– Entre Sombras e Sussurros
A madrugada prosseguia, implacável, e o rugir da tempestade lá fora parecia ganhar mais força a cada minuto. Relâmpagos cortavam o céu como lâminas de luz, seguidos por trovões que faziam o chão tremer. Dentro do laboratório de Letícia, Isabela, Gabriel, Camila e a própria pesquisadora tentavam se manter firmes, embora a tensão fosse quase sufocante.
As luzes piscaram novamente, e por alguns segundos tudo ficou escuro. Quando a energia voltou, eles perceberam que a porta do laboratório estava ligeiramente aberta, como se alguém a tivesse forçado por dentro. Um calafrio percorreu a espinha de todos. Ninguém havia saído para o corredor, então como ela se abrira?
Letícia tomou a dianteira, a mão firme na lanterna, e se aproximou da porta, empurrando-a com cuidado. O corredor estava vazio, mas um rastro de pegadas molhadas seguia em direção ao elevador. A água que escorria formava pequenas poças no piso, refletindo a luz pálida das lâmpadas que oscilavam no teto.
— Alguém entrou aqui, — Letícia sussurrou, mantendo a voz baixa. — Ou… algo.
Gabriel e Isabela trocaram um olhar preocupado. A cada instante, a sensação de perigo se tornava mais real, quase palpável. Camila, com o celular em mãos, tentou discar para a polícia, mas o sinal parecia instável. A chamada não se completava.
— Eu não gosto disso, — Camila murmurou, guardando o aparelho. — É como se estivessem nos encurralando.
— Talvez seja melhor nos dividirmos e verificar se ainda há mais alguém aqui dentro, — sugeriu Gabriel, embora a ideia não lhe agradasse. — Não podemos correr o risco de sermos surpreendidos.
Isabela concordou com um aceno, mesmo sabendo que se separar poderia ser perigoso. Precisavam, porém, entender se estavam sendo vigiados ou caçados. Letícia pegou um molho de chaves e indicou que Gabriel a acompanhasse até a ala de armazenamento. Camila e Isabela seguiriam pelos corredores opostos, verificando portas e janelas.
Enquanto isso, do lado de fora, a chuva castigava a cidade com fúria renovada. Em um carro estacionado não muito longe dali, Rafael observava o prédio pela janela embaçada. Beatriz, ao seu lado, estava impaciente.
— Você tem certeza de que é aqui que ela está? — ela questionou, olhando ao redor. — Não vejo nenhum movimento suspeito.
Rafael cerrou os dentes, a raiva pulsando em suas veias. — Eu sei que ela está aqui. As mensagens de Isabela indicam esse local, e não vou voltar atrás.
Um relâmpago iluminou brevemente o interior do carro, revelando o semblante sombrio de Rafael. Seu ódio por Isabela se misturava agora a um temor estranho, quase primitivo. Sentia que algo se movia além de seu controle, algo que, talvez, nem mesmo o pacto que fizera pudesse conter.
— Vamos entrar, — ele decidiu, destravando a porta e saindo para a chuva. Beatriz o seguiu, relutante. — Se ela acha que pode me ameaçar, vai descobrir que eu não tenho medo de nada.
No fundo, porém, ele sentia o coração acelerado, como se cada passo em direção ao laboratório o levasse também ao encontro de forças desconhecidas.
No interior do prédio, Isabela e Camila percorriam um corredor mal iluminado. A luz falha do gerador deixava o ambiente envolto em sombras dançantes. O cheiro de ozônio — causado pelos raios intensos — parecia infiltrar-se até ali, criando uma atmosfera ainda mais pesada.
— Você acha que Rafael já chegou? — Camila perguntou, a voz trêmula.
Isabela engoliu em seco, tentando manter a calma. — É bem possível. E se for o caso, precisamos estar preparadas para qualquer coisa.
Elas verificaram as portas, encontrando apenas salas vazias e aparelhos de laboratório cobertos por lençóis. Mas, a cada passo, a sensação de serem observadas aumentava. Em certo momento, Camila parou subitamente, prendendo a respiração. Isabela a olhou, alarmada.
— O que foi?
— Eu… eu acho que vi alguém se movendo naquela sala, — ela apontou para uma porta no fim do corredor, a voz quase inaudível.
Isabela tentou abrir a porta, mas estava trancada. — Quem está aí? — ela chamou, sem obter resposta. Encostou o ouvido na madeira, tentando captar qualquer som, mas tudo estava silencioso. — Deve ser nossa imaginação, — disse, embora não estivesse convencida disso.
Um estrondo ecoou, e as luzes piscaram outra vez. Desta vez, um grito distante soou pelo corredor, fazendo o coração de ambas saltar no peito.
— Gabriel! — Isabela exclamou, correndo na direção de onde julgava ter vindo o som.
Camila a seguiu, as pernas tremendo, mas determinada a não abandonar a amiga. Quando chegaram ao saguão central do laboratório, encontraram Letícia e Gabriel ofegantes, os olhos arregalados.
— O que houve? — Camila perguntou, quase sem fôlego.
Gabriel tentou falar, mas parecia em choque. Letícia foi quem respondeu: — Nós vimos… algo. Parecia um vulto enorme, movendo-se pelo teto. Quando apontamos as lanternas, ele simplesmente desapareceu.
