Capítulo 4 - A Ligação

Dois dias haviam se passado desde o acidente. Era domingo à noite, e Nova Aurora estava relativamente tranquila — ou tão tranquila quanto uma metrópole poderia ser. O som distante de carros passando pelas avenidas, o eco de risadas de grupos voltando de bares e o ocasional latido de um cachorro compunham o cenário da cidade em seu ritmo habitual.

No pequeno quarto da república, Ana Clara estava deitada na cama, segurando um pequeno cartão simples entre os dedos. O nome Leonardo estava escrito em letras fortes e retas, acompanhado de um número de telefone. Desde que ele lhe entregara aquilo, ela não parava de olhar para o papel, como se ele tivesse algum tipo de resposta para as perguntas que borbulhavam em sua mente.

Ela girava o cartão entre os dedos, mordendo o lábio inferior enquanto refletia. Desde a noite do acidente, a figura de Léo não saía de sua cabeça. Havia algo nele que a intrigava — não era apenas sua aparência marcante, nem o fato de ter assumido a culpa pelo que aconteceu. Era a intensidade que ele transmitia, o ar misterioso e a forma como parecia carregar o peso de um mundo inteiro nos ombros.

— Isso é loucura... — murmurou para si mesma, olhando para o número mais uma vez.

Ela nunca tinha feito algo assim antes. Não era do tipo que ligava para um homem que mal conhecia, muito menos alguém como ele, que exalava perigo e mistério. Mas, por mais que tentasse resistir, a curiosidade era maior.

Respirou fundo e pegou o celular. Seus dedos tremiam levemente enquanto digitava o número. Antes que pudesse mudar de ideia, apertou o botão de chamada.

Do outro lado da cidade, Léo estava no clube que administrava para a gangue, o Inferno Urbano, um dos pontos de encontro mais movimentados de Nova Aurora. Ele estava sentado no balcão VIP, analisando relatórios e verificando os números das vendas da noite, enquanto observava os seguranças mantendo tudo sob controle. A música alta reverberava no ambiente, e as luzes piscantes davam um ar caótico ao lugar.

O celular vibrou no bolso de sua jaqueta de couro. Ele franziu o cenho, puxando o aparelho sem olhar o identificador de chamadas.

— Quem será agora? — resmungou, levando o telefone ao ouvido.

— Alô? — disse ele, mas a música ensurdecedora abafou qualquer resposta.

Do outro lado da linha, Ana tentava falar, mas o barulho era tão intenso que era impossível entender alguma coisa.

Léo suspirou, já caminhando para fora.

— Espera aí, tô saindo.

Assim que atravessou a porta de metal dos fundos, a noite fria o envolveu. O som da música se tornou distante, e ele finalmente conseguiu ouvir a respiração do outro lado da linha.

— Agora sim, pode falar.

— Oi... é a garota do acidente.

A voz dela era suave, mas inconfundível. Léo sorriu, surpreso.

— Ah, então você ligou. Como você tá? Precisa de alguma coisa?

— Não, não... tá tudo bem. Eu só queria... bom, uma compensação pelo que aconteceu.

Léo franziu a testa. Ele já lidara com muitas pessoas tentando tirar vantagem dele e imediatamente ficou alerta.

— Tá, quanto é a dívida? — perguntou, a voz carregada de ceticismo.

Do outro lado, Ana riu.

— Um sorvete.

Houve uma pausa.

— O quê? — perguntou ele, certo de que tinha ouvido errado.

— Um sorvete — repetiu Ana, o tom divertido.

Léo piscou, incrédulo. Ele esperava qualquer coisa — uma cobrança, uma chantagem, até uma ameaça velada — mas não aquilo.

— Você tá falando sério?

— Claro que tô. Não é justo você me atropelar e sair impune.

Um sorriso surgiu no canto dos lábios de Léo. Ela era diferente. Tinha uma leveza e um jeito despreocupado que contrastavam completamente com o mundo dele.

— Tá bom... quando e onde?

— Que tal agora? — sugeriu ela, sentindo o coração acelerar.

Léo olhou para o relógio no pulso. Já era tarde, mas ele não se importava.

— Certo. Me diz onde você tá.

Ana passou o endereço de uma sorveteria 24 horas no centro da cidade. Ele reconheceu o lugar e, sem hesitar, pegou sua moto e partiu.

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