De Volta para Davall
Eu nunca soube ao certo o que queria ser. Talvez porque eu quisesse ser tudo, uma artista, uma escritora, uma chef renomada, ou talvez uma mulher de negócios de sucesso. Mas a verdade é que, no fundo, eu tinha medo de não ser nada.
E naquela manhã de primavera, sentada no último banco da igreja lotada, me sentia exatamente assim: um nada.
O vestido branco impecável de Dora brilhava sob os vitrais coloridos, seus cabelos loiros estavam presos em um coque elegante, e um sorriso radiante iluminava seu rosto. Ela estava deslumbrante. Perfeita. E James... bem, ele também.
Alto, ombros largos, o terno escuro caindo perfeitamente sobre seu corpo. Seu cabelo castanho estava bem arrumado, mas uma mecha teimosa sempre caía sobre sua testa, como um lembrete de que, por mais que ele tentasse ser impecável, ainda existia um resquício de imperfeição.
Eu queria odiá-lo. Queria olhar para aquele homem no altar e sentir apenas raiva.
Mas tudo que sentia era dor.
A dor de saber que menos de vinte e quatro horas antes, eu estive nos braços dele.
Eu fechei os olhos, tentando afastar a lembrança da noite anterior.
O bar da família de James estava fechado, mas ele insistiu que queria beber para "afogar as ansiedades pré-casamento". Eu deveria ter ido embora, deveria ter percebido que aquele não era o momento certo para dizer a ele o que sentia. Mas fiquei.
E ele me beijou.
E eu correspondi.
E foi assim que, entre o gosto de cerveja e palavras murmuradas no escuro, acabei entregando a ele algo que sempre guardei para alguém especial. Para o homem que eu amava.
Só que ele não me amava de volta.
Quando o sol nasceu, iluminando o pequeno apartamento no andar de cima do bar, James acordou, olhou para mim e sussurrou a palavra que quebrou qualquer ilusão que eu ainda tinha.
— Isso foi um erro.
Eu me lembro de ter sentido um nó na garganta, um frio percorrendo minha espinha. Um erro. Era isso o que eu significava para ele.
Eu me levantei, me vesti sem dizer uma palavra e saí dali antes que ele pudesse ver as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
E agora, menos de um dia depois, ele estava ali, no altar, trocando votos com outra mulher. Como se nada tivesse acontecido. Como se eu nunca tivesse existido.
O padre pediu que os noivos se olhassem nos olhos e repetissem as palavras de compromisso.
James virou para Dora, segurou suas mãos e disse:
— Eu prometo te amar, respeitar e ser fiel a você todos os dias da minha vida.
Engoli em seco.
Se ele tivesse olhado para trás naquele momento, talvez visse a garota de coração partido que estava fugindo pela porta da igreja.
A cidade grande era tudo o que eu precisava.
Peguei tudo o que tinha economizado, algumas roupas, e embarquei no primeiro ônibus para Seattle. Eu não olhei para trás. Eu não deixei bilhetes.
Meu irmão ficou furioso quando descobriu que eu tinha partido sem avisar. Minha mãe chorou. Meu pai disse que eu estava sendo impulsiva.
Mas eu não me importava. Eu queria distância.
No início, foi libertador. Eu podia ser qualquer coisa. Podia criar um novo eu, uma Emma que não era apenas "a irmã mais nova do Davi" ou "a garota apaixonada pelo melhor amigo do irmão".
Tentei de tudo. Trabalhei como garçonete, atendente de livraria, assistente em uma galeria de arte. Até fiz um curso de culinária porque, por algum motivo, achei que poderia ser uma chef famosa.
Spoiler: não fui.
O tempo passou, e por mais que eu tentasse construir uma nova vida, parte de mim sempre se sentia um pouco... vazia. Eu namorei alguns caras, mas nenhum deles me fazia sentir como James me fez sentir.
