O som dos saltos ecoa contra as escadarias de mármore do tribunal enquanto desço, sentindo o peso invisível das câmeras voltadas para mim. A multidão se agita lá fora, microfones erguidos como lâminas, flashes piscando como trovões prestes a explodir. A imprensa me espera, faminta.
— Suraya! Senhora Abreu! — chamam, suas vozes misturando-se ao burburinho do público. — Como se sente com o andamento do julgamento? A senhora acredita que conseguirá a guarda de Laila?
Não respondo.
Minha postura permanece impecável, cada passo medido, cada respiração controlada. Sou uma Abreu. E os Abreu não fraquejam sob pressão.
Mas então vejo.
Do outro lado do caos, diante de um punhado de repórteres escolhidos a dedo, está ela.
Esther Machado.
Sua presença irradia uma confiança artificial, moldada pela experiência de anos jogando esse jogo sujo. Os cabelos grisalhos perfeitamente presos, o sorriso contido, a expressão de falsa humildade enquanto responde às perguntas.
— Eu apenas quero o melhor para Laila. Ela é minha neta. Fui eu que a criei quando ela não poderia...
Murmúrios de concordância e falsos suspiros de comoção se espalham entre os repórteres. Meu maxilar se contrai.
— A senhora acha que Suraya Abreu tem condições de ser mãe? — um jornalista pergunta.
Esther suspira, como se realmente lamentasse a resposta que está prestes a dar.
— Eu não posso falar por ela, apenas pela segurança da minha neta. Mas todos conhecem o passado de Suraya. Sabe-se muito bem que alguns erros não podem ser consertados.
Os olhos dela me encontram por um instante, carregados de veneno disfarçado de compaixão.
Minha mão se fecha ao lado do corpo. Se fosse há alguns anos, eu teria atravessado essa rua, arrancado aquele microfone da mão dela e dito a verdade: que essa mulher me roubou uma vida inteira, que mentiu para minha filha, que a manipulou contra mim.
Mas não posso.
Não aqui.
Não ainda.
— Madame, por favor. — A voz grave do Bruno, me puxa de volta à realidade. Ele abre caminho entre os fotógrafos e me guia até o carro.
O limusine preto me espera na lateral do tribunal. Assim que me acomodo no banco de couro macio, a porta se fecha, silenciando o pandemônio do lado de fora.
Oscar, meu motorista me olha pelo espelho retrovisor, sua expressão carregada de preocupação.
— Então, como foi?
Me recosto no assento e fecho os olhos por um momento.
— Dirija, Oscar.
Ele entende.
O carro desliza suavemente pelas ruas de Santa Eulália, afastando-se do caos da cidade em direção às colinas onde minha casa me espera. Mas o silêncio dura pouco.
Meu celular vibra dentro da bolsa.
Ayana.
Respiro fundo antes de atender.
— Suraya! — Sua voz é um trovão do outro lado da linha. — Como foi? O que aconteceu?
— O juiz ainda não decidiu.
Um silêncio pesado se instala.
Então, Ayana explode:
— Isso é um absurdo! Se você tivesse deixado o Stive e eu cuidarmos disso, essa merda já teria sido resolvida! Laila estaria com você agora, e não com aquela criminosa!
Meu peito aperta, mas minha voz continua fria.
— Eu tenho meus motivos.
— Que motivos? — Ela está furiosa. — Por que insiste em fazer tudo sozinha? Por que não nos deixa ajudar?
Fecho os olhos. Há coisas que Ayana não entende. Coisas que eu não posso contar.
— Porque essa gente é perigosa. E eu não quero vocês envolvidos nisso.
A linha fica em silêncio por um momento.
— Você acha que eu e Stive não sabemos lidar com perigo? Acha que somos fracos?
— Acho que vocês têm algo a perder. — Minha voz sai mais baixa do que eu gostaria.
Ayana suspira.
— E você acha que não tem?
Meu olhar se perde pela janela, vendo a paisagem mudar conforme nos afastamos do centro da cidade.
— Só preciso resolver isso à minha maneira, Yana.
— E se não conseguir?
A dor se instala no meu peito. Não posso me dar ao luxo de falhar.
— Eu vou conseguir.
Desligo antes que ela possa discutir mais.
A estrada se estreita conforme subimos as colinas. Árvores antigas se erguem dos dois lados, suas sombras dançando sob a luz do entardecer. O cheiro de maresia se mistura com a brisa fresca, um prenúncio da proximidade com a minha casa.
Não, não minha casa.
Minha fortaleza.
O Castelo Abreu.
A construção ergue-se diante de nós, uma joia de pedra e vidro fincada no topo da colina, com vista direta para o mar. Os portões de ferro se abrem assim que o carro se aproxima, e seguranças armados fazem sinal para que entremos.
Desde que a antiga Mansão Abreu pegou fogo em Lagoas, anos atrás, essa tem sido minha morada. Uma casa transformada em bunker. Com segurança reforçada, muros altos, câmeras em cada esquina e um exército particular garantindo que ninguém se aproxime sem minha autorização.
Oscar estaciona o carro na entrada principal.
Saio do veículo e respiro fundo o ar salgado.
A noite começa a cair sobre Santa Eulália. O céu se enche de tons alaranjados e rosados, refletindo-se no mar logo abaixo.
E ali, no meio daquela paisagem sublime, sinto a realidade me atingir com força.
Estou sozinha.
Sempre estive.
Laila está a poucos quilômetros de mim, mas parece inalcançável.
Minha filha. Meu único elo com um passado que tentei esquecer.
Meu único motivo para continuar lutando.
Fecho os olhos e faço um juramento silencioso para mim mesma:
Eu não vou perder.
Não dessa vez, agora sou uma mulher diferente.
Ayana Montenegro
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 136
Comments
Angela S Silva
essa Ester nunca me enganou
2025-03-30
1