CAPÍTULO II

Agora, fora do banheiro, caminhamos sorrateiramente pelos corredores do edifício de dormitórios, passando pela cantina, que mais parecia uma mistura bizarra entre uma escola e uma prisão. Seguimos até a porta da saída de emergência, que dava para um corredor amplo e vazio. No corredor, havia apenas um extintor de incêndio empoeirado preso à parede à esquerda, e no final, a porta que levava para os fundos cintilava com o verde da placa de saída acima dela.

A noite já havia tomado por completo o céu, e nosso caminho era revelado apenas pelo brilho suave da lua filtrado pelas grandes janelas à direita. A lâmina de bronze da minha adaga também participava do contraste com a escuridão, cintilando suavemente assim como o arco de madeira e musgos bioluminescentes nas costas de Elly. As sombras ao nosso redor formavam figuras assimétricas e, de certa forma, aterrorizantes. Eu sabia que as armas que carregávamos eram uma anomalia ali; afinal, como poderíamos passar um arco e flechas daquele tamanho por toda essa vigilância? A resposta estava na pochete com bolso sem fundo que minha mãe me deu dois anos depois de descobrir que eu era um semideus. Ela me disse que aquela pochete seria o item mais importante durante minhas missões, e realmente havia sido minha salvação quando eu fugia de monstros, escondendo-me em lares improvisados e acampamentos secretos nas florestas próximas de Burns. Os monstros que vistoriavam os novos trabalhadores da estufa simplesmente não notaram essa pequena maravilha mágica.

O que me preocupava era o fato de que algo estava estranho desde que chegamos ali, a ausência de câmeras dentro do edifício. Parecia que só se importavam com o que acontecia nas estufas e nos caminhões de produtos, deixando o resto do lugar desprotegido. Além disso, não eram só as câmeras que estavam ausentes; os guardas que deveriam patrulhar aquela área também não estavam ali. Ou Dionísio mexeu uns pauzinhos para nos ajudar, ou a reunião era importante demais para os guardas perderem tempo vigiando aquela espelunca.

Já se passava da meia-noite, e não sabia se chegaríamos a tempo de pegar algo importante da reunião graças ao deus do vinho louco por sexo. Todas as saídas estavam trancadas, mas uma das janelas tinha a tranca quebrada, uma passagem que usávamos diariamente para nossas investigações. Saltamos pela janela, caindo nos fundos do edifício, e nos escondemos atrás de uma lata de lixo bem a tempo de uma sombra sobrevoar acima de nossas cabeças em alta velocidade. Era uma harpia, mergulhando em direção à grama com seus grandes pés de galinha, quase nos pegando de surpresa. Mas, por sorte, seu alvo era apenas um esquilo que se aventurou longe demais de casa, tornando-se um lanchinho da madrugada para ela. Aliviados, vimos a harpia alçar voo novamente, afastando-se de nós.

Olhando para a lata de lixo, tive uma ideia. Peguei uma semente do meu cinto de jardinagem e um punhado de terra, enterrando a semente e esperando. Como em um vídeo em time lapse, ela começou a germinar rapidamente, transformando-se em uma flor de pétalas rugosas vermelho tijolo, salpicadas de manchas brancas. No lugar do botão, havia um espaço oco com bordas levemente protuberantes, onde pequenos pelinhos vermelhos em formato de espinhos cresciam em seu interior. Sua aparência lembrava a flor de Bulbasaur, mas o cheiro era completamente diferente, um fedor de morte tão repugnante que até mesmo Elly teve dificuldade de ficar perto de mim.

— Por que plantou essa coisa justo agora? — perguntou Elly, afastando-se com uma careta.

— Essa "coisa" se chama Flor Cadáver. E eu sei que o cheiro é forte — respondi, mantendo a flor próxima. — É exatamente por isso que a germinei. O odor dela é quase tão forte quanto o de um cadáver em decomposição, talvez até mais, o que vai encobrir nosso cheiro dos monstros que patrulham a área, especialmente das harpias. Eu odeio harpias.

Com a flor em mãos, começamos a nos mover novamente, o cheiro horrível servindo como uma camuflagem perfeita, enquanto avançávamos em direção ao nosso objetivo.

