei soltou um riso curto, seco.

— Ah, então agora um treino ruim já significa que tem algo errado comigo?

O tom levemente defensivo não passou despercebido.

Sofia suspirou, mantendo a calma.

— Eu tô perguntando porque me importo. Não porque quero te julgar.

Mei desviou o olhar, o maxilar travando.

— Eu tô bem, Sofia. Só cansada.

Era mentira.

Sofia sabia.

Mas também sabia que Mei não falaria nada agora.

Então ela apenas assentiu devagar.

— Se precisar de algo, eu tô aqui.

E se afastou.

Mei observou a capitã se distanciar, um aperto se formando em seu peito.

Ela queria dizer alguma coisa.

Mas... não conseguia.

INTERNO DO APARTAMENTO DOS NAKAMURA – NOITE

Mei abriu a porta do apartamento e entrou, os passos leves ecoando pelo piso impecável. O cheiro de incenso suave preenchia o ar, misturado ao aroma de chá recém-preparado. A decoração era minimalista, elegante, sem nada fora do lugar.

Era um lar perfeito.

Perfeito demais.

Tirou os tênis de forma mecânica e seguiu até a sala.

A mãe, Kaori Nakamura, estava sentada no sofá, os olhos fixos no tablet, lendo algum artigo ou relatório importante. O pai, Kenji Nakamura, estava ao telefone, a voz firme discutindo negócios.

Eles não a notaram.

Nenhum olhar, nenhum aceno.

Só silêncio.

Mei seguiu até a cozinha e abriu a geladeira, sem muito interesse no que havia ali.

Então, a voz da mãe cortou o silêncio.

— Como foi o treino?

O tom era impessoal. Quase indiferente.

— Foi bom.

Kaori nem desviou os olhos da tela.

— Vocês venceram o último jogo?

Mei sentiu os ombros ficarem tensos.

Ela já sabia para onde essa conversa ia.

— Empatamos.

Dessa vez, a mãe ergueu os olhos.

— Empate não é vitória.

O estômago de Mei revirou.

Lá vinha de novo.

— Eu sei. — Tentou manter a voz neutra.

Kaori suspirou, fechando o tablet com um movimento calculado.

— Você está treinando o suficiente?

O peito de Mei apertou.

— Sim.

— Porque eu vi seu desempenho na última partida. Você hesitou em alguns lances.

O coração dela acelerou.

Ela sabia.

Ela sempre sabe.

— Eu não hesitei.

Kaori cruzou as pernas, analisando-a com olhos afiados.

— Mei. Eu sei quando você mente.

A voz dela era fria, cortante.

Kenji, que havia encerrado sua ligação, agora se juntava à conversa.

— Sua mãe está certa. Você tem potencial para ser a melhor, mas precisa se dedicar completamente.

Mei apertou os punhos.

Completamente.

Essa palavra ecoava na sua cabeça.

Ela já se dedicava. Já dava tudo de si.

Mas nunca era o suficiente.

— Vou tomar banho.

Ela se virou e saiu antes que pudessem dizer mais alguma coisa.

Ela precisava respirar.

INTERNO DO QUARTO DE MEI – MAIS TARDE

Mei se sentou na cama, o celular nas mãos.

Ela queria mandar uma mensagem para alguém.

Para Sofia? Para Rina?

Mas... o que ela diria?

"Ei, estou sufocada, sinto que nunca sou boa o bastante, minha família só me valoriza pelo que eu faço e não por quem eu sou, e se eu errar de novo, acho que vou desmoronar?"

Ridículo.

Ela bloqueou a tela.

Ninguém entenderia.

Ou pior... e se entendessem, mas não se importassem?

EXTERNO DA QUADRA DE TREINO – DIA SEGUINTE

Na manhã seguinte, Mei estava lá.

Na quadra.

Os tênis rangendo no piso, a bola quicando em suas mãos.

Sorrindo.

Como se nada estivesse errado.

E ninguém percebeu.

Ninguém percebeu a batalha dentro da sua mente.

Ninguém percebeu o peso que ela carregava.

Porque Mei Nakamura não podia errar.

Se errasse... não era mais ninguém.

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Comments

Winifred

Winifred

Fiquei presa neste livro! Não via o tempo passar...

2025-03-15

3

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