Entre a Dor e a Redescoberta

Acordo antes do sol nascer, sentindo-me péssima por ter forçado a barra e transado com Telma. O cheiro dela estava misturado com um perfume doce, diferente do que costuma usar, e, pelo seu choro, sei que me traiu.

Assim que o sol desponta no horizonte, chamo um táxi e vou tomar café em uma cafeteria perto do shopping. Passo uma hora e meia no local, bebendo café e lendo um livro. Tento evitar os pensamentos sobre a noite passada, mas o nó na garganta se forma. Respiro fundo e me questiono: o que devo fazer?

Devo terminar com Telma depois da traição? Dar o troco ficando com outra mulher? O que é o amor, afinal?

Não tenho as respostas. Só percebo o quanto me dediquei a tornar nossa vida de casada confortável para ela. Passei anos me anulando para fazê-la feliz e, em troca, recebo sua frieza e um lindo par de chifres.

Decidi ir trabalhar para tentar me distrair. Vejo as mensagens dela, mas ignoro. Não estou pronta para conversar. Se Telma realmente quiser falar comigo, sabe onde me encontrar.

As lágrimas insistem em cair, mas as engulo. Respiro fundo. Não vou deixar Telma atrapalhar meu trabalho, a minha loja — o espaço que conquistei com tanto esforço e dedicação.

— Essa cara de quem está segurando o choro? — Júlia pergunta, se aproximando de mim.

Ela trabalha comigo há tantos anos que se tornou mais que minha gerente, é uma grande amiga — na verdade, a única. Desde o casamento, me isolei do mundo. De repente, me vi em outro estado, casada com uma mulher que conheci há poucos meses, e acabei me fechando para outras pessoas.

— Quero chorar, mas ainda não posso — respondi, desviando o olhar para evitar as lágrimas.

— Então, hoje você vai pra minha casa. Vou preparar um jantar, vamos beber juntas e chorar.

Aceito o convite com um aceno de cabeça. Júlia sorri, e as covinhas em suas bochechas aparecem. Ela é uma mulher negra linda, de cabelos longos e cacheados, alta e com um corpo definido — resultado da paixão pela academia. Acho ela bonita, mas nunca senti interesse nela, sempre a vi como amiga. Nossa amizade se fortaleceu, talvez porque Júlia é bissexual e sempre me contou suas aventuras em aplicativos de relacionamento, me arrancando risadas com suas histórias.

Terminamos o expediente e seguimos para sua casa em seu carro, conversando.

— Se sua casa não ficasse no caminho oposto da minha, eu te pediria para me buscar amanhã — digo, olhando a rua pela janela.

— Você deveria tirar sua habilitação, se tornar mais independente e não precisar de uma motorista — ela comentou, sem tirar os olhos do trânsito. Apoia uma das mãos na janela, relaxada.

— Vou pensar no seu conselho — murmuro, sem ânimo.

— Você e Telma brigaram? — pergunta sem hesitação.

— Sim. Pedi um tempo, e ela já está com outra — suspiro, sentindo um nó na garganta.

— Que cadela! — Júlia exclamou, indignada, me arrancando uma gargalhada com sua revolta.

Já em sua casa, ela abre duas garrafas de cerveja e me entrega uma. Sentamos no sofá, e eu simplesmente me permito chorar. Estou ao lado de alguém em quem confio.

Conto tudo: a briga, o sexo horrível que tivemos. Júlia me escuta em silêncio, com uma expressão triste.

— Uma ex-namorada me disse uma vez: "O grande problema em um relacionamento entre mulheres é que elas podem se tornar amigas." Hoje, ouvindo sua história, faz todo sentido — ela diz, me encarando séria. E continua: — Vendo seu relacionamento de fora nesses últimos seis anos, sempre achei que você fosse a sombra da Telma. Tudo o que você faz é por ela e com ela, mas eu nunca vi Telma fazer o mesmo por você.

Suas palavras me atingem como um soco no estômago, e as lágrimas deslizam ainda mais rápido pelo meu rosto.

Júlia se levanta, coloca uma música e começa a preparar nosso jantar. Me sento no balcão, observando-a cozinhar, enquanto desabafo sobre os pensamentos que me atormentaram o dia inteiro.

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