A curandeira terminou seu trabalho em silêncio, suas mãos, apesar da idade, firmes enquanto cuidava dos ferimentos que ainda queimavam em meu corpo. Quando finalmente afastou-se, ela me lançou um olhar cansado, mas aliviado.
"Todos podem ir agora", ela disse com um tom suave, mas decidido. "A recuperação de Joyce está bem encaminhada, mas o tratamento do pai dela começará amanhã. A condição dele é delicada... Ele sofreu uma depressão profunda após a perda de sua esposa. Vai precisar de cuidados intensivos para se recuperar."
As palavras dela, tão frias e técnicas, fizeram meu coração apertar. A perda da mãe foi algo que meu pai nunca conseguiu superar, mas ouvir isso de outra pessoa fez tudo parecer ainda mais real, mais pesado. Ele ainda estava ali, pálido e fraco, e eu sabia que ele tinha muito pela frente para voltar a ser quem era.
"Vai demorar para ele melhorar", a curandeira concluiu, olhando para meu pai e depois para mim. "Agora, todos podem descansar."
Eu me levantei devagar da cama, ainda me sentindo fraca, mas já um pouco mais inteira. Azriel estava ali, como sempre, observando tudo com aqueles olhos intensos. Quando percebi que ele estava perto, hesitei por um momento. Eu poderia sair sozinha, poderia ir para o meu quarto, mas eu sabia que ele não iria deixar que eu fizesse isso sem ajuda. Sua presença era opressiva, mas, ao mesmo tempo, necessária.
"Precisa de ajuda?", ele perguntou, a voz grave e tranquila, mas com algo embaixo que eu não sabia identificar.
Eu hesitei um pouco antes de responder. Eu queria dizer que não precisava, que podia seguir sozinha, mas a verdade é que eu não estava pronta para estar sozinha ainda.
"Vou para o meu quarto", murmurei, tentando parecer firme.
Azriel olhou para mim com uma expressão que não me agradou nem um pouco. Ele parecia… dominador, de uma forma que eu não conseguia explicar. Mas não disse nada. Apenas fez um movimento em direção à cadeira de rodas.
"Ela vai para o meu quarto", ele falou com um tom autoritário, como se não fosse uma escolha, mas uma decisão tomada por ele. A ordem estava dada.
Eu tentei protestar, quase me afastei da cadeira, mas ele não me deu chance de argumentar. "Eu não vou ficar longe de você até saber que está curada", ele disse, as palavras carregadas de um peso que me deixou sem palavras. Havia algo na maneira como ele falou que me fez parar por um segundo. Era como se ele estivesse me marcando, me protegendo, como se algo primal dentro dele tivesse despertado.
"Azriel..." Comecei a falar, mas ele cortou minha frase com um olhar profundo e firme.
"Você vai para o meu quarto", ele repetiu, mais forte agora.
Eu senti uma ponta de medo. Não medo dele, mas do que ele representava nesse momento. A forma como ele se colocava, como se estivesse defendendo algo… ou alguém. Ele não falava como um amigo, mas como algo mais, algo que fazia meu estômago se revirar e meu corpo se sentir tenso, como se eu estivesse sendo observada, analisada de uma forma que eu nunca imaginara.
Mas, ao mesmo tempo, havia algo dentro de mim que dizia para não lutar contra ele. Algo que dizia para confiar, para aceitar. E, de algum modo, eu aceitei. Aceitei ele, aceitei a presença dele perto de mim.
Quando chegamos ao meu quarto, o ambiente estava silencioso. O cheiro familiar de velas queimando no ar, o som do vento lá fora, a quietude que sempre esteve em volta de mim. Mas agora, algo estava diferente. Ele estava ali, tão perto, me observando com a intensidade de um predador e a suavidade de quem não quer me perder.
Azriel me ajudou a me acomodar na cama, com uma precisão que parecia natural para ele, como se soubesse exatamente o que fazer. Ele não disse mais nada, mas seu olhar dizia tudo. Algo dentro de mim tremia, mas era difícil dizer se era de medo ou de desejo. Eu não sabia mais o que sentir em relação a ele. Não sabia como entender o que estava acontecendo entre nós.
"Repouse", ele disse com suavidade, mas a intensidade ainda estava lá. "Eu ficarei aqui."
E, estranhamente, isso me acalmou. Ao mesmo tempo que o medo ainda me atingia, havia algo seguro na sua presença. Como se nada de ruim pudesse acontecer enquanto ele estivesse ali.
Eu fechei os olhos, tentando ignorar a sensação de que ele estava mais perto do que nunca, tentando controlar o turbilhão de pensamentos e emoções que se chocavam dentro de mim. Eu precisava descansar. Eu precisava esquecer a dor, as feridas, o peso da responsabilidade. E, de algum modo, a presença dele me fazia sentir que tudo ficaria bem.
Eu me virei para Azriel, que ainda estava parado perto da janela, observando a noite que se estendia lá fora. Sua postura era imponente, como sempre, mas havia algo em seus olhos — algo que eu não conseguia ler completamente. Ele estava ali, silencioso, como se estivesse esperando algo, mas também estava distante.
A dor que eu sentia pelo corpo já estava diminuindo, mas algo mais dentro de mim ainda se agitava. Eu não sabia o que era, mas a conexão com Azriel estava me consumindo de uma maneira estranha. Eu sentia como se houvesse algo maior em jogo entre nós, algo além das palavras, além dos gestos.
"Azriel...", comecei, a voz baixa, mas cheia de curiosidade. "Como vamos selar o laço de parceria?"
Ele permaneceu em silêncio por um momento, seus olhos fixos nos meus, como se estivesse pesando as palavras que iria escolher. Então, com a voz profunda e controlada, ele começou a falar.
"Selar o laço entre nós, Joyce, não é algo simples. Não é uma escolha feita com palavras ou gestos convencionais", disse ele, sua expressão séria. "Esse laço é algo que vai além da compreensão, algo que o Caldeirão predestinou para nós desde o nosso nascimento. Uma conexão profunda, mais forte do que qualquer outro vínculo entre feéricos, algo que é sentido apenas por nós."
Ele fez uma pausa, o olhar dele se suavizando ligeiramente, mas o poder por trás de suas palavras ainda era palpável.
"Para oficializar o laço", ele continuou, "existe um ritual que precisa ser seguido. A fêmea... no caso, você... deve aceitar o macho como seu parceiro de forma definitiva. E essa aceitação não é apenas uma palavra ou um gesto. É uma ação, um símbolo de confiança e entrega." Ele deu um passo em minha direção, os olhos cintilando com uma intensidade quase assustadora. "Você teria que me oferecer uma refeição, Joyce. Algo que simbolize sua aceitação do que somos um para o outro."
Eu senti o calor subir pela minha pele. Não era exatamente o que eu esperava, mas ao mesmo tempo, algo dentro de mim parecia entender. Ele estava me dizendo que o laço entre nós era algo mais profundo do que eu jamais poderia imaginar.
"Após essa aceitação", ele prosseguiu, "um Grão-sacerdote ou uma Grã-sacerdotisa formaliza o vínculo. O laço é selado oficialmente, mas ele é mais do que um simples ato cerimonial. Uma vez feito, ele não pode ser quebrado. Ele vai nos acompanhar para sempre."
Azriel se aproximou ainda mais, seus olhos nunca deixando os meus. Eu podia sentir o peso daquelas palavras, sabia que o que ele estava descrevendo era algo imenso, algo que não poderia ser desfeito. Mas havia algo em sua presença, em sua energia, que fazia com que eu não quisesse recuar.
"E uma vez selado", ele continuou com uma voz quase sussurrada, "não há volta, Joyce. O laço entre nós se torna parte de quem somos, e você não pode se esconder dele. Ele irá consumir você da mesma forma que me consome, até que não haja mais dúvida sobre o que somos um para o outro."
Eu respirei fundo, o calor se espalhando por todo o meu corpo. Algo dentro de mim estava ciente do que ele estava dizendo, do que estava por vir. Eu não sabia exatamente o que isso significava para nós dois, mas a sensação de inevitabilidade era esmagadora.
"Mas..." Eu hesitei, tentando reunir coragem. "E se eu não quiser?"
Azriel se aproximou ainda mais, quase tocando minha pele, e sua resposta veio rápida e direta. "Você não pode escapar do laço, Joyce. Ele não é uma escolha. O que você sente agora... é o começo de algo que não pode ser apagado."
Eu olhei para ele, a intensidade do seu olhar prendendo-me de uma maneira que eu nunca experimentei antes. Algo dentro de mim queria ceder, queria me entregar, mas havia uma parte de mim que ainda estava com medo.
"Eu não posso... mudar o que está acontecendo entre nós?" Perguntei, a dúvida na voz.
Ele balançou a cabeça lentamente, um sorriso torto se formando em seus lábios. "Não, Joyce. Você não pode. E no fundo, você sabe disso. O laço já está aqui. Agora é só questão de tempo até você aceitá-lo completamente."
Eu fechei os olhos por um momento, tentando processar tudo. O que ele estava dizendo era mais do que um simples vínculo entre dois indivíduos. Era algo maior, mais poderoso, algo que eu não sabia se estava pronta para aceitar, mas que, de alguma forma, já estava em mim.
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Atualizado até capítulo 34
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