Passamos por áreas com mato alto, usando as folhas das plantas para cobrir nossa visão de cima, despistando o olhar apurado das harpias. Quando chegamos próximos dos escritórios de manutenção, aproximei-me de um Abeto de Douglas, colocando o punhado de terra com a Flor Cadáver próxima ao tronco antes de seguirmos para o corredor oeste. Isso deixou a dríade daquela árvore nada contente.

A porta não parecia estar como Dionísio havia descrito, mas eu torcia para que estivesse antes que a dríade, furiosa, começasse a jogar uma chuva de pinhas na minha cabeça e acabasse por chamar atenção indesejada. Apenas um toque na maçaneta foi o suficiente para afastá-la da tranca, abrindo caminho para um interior que parecia mais um bunker do que um corredor de manutenção. O ambiente era estreito, com paredes de concreto nu, manchadas de umidade. Prateleiras de metal estavam alinhadas ao longo das paredes, repletas de ferramentas e peças de reposição, e o chão era coberto por uma camada fina de poeira.

Assim que entramos, a porta se fechou sozinha às nossas costas, trancando-nos lá dentro.

— É, parece que não tem mais volta — disse eu.

O lugar agora estava totalmente escuro e abafado, e o brilho da lâmina de bronze era quase escasso ali. Senti a mão de Elly se entrelaçando à minha, não conseguindo deixar de expressar um breve sorriso ao pensar que ele poderia estar com medo do escuro. Minha visão varreu o local em busca de alguma passagem, talvez uma placa indicando onde estava o tal túnel de manutenção, e finalmente encontrei uma pequena mesa repleta de ferramentas no canto próximo à porta por onde havíamos entrado. Lá também tinham algumas lanternas de cabeça penduradas em pregos acima da mesa, que gentilmente pegamos emprestado. Coloquei uma na cabeça de Elly, que ficou estranhamente fofo, e ele fez o mesmo comigo, nossos olhos se encontrando por um momento antes de voltarmos à missão; não tínhamos tempo para aquilo agora.

Mas à frente, próxima a um gerador de energia que soltava um zumbido desconfortável, havia uma porta com uma placa em vermelho e preto dizendo: "AVISO: ENTRADA SOMENTE PARA FUNCIONÁRIOS. PERIGO DE ALTA VOLTAGEM" – o que mais parecia um convite para a morte do que um aviso de perigo. Bom, como trabalhávamos ali há quase duas semanas, não estávamos proibidos de entrar já que éramos funcionários. Elly se aproximou da porta e tentou abri-la.

— Trancada — disse ele.

— Deixa comigo — falei, erguendo minha adaga e desferindo um corte contra a fechadura. A lâmina passou por ela como se cortasse manteiga, despedaçando a tranca e abrindo a porta em direção a um lance de escadas direto para o subsolo.

A escadaria, de granito, não era tão extensa, mas quando chegamos ao final e nos deparamos com um túnel estreito, com espaço apenas para duas pessoas andarem lado a lado, um pouco espremidas uma na outra, me perguntei a quantos metros abaixo da terra estávamos – provavelmente uns cinco, talvez mais, talvez menos. As paredes, que formavam uma abóbada sobre nossas cabeças, eram revestidas de concreto rachado e coberto de fungos em alguns pontos; cabos saíam das paredes no final da escadaria e seguiam adiante por todo o túnel em ambos os lados, levando provavelmente a energia dos geradores barulhentos da sala de manutenções para os edifícios da área de cultivo e para as estufas.

O problema era que Dionísio esqueceu de nos avisar que o túnel se dividia em uma série de outros iguais, como em um labirinto, que felizmente não era o de Dédalo. A cada esquina, havia números pintados e desgastados no concreto, talvez indicando a área em que a energia estava sendo direcionada. De primeira, pensamos em seguir em frente pelo túnel 2, mas quando outro lance de escadas surgiu de forma rápida e próxima demais, levando-nos para cima numa outra porta trancada, decidimos voltar e seguir pelo túnel 1, à direita, que era mais extenso e levava, em tese, baseando-se na posição que estavam acima do solo, na direção do edifício do diretor. Novamente apareceram mais túneis, pintados de forma que não seguiam a sequência numérica: 9, 5 e 6. Eu já estava ficando farto daquilo; minha ansiedade era visível ao observar a maneira como eu estalava os dedos e segurava o braço, e Elly percebeu isso, olhando para uma das rachaduras no concreto próxima a seus pés e se ajoelhando na direção dela, pousando sua mão sobre a fissura e fechando os olhos, concentrado.

