Asa narrando:
O peso do silêncio foi rompido por um grito que reverberou pelas paredes do quarto.
— Saia! Eu não quero mais te ver! — exclamei, minha voz carregada de um mix de dor e raiva. A força em minhas palavras era uma revelação, um lado meu que nunca havia se manifestado antes. Fiquei paralisada, sabendo que esse era um momento crucial, uma ruptura que eu não poderia ignorar. Cada sílaba era como um eco de traição, e a rejeição cortou mais fundo do que qualquer adjetivo que eu pudesse descrever.
O ar no ambiente ficou pesado, e a agitação entre nós três aumentou. Minha mãe, sempre a pacificadora, tentava intervir, mas a tensão era palpável. Ela caminhou até nós, as mãos levantadas em um gesto de súplica.
— Calma, vocês duas! Por favor, vamos conversar com calma. Asa, você precisa se acalmar. Essa situação é muito difícil para todos nós. — ela disse, a voz uma mistura de preocupação e amor.
Mas eu não conseguia ouvir. Apenas a traição perfurava meu pensamento, e a sensação de que minha vida inteira estava sendo modificada diante de mim era quase insuportável. Olhei para Alma, a raiva fervilhando em mim como um vulcão prestes a entrar em erupção.
— Como você pôde fazer isso, Alma? Você me traiu da forma mais cruel possível! Meu namorado, a pessoa que deveria estar ao meu lado, e você se escolheu! — A última palavra saiu como um sopro de veneno, e eu sabia que não havia volta. — Você o chamava de nerd, zoava ele de várias maneiras possíveis.
— As coisas são diferente agora... Max mudou e ele agora é meu. Desculpa, mas aconteceu. — Alma estava chorando, as lágrimas em seu rosto misturavam-se com a raiva que deixava seus olhos tão claros.
— E eu? O que sou eu nessa história? Apenas uma espectadora da vida de vocês dois? — Eu explodi, a um passo de ceder a um impulso de ira que estava prestes a me consumir. — Você pode não ter planejado, mas não me diga que não sabia que isso poderia me destruir!
Nesse instante, minha mãe, em um gesto desesperado, começou a procurar a campainha que chamava as enfermeiras.
— Calma, Asa. Vou chamar uma enfermeira. Talvez você só precise de um pouco de ajuda para relaxar. Por favor. — Ela implorou, quase em um sussurro.
Mas as palavras da minha mãe eram muito distantes, perdidas na tempestade de emoções que me cercava. Mergulhei em um ciclo de fúria e dor, relembrando os momentos que eu pensava serem sagrados, agora manchados por uma traição que nem mesmo a realidade poderia apagar.
As enfermeiras chegaram rapidamente, e vi uma delas trazer uma seringa com um calmante. Era como se o mundo estivesse prestes a desaparecer em uma nuvem de névoa. Fui empurrada delicadamente para baixo, mas a resistência dentro de mim era teimosa.
— Não! Eu não quero isso! — gritei, tentando me afastar do que estava prestes a acontecer. Vidas estavam se desmoronando ao meu redor, e a ideia de sucumbir a um sono profundo, enquanto tudo isso acontecia, parecia errado.
— Se você não se acalmar, isso vai só piorar. — A enfermeira disse de forma calma, mas firme. Percebi que, em meio ao tumulto, a única coisa que eu realmente queria era a liberdade de sentir, mesmo que a dor fosse insuportável.
— Max... — murmurei, o nome escapando de meus lábios com um peso que quase não consegui suportar. O vazio que agora ocupa seu lugar em meu coração era insuportável.
Mas o veneno já estava correndo em minhas veias. O ambiente começou a girar, e a confusão me envolveu, como uma nuvem que cobria tudo. As vozes de Alma e da minha mãe distorciam-se em ecos desconhecidos. Cada palavra perdeu seu significado. Lutei para permanecer consciente, para resistir à escuridão que se aproximava, mas era como tentar segurar a areia entre os dedos.
— Eu... eu te amo, Asa. — a última coisa que ouvi, mas não sabia se era de Alma ou da minha mãe. E então a névoa se consolidou, consumindo minha consciência, e eu sucumbi em uma escuridão confortável, apenas para me livrar da dor que me consumia.