Isabela fechou os olhos por um segundo, sentindo a adrenalina inundar seu corpo. — Eles estão aqui. Isso não é mais só sobre Rafael. Essas coisas… estão seguindo nossos passos.
O barulho de uma porta se abrindo com força interrompeu a conversa. Rafael entrou no saguão, encharcado da chuva, com Beatriz ao lado. Seu olhar faiscou ao encontrar Isabela, e por um instante, o tempo pareceu congelar. Camila recuou, Letícia engoliu em seco, mas Isabela se manteve firme.
— Finalmente, apareceu, — ela disse, a voz carregada de rancor. — Veio encarar as consequências de seus atos?
Rafael deu um sorriso irônico, embora estivesse tenso. — Consequências? Você não é a única que tem truques, Isabela.
Ele lançou um olhar para Gabriel, que retribuiu com desprezo. Então, seu foco voltou-se para Isabela, e seus olhos se estreitaram. — Onde estão as provas que você disse ter contra mim?
Isabela apertou os punhos, sentindo a raiva borbulhar dentro de si. — Provas? Não são apenas papéis que vão te derrubar, Rafael. É a sua própria culpa.
Antes que ele pudesse responder, um trovão sacudiu o prédio, fazendo a luz piscar de forma intensa. Por um breve instante, todos foram mergulhados em escuridão completa. Quando a energia retornou, um vulto alto e distorcido estava parado no centro do saguão, sua forma indefinida tremulando como se fosse feita de sombras vivas.
O medo tomou conta de todos. Até Rafael deu um passo para trás, com o coração disparado. A entidade emitiu um som gutural, quase como um rosnado, e os olhos — se é que tinha olhos — fixaram-se em Isabela. Ela sentiu o ar faltar, mas algo dentro dela a impedia de recuar. Talvez fosse ódio, talvez fosse coragem. Talvez fosse algo ainda mais profundo.
Gabriel correu para o lado de Isabela, colocando-se entre ela e a criatura. — Fique atrás de mim! — ele disse, mesmo sem saber como protegê-la daquilo.
Rafael, por sua vez, tentou comandar o vulto, como se esperasse que a entidade o obedecesse. — Vá embora! Faça o que eu mandei! — bradou, mas o ser das sombras não parecia inclinado a seguir suas ordens. Pelo contrário, avançou um passo, emitindo um som que reverberou pelos corredores, lembrando o eco de mil vozes sobrepostas.
Beatriz soltou um grito, agarrando o braço de Rafael. — O que é isso, Rafael?!
— Eu… eu não sei! — ele gaguejou, a expressão tomada por pavor. — Não foi esse o pacto que fiz!
Isabela e Gabriel trocaram um olhar rápido. Então, ela tomou uma atitude inesperada: segurou a mão dele, entrelaçando os dedos, e deu um passo à frente. Havia algo quase romântico na forma como ela buscava segurança na presença de Gabriel, mesmo diante de um terror tão avassalador. O olhar que trocaram carregava um misto de medo e esperança, um lampejo de sentimentos que iam além da vingança.
— Seja lá o que você for, — Isabela disse para a criatura, com a voz trêmula, mas decidida. — Não vou deixar que tire mais nada de mim. Eu voltei da morte para corrigir erros, e não vou recuar agora.
A entidade pareceu hesitar, como se a vontade de Isabela o confrontasse diretamente. O ar ficou pesado, e uma estranha sensação de calor emanou de onde as mãos de Isabela e Gabriel se uniam. Por um instante, foi como se o tempo parasse, e tudo que se ouvia era o latejar dos corações naquele saguão imerso em sombras.
Então, um relâmpago iluminou a cena, e o vulto se retraiu, emitindo um uivo quase humano. Suas formas se distorceram, e ele se desvaneceu, como se fosse absorvido pela própria escuridão. O clarão seguinte revelou apenas o chão vazio, sem qualquer vestígio da criatura.
A tensão se quebrou, e todos soltaram a respiração que seguravam. Camila e Letícia trocaram olhares incrédulos, enquanto Rafael e Beatriz pareciam incapazes de processar o que acabara de acontecer. Isabela, ainda de mãos dadas com Gabriel, sentia o coração bater acelerado. Por um breve momento, ela se permitiu olhar nos olhos dele e enxergar algo mais do que medo — talvez a faísca de um sentimento que surgia no meio do caos.
— Isso… isso não acabou, — Rafael murmurou, quase para si mesmo, tentando recuperar o controle. — Vocês não sabem com o que estão lidando.
Isabela soltou a mão de Gabriel lentamente, ainda sem desviar o olhar. — Não, Rafael. É você que não sabe.
E, naquele instante, a tempestade lá fora pareceu acalmar um pouco, como se estivesse dando uma trégua antes do próximo embate. Cada um ali compreendia que aquela noite era apenas mais um capítulo de uma batalha que envolvia não só vingança e segredos, mas forças que ultrapassavam o limite do compreensível. E, no meio de tanta escuridão, um breve sopro de romance brotava, lembrando-os de que, mesmo nas sombras mais densas, a humanidade ainda podia florescer.
Afinal, quando o terror encontra o amor, o resultado pode ser tão destruidor quanto uma tempestade — ou tão libertador quanto a luz do primeiro raio de sol.
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Atualizado até capítulo 46
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