O asfalto de Belo Monte desaparece no retrovisor conforme o carro corta a estrada em direção a Santa Eulália. Três dias de nostalgia se desfazem no vento quente que entra pela janela entreaberta, levando consigo o cheiro dos cafezais e o peso das memórias. Deixei essa terra pela primeira vez aos dezessete anos, seguindo um destino que nunca me pertenceu. Agora, saio como uma mulher que reconstruiu a própria vida, mas ainda carrega marcas invisíveis de tudo o que perdeu.
Laila dorme no banco de trás, a cabeça apoiada na cadeira, os pequenos cachos espalhados pelo ombro. Ela está serena, alheia à escuridão que me habita. Por ela, eu jurei abandonar tudo. Larguei o império, os negócios, os aliados perigosos e os inimigos ainda mais cruéis. Tornei-me apenas mãe. Apenas Suraya. Mas o cheiro de sangue ainda está nas minhas mãos, mesmo que ninguém possa vê-lo.
Marinho me ligou pela manhã, insistindo para que eu ficasse mais um dia. Ele disse que Anaya estava radiante e que eu merecia aproveitar esse momento com ela. Mas eu sei que minha presença pesa. Sei que, mesmo sem querer, trago um rastro de sombras por onde passo.
Aeroporto Internacional de Santa Eulália. O prédio imponente brilha sob a luz do meio-dia, e o movimento das pessoas entrando e saindo me dá uma estranha sensação de inquietação. Os seguranças me escoltam até o portão de embarque, suas presenças discretas, mas vigilantes. Sei que sou um alvo fácil. Uma mulher com um império bilionário, um passado criminoso e inimigos suficientes para encher um cemitério. Mas hoje, quero acreditar que nada disso importa.
Laila acorda com um bocejo suave quando a seguro pé,o braço. Seus olhos grandes e curiosos me encaram.
— Mamãe, já vamos para casa?
— Sim, meu amor — murmuro, beijando sua testa. — Logo, logo.
Ela sorri, confiante. Confiando em mim. Como se eu fosse capaz de protegê-la de qualquer coisa.
O voo é chamado. Caminhamos pelo corredor iluminado em direção à aeronave, o cheiro característico de metal e desinfetante impregnando o ar. Os comissários nos cumprimentam com sorrisos ensaiados, e eu acomodo Laila ao meu lado, prendendo seu cinto de segurança.
O avião começa o processo de embarque, e a voz do piloto ecoa pelos alto-falantes, anunciando a duração do voo e as condições climáticas. Tento relaxar, mas uma inquietação lateja em minha nuca. Algo não está certo.
Meu coração acelera, e uma sensação sufocante me toma de assalto. Fecho os olhos, tentando afastar a paranoia, mas a imagem da explosão surge como um lampejo cruel em minha mente. Respiro fundo, lutando contra o instinto de levantar.
E então, ouço a voz dela.
Baixa, sutil.
— Você não deveria estar aqui.
Viro-me abruptamente, mas ninguém está olhando para mim. Apenas passageiros ajustando cintos, guardando bagagens, murmurando distrações banais. Mas eu sei o que ouvi. E sei o que significa.
— Senhora Abreu? — A comissária se aproxima com um sorriso educado. — Tudo certo?
Não.
— Preciso sair deste voo. Agora.
A expressão dela se altera, mas antes que possa questionar, já estou desafivelando o cinto de Laila. Meus seguranças percebem a movimentação e se levantam no mesmo instante.
— Senhora, o embarque já foi encerrado — ela insiste, agora em tom preocupado.
— Abra essa porta — minha voz sai baixa, mas letal.
A hesitação dela dura um segundo. Um segundo demais.
— Agora!
A urgência na minha voz reverbera, e os seguranças se aproximam, criando uma barreira entre mim e os demais passageiros. Um protocolo de emergência é acionado, e a porta é aberta de volta para o finger. Seguro Laila pelo braço e caminhamos para fora, o coração martelando contra o peito.
Cinco passos.
Dez.
O rugido de uma explosão estoura no ar.
O calor me atinge antes mesmo que eu entenda o que aconteceu. O chão treme, e um clarão cega meus olhos. O impacto me arremessa para trás, e tudo ao meu redor se dissolve em caos e fumaça.
O mundo se torna um borrão.
Dores lancinantes explodem em meu corpo quando caio no chão. O ar cheira a cinzas e querosene queimado. Pessoas gritam, sirenes ecoam.
Laila.
Tento me levantar, mas minhas pernas não respondem. A névoa de poeira e fogo engole tudo ao redor.
Laila!
Meus pulmões ardem quando inspiro, e a imagem que vejo é um pesadelo vívido. O avião, ou o que restou dele, é um inferno em chamas, pedaços de metal retorcido espalhados pela pista.
Forço meu corpo a se mover. Meus braços arranham o asfalto, minha visão oscila entre o real e o escuro.
Então, percebo.
Laila não está ao meu lado.
O desespero rasga minha garganta em um grito que nem eu mesma reconheço.
— LAILAAAAAAAAA!
Olho ao redor, procurando entre os escombros, entre as pessoas caídas, entre os feridos.
Nada.
— LAILAAAA!
Meus seguranças correm até mim, seus rostos tensos, gritando algo que não consigo ouvir.
— Minha filha! — grito, tentando levantar. — Ela estava aqui! Ela estava comigo!
Mas ela não está.
Meu mundo se parte em mil pedaços.
Alguém a levou.
Laila foi sequestrada.
E eu, Suraya Abreu, vou transformar este mundo em cinzas para tê-la de volta.
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Atualizado até capítulo 136
Comments
Operons Cameluns
O que foi? 🙉🙉🙉🙉
2025-06-01
0
Joana Sena
Caraca 😱😱
2025-05-29
1