16 CAPÍTULO

– No Limiar das Trevas

A chuva continuava impiedosa, como se o céu estivesse decidido a testar o limite de cada um deles. As rajadas de vento quase arrancavam os guarda-chuvas de suas mãos, e os trovões faziam o solo tremer, anunciando que a noite seria longa e cruel. Isabela, Gabriel, Camila, Letícia, Rafael e Beatriz caminharam em silêncio pelas ruas alagadas, guiados apenas pela fraca iluminação dos postes que piscavam, ameaçando apagar de vez.

A cada relâmpago, o rosto de cada um se revelava em uma expressão de profunda inquietação. Isabela tentava manter o foco na missão que tinham pela frente — encontrar um lugar seguro para realizar o ritual de selamento que Letícia havia mencionado. Seus pensamentos, porém, eram invadidos por lembranças do passado, da morte que sofrera, da segunda chance que recebera. Se chegara até ali, não seria uma tempestade ou mesmo uma criatura das sombras que a faria recuar.

Gabriel mantinha-se próximo a Isabela, sentindo uma estranha sensação de proteção e, ao mesmo tempo, de vulnerabilidade. Nunca imaginara que enfrentaria forças além do humano, mas agora, a cada passo, o medo dividia espaço com um impulso quase instintivo de defender Isabela, custasse o que custasse. Em meio à escuridão e ao horror, havia algo que os unia, como uma brasa que resistia à ventania.

— Estamos perto, — Letícia avisou, consultando o GPS do celular. — A poucos quarteirões daqui, há um terreno aberto, antes ocupado por um antigo colégio. Foi demolido, mas o espaço continua vazio. Deve servir.

Camila lançou um olhar preocupado ao redor. As fachadas dos prédios pareciam fantasmagóricas, com as janelas escuras e cortinas balançando ao sabor do vento. — E se aqueles… vultos nos seguirem até lá? — perguntou, sem conseguir conter o tremor na voz.

— Se eles nos seguirem, ao menos poderemos tentar o ritual, — Letícia respondeu, apertando o amuleto que trazia ao pescoço. — Aqui, sem preparo, estaríamos ainda mais indefesos.

Mais atrás, Rafael e Beatriz vinham em silêncio. Ele mantinha o olhar fixo nos passos de Isabela, e o ódio que carregava em seu peito se misturava a uma sensação de desalento. Por mais que tentasse manter a pose de homem implacável, o fracasso de seu pacto e a aparição daquela entidade o deixavam atônito. Beatriz, por sua vez, lutava para esconder o pavor que crescia dentro dela. A cada trovão, seu corpo estremecia, lembrando-a de que não tinha mais o controle de nada.

Quando finalmente chegaram ao terreno vazio, a visão era desoladora. Restos de paredes demolidas se erguiam como ossos à mostra, e o mato crescia alto em alguns pontos, balançando sob a fúria do temporal. Poças lamacentas refletiam os clarões dos relâmpagos, criando a impressão de que o chão se movia. Um frio cortante percorreu a espinha de todos.

— Espalhem-se, mas não se afastem demais, — Letícia instruiu, colocando a mochila no chão. — Precisamos de um espaço circular para as velas e os símbolos. Rafael… você vai ter que participar disso.

Ele ergueu o olhar, contrariado, mas não discutiu. Talvez, no fundo, já tivesse entendido que não havia mais escapatória. Beatriz, ao seu lado, apenas meneou a cabeça, segurando o braço dele com força.

Enquanto Letícia e Camila retiravam objetos ritualísticos — velas pretas, pequenos cristais, recipientes com ervas —, Isabela e Gabriel montavam um círculo no centro do terreno, afastando pedras e entulho. O vento chicoteava seus rostos, e a chuva dificultava cada movimento, mas a necessidade de concluir aquilo era maior que qualquer desconforto.

— Fiquem atentos, — Isabela alertou, ajeitando os cabelos molhados. — Essas coisas podem aparecer a qualquer momento.

Gabriel concordou em silêncio, lançando um olhar ao redor. As sombras pareciam dançar nos cantos, e ele não saberia dizer se eram apenas ilusões causadas pela luz dos relâmpagos ou se, de fato, havia algo espreitando. Em seu peito, o coração martelava sem parar.

Pouco a pouco, as velas foram acesas, tremeluzindo bravamente contra a chuva e o vento. Letícia murmurava palavras em uma língua desconhecida, e a tensão crescia a cada sílaba. O ar parecia mais pesado, como se uma presença invisível os cercasse, avaliando-os.

— Pronto, — Letícia disse, olhando para Isabela. — Agora, precisamos de todos aqui dentro do círculo. Inclusive você, Rafael.

Ele avançou a passos lentos, trovejando de raiva contida. — Se isso falhar, Isabela, você pagará.

Ela não recuou, sustentando o olhar dele. — Se falhar, Rafael, talvez não haja nada que possamos fazer… e nem você.

Com todos posicionados, Letícia ergueu o amuleto sobre a cabeça, pronunciando as palavras do ritual em voz alta. As chamas das velas tremularam violentamente, como se quisessem se apagar. O vento pareceu rodopiar em torno do círculo, criando um redemoinho de folhas e poeira. Rafael sentiu um calafrio terrível — a sensação de que algo imenso e desconhecido se movia além da compreensão humana.

Camila mantinha-se ao lado de Isabela, os olhos arregalados, as mãos crispadas sobre o peito. Gabriel, por sua vez, não desgrudava o olhar de Isabela, pronto para agir se algo desse errado. O momento era crítico. A cada palavra entoada, o mundo ao redor parecia vibrar, como se os trovões e relâmpagos ecoassem a magia que se desenrolava.

Então, aconteceu.

Um relâmpago iluminou o terreno, e uma forma negra e disforme se ergueu em meio à escuridão, fora do círculo. Era impossível definir seu contorno exato; parecia um emaranhado de sombras vivas, olhos vazios e garras que se estendiam como tentáculos. Um rosnado gutural atravessou o espaço, sacudindo o ar e fazendo as velas oscilarem.

Rafael recuou, quase rompendo o círculo, mas Isabela segurou seu braço, forçando-o a ficar. — Não saia daqui! — ela gritou, a voz embargada de medo e determinação.

A criatura avançou alguns passos, rosnando como uma fera encurralada. As ervas queimavam com um cheiro pungente, e Letícia mantinha os olhos fechados, recitando o ritual sem parar. A força que emanava do amuleto parecia atrair ou repelir aquela presença — era impossível saber ao certo.

Beatriz deixou escapar um grito, encolhendo-se ao lado de Rafael. O coração de Camila parecia prestes a explodir, mas ela não se moveu, ciente de que um único passo em falso colocaria tudo a perder. Gabriel, por sua vez, envolveu Isabela em um abraço de proteção, como se quisesse blindá-la com seu próprio corpo contra qualquer ataque.

Por um instante, em meio àquele caos, Isabela se permitiu sentir o calor do abraço de Gabriel, uma fagulha de ternura que contrastava com o horror ao redor. Era um momento quase irreal, uma pequena ilha de humanidade no oceano de trevas que os cercava.

A criatura se contorceu, emitindo um som estridente, e então avançou contra o círculo, como se quisesse romper a barreira de fogo e símbolos. O choque foi imediato: faíscas de energia percorreram o ar, e a entidade recuou, soltando um urro de pura fúria. Letícia elevou ainda mais a voz, e as velas pareceram brilhar com intensidade sobrenatural.

— Agora! — ela gritou, lançando um punhado de ervas ao fogo central. Uma labareda irrompeu, e a criatura foi lançada para trás, dissolvendo-se na escuridão como fumaça ao vento.

O silêncio que se seguiu foi aterrador. A chuva ainda caía, mas, por um instante, parecia mais branda. Os trovões retumbaram ao longe, dando a impressão de que a tempestade recuava pouco a pouco.

Todos respiraram aliviados, mas sabiam que ainda não estava acabado. O ritual era apenas o primeiro passo para selar o pacto, e a criatura banida poderia retornar — ou ser substituída por algo ainda mais terrível.

Gabriel afrouxou o abraço, permitindo que Isabela se voltasse para ele. Seus olhares se encontraram, e, mesmo em meio à lama, à água e ao terror, um brilho de cumplicidade e afeto passou entre eles. Foi um instante fugaz, interrompido pela voz de Letícia.

— Precisamos terminar logo. Se essa coisa voltar mais forte, não teremos uma segunda chance.

Isabela assentiu, trocando um último olhar com Gabriel antes de se concentrar novamente no ritual. Rafael e Beatriz, embora abalados, não se atreveram a sair do círculo. A realidade de seus atos parecia finalmente pesar sobre eles, e o medo de algo pior os mantinha em silêncio.

E assim, em meio à fúria dos céus e às sombras que rondavam cada alma presente, o confronto entre o humano e o sobrenatural continuava, costurando laços de medo, coragem e, surpreendentemente, esperança. Afinal, quando as trevas parecem invencíveis, é no calor dos laços humanos — e talvez em um amor nascente — que reside a chama capaz de afastar até o mais profundo dos horrores.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!