Tentei perguntar a Elly o que ele estava fazendo, mas fui interrompido por ele.

— Shh! — sussurrou ele.

Quando Elly se levantou e limpou a sujeira de sua calça, ele se virou para mim.

— Corredor 5, à direita de novo. Depois é só subir.

— Eu já disse que te amo? — perguntei feliz e aliviado, segurando seu rosto e beijando suas bochechas.

— Todos os dias, na verdade — respondeu Elly com um sorriso travesso.

Então, fizemos o trajeto, escolhemos o corredor número cinco e finalmente chegamos à escadaria, subindo em direção à porta e fatiando sua fechadura como um pedaço de sabonete, saindo numa sala com painéis de controle de energia e caixas velhas; o cheiro de mofo era quase tão ruim quanto o dos túneis. Aproximei-me da porta e encontrei um pequeno furo na madeira, observando o lado de fora, um corredor trabalhado em madeira, com alguns quadros antigos e abajures tão velhos quanto, que banhavam o lugar em uma luz amarelada.

— Parece seguro — murmurei, — Mas não dá pra saber até onde.

— Então, vamos ter que ir até lá descobrir — disse Elly, com determinação.

Antes que eu usasse minha adaga para fatiar novamente outra fechadura, o que já estava virando um hobby, o som de passos e vozes começava a se aproximar de onde estávamos. Paramos e nos agachamos em silêncio, com os ouvidos rentes à porta para ouvir qualquer coisa que pudesse fazer barulho do lado de fora. Foi então que dois guardas, provavelmente mortais, passaram pelo corredor em patrulha.

— Até quando esses caras vão ficar nessa reunião? Esse lugar me dá arrepios — reclamou o primeiro guarda, seu tom revelando uma mistura de impaciência e desconforto.

O segundo guarda debochou da cara dele, rindo.

— Está com medo dessa velharia? — perguntou ele, sarcástico.

— Não cara — respondeu o primeiro guarda, com um tom corajoso e desesperado que só homens que tentam provar sua masculinidade para os outros usam. — Só não gosto de como esse lugar se parece. É como se algo de ruim pudesse acontecer a qualquer momento.

— Isso é bobeira — disse o segundo guarda, interrompendo-o. — A reunião logo logo vai terminar, e a gente volta pra casa. O que você está sentindo deve ser fome. Você comeu alguma coisa antes de vir pra cá?

— Não — admitiu o primeiro guarda.

O segundo guarda soltou uma risada travessa.

— Então vamos pra cozinha arrumar alguma coisa pra você comer. Uma pausa rápida pro lanche não vai fazer mal.

As vozes foram se distanciando no corredor e, quando desapareceram, aproveitei a deixa para cortar a fechadura com minha adaga e abrir a porta. O lugar estava silencioso, exceto por uma música que tocava distante no lado oposto ao que os guardas foram—um jazz clássico dos anos 40. Como eu sabia? Minha madrasta, que antes pensava ser minha mãe, adorava colocar os clássicos do jazz dos anos 40 enquanto fazíamos as tarefas de casa, chegando até a dançarmos juntos numa coreografia desajeitada e improvisada. A partir daí, passei a amar músicas clássicas, mesmo que isso me causasse um sentimento de saudade. No fundo, sentia como se minha madrasta dançasse comigo todas as vezes que eu as ouvia.

Com a porta aberta, Elly e eu saímos, mantendo-nos próximos à parede para não sermos detectados. O corredor, iluminado por aquelas luzes amareladas e decorado com quadros antigos, parecia um túnel do tempo para uma era passada, o jazz ecoando suavemente como um convite para um baile fantasma.

— Vamos, temos que nos apressar — sussurrei para Elly, enquanto seguíamos o som da música, que parecia vir da direção onde a reunião estava a acontecer. Cada passo era calculado, cada movimento feito para não perturbar o silêncio que reinava no lugar, exceto pela melodia que se infiltrava pelos corredores.

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