E, com isso, a última fração da minha realidade se desfez, deixando para trás apenas uma tristeza profunda e uma confusão que se desdobraria quando eu acordasse novamente.
[...]
Despertei com uma sensação estranha. A luz do quarto de hospital me cegava momentaneamente, forçando-me a piscar várias vezes até que minha visão se ajustasse. Minhas lembranças eram fragmentadas, como peças de um quebra-cabeça espalhadas por uma tempestade.
A enfermeira havia me dado calmamente, isso me fez apagar e por algum tempo, me fazendo esquecer o que eu estava passando. Não que isso importasse agora. Meu coração ainda pulsava descontrolado, a raiva e a dor se misturando em minhas veias. A notícia que recebi logo após acordar ainda ecoava na minha mente: minha irmã, minha própria irmã, estava grávida do meu namorado. Ex-namorado, corrigi mentalmente, sentindo um gosto amargo na boca.
Enquanto tentava processar tudo isso, a porta do quarto se abriu lentamente. Lá estava ele, parado como uma estátua. Seus olhos encontraram os meus e, por um momento, parecia que o tempo tinha congelado. Ele estava diferente. Não era mais o garoto nerd que eu lembrava, mas sim alguém irreconhecível. O corpo tatuado, os músculos que agora definiam sua figura, tudo nele gritava mudança.
— Então, é assim que você aparece depois de tudo? — Minha voz soou mais firme do que eu esperava, cortando o silêncio entre nós.
Ele hesitou, abrindo a boca como se fosse falar, mas eu não lhe dei essa chance.
— Você mudou tanto, não é? Do nerd tímido ao... isso. — Eu gesticulei vagamente, indicando sua nova aparência. — Interessante como as pessoas se transformam quando acham conveniente. Inclusive, traem os outros pelas costas. Como alguém consegue ficar com uma mulher que fazia bulling, que te zoava e, acima de tudo, irmã da mulher que ele jurava amar. E que no momento mais vulnerável dela, ele estava traindo ela da maneira mais nojenta e repugnante?
Ele deu um passo à frente, mas eu ergui a mão para interrompê-lo.
— Não, você não tem o direito de dizer nada. Você e minha irmã... Vocês se merecem.
A dor em seu olhar era palpável, mas eu não estava disposta a suavizar minhas palavras.
— Eu confiava em você. E enquanto eu estava aqui, lutando pela minha vida, você escolheu a pior traição possível.
Ele finalmente encontrou a voz, mas suas palavras eram frágeis, quase sussurradas.
— Asa, eu...
— Não! — cortei, minha raiva queimando qualquer tentativa de desculpas. — Eu não quero ouvir. Você pode ter mudado por fora, mas por dentro, você é o mesmo covarde.
O silêncio se instalou novamente, pesado e sufocante. Eu não sabia se ele tinha mais algo a dizer, mas naquele momento, não importava. Ele havia cruzado uma linha, e não havia retorno.
— Saia. — eu disse, a palavra soando definitiva. — E não volte.
Ele hesitou por um instante, mas então, como se finalmente entendesse a gravidade de suas ações, virou-se e saiu sem olhar para trás.
Sozinha novamente, deixei que as lágrimas que eu segurava finalmente caíssem. A dor ainda estava lá, mas a raiva também. E eu sabia que, de alguma forma, conseguiria me reconstruir a partir dos pedaços que restaram.
[...]
Manhã seguinte...
A luz suave da manhã filtrava-se pelas cortinas do quarto de hospital, lançando sombras delicadas nas paredes. Eu ainda estava tentando processar tudo o que havia acontecido quando a porta se abriu novamente. Desta vez, era o médico, seguido de perto por minha mãe.
O rosto dela estava marcado pelo cansaço, mas seus olhos brilhavam com um amor inabalável. Ela se aproximou da minha cama, segurando minha mão com uma ternura que só uma mãe poderia oferecer.
— Bom dia, Asa. — o médico começou, olhando para mim com um sorriso encorajador. — Como você está se sentindo hoje?
— Estou... tentando entender tudo. — respondi, minha