E então, quando achei que finalmente tinha encontrado estabilidade, tudo desmoronou.
Meu noivo, Daniel, um fotógrafo charmoso e aventureiro, foi a última peça da minha ilusão de que eu estava no caminho certo, tinha um. noivo e um emprego estável, já que eu era sua assistente. Eu realmente acreditei que ele era diferente, que finalmente tinha encontrado alguém que não me veria como um erro.
Até que um dia, cheguei em casa mais cedo do trabalho e o encontrei na cama com outra mulher.
E foi assim que, dez anos depois de fugir de Davall, me vi sem emprego, sem noivo e sem opção.
Eu tinha jurado que nunca voltaria para aquela cidade.
Mas, como já estava acostumada, minha vida adorava me contrariar.
O sol de Davall parecia brilhar mais forte do que eu lembrava. Talvez fosse porque eu estivesse muito tempo longe. Talvez fosse apenas meu humor azedo projetando implicância em tudo.
A casa da minha família continuava a mesma: uma construção branca de dois andares com um jardim bem cuidado na frente. Minha mãe sempre gostou de flores, e isso nunca mudou.
Assim que pisei na varanda, a porta se abriu com um estrondo.
— Emma! — minha mãe praticamente me esmagou em um abraço apertado. — Você está mais magra! Você tem comido direito?
— Oi, mãe...
— E esse cabelo? Você sempre teve um cabelo tão bonito, mas agora está meio bagunçado... Ah, meu Deus, você voltou mesmo!
Ela me segurou pelos ombros, os olhos brilhando de emoção.
— Eu estou aqui — murmurei, sem muita certeza se isso era bom ou ruim.
E então meu irmão apareceu na porta.
Davi sempre foi o típico irmão mais velho protetor, mas naquele momento, seus olhos só demonstravam ceticismo.
— Então você voltou — disse ele, cruzando os braços. — Quanto tempo vai durar dessa vez?
Revirei os olhos.
— Olha, eu acabei de chegar. Você pode pelo menos fingir que está feliz?
Ele bufou, mas me puxou para um abraço rápido, bagunçando meu cabelo no processo.
— É bom ter você de volta, maninha.
Sorri de leve. Talvez não fosse tão ruim estar ali de novo.
Mas minha paz durou pouco.
Naquela noite, fui ao supermercado da cidade para comprar algumas coisas e, ao virar o corredor das bebidas, quase esbarrei nele.
James.
Ele estava ali, parado na minha frente, segurando uma garrafa de cerveja. Seus olhos castanhos me analisaram por um segundo, e um sorriso lento apareceu em seu rosto.
— Emma — ele disse, como se estivesse surpreso.
Meu coração disparou.
Ele estava diferente. Ainda forte, ainda alto, mas parecia... mais maduro. Mais marcado pelo tempo.
— James — respondi, tentando parecer indiferente.
Ele cruzou os braços, como se estivesse esperando que eu dissesse algo mais.
Mas o que eu poderia dizer? "Oi, lembra de mim? A garota que você usou e depois jogou fora antes de casar com outra pessoa?"
A tensão no ar era palpável.
— Não sabia que você estava de volta — ele comentou.
— Nem eu sabia — respondi.
Um silêncio estranho pairou entre nós. E então, James abaixou os olhos, coçou a nuca, e disse:
— Eu... ouvi sobre você e o Daniel. Sinto muito.
Apertei os lábios.
— Não sinta. Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido.
Ele arqueou a sobrancelha.
— Mesmo?
— Sim — menti.
Ele soltou uma risada baixa, como se não acreditasse em mim.
E, naquele momento, percebi que voltar para Davall ia ser muito mais complicado do que eu imaginava.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 51
Comments
Thaliaa Vieira
Claro que não era o momento né?!!!! Devia ter tomado coragem pra dizer bem antes
2025-02-13
1
Onilda Furlan
retornar ao local onde tudo aconteceu não é agradável
2025-03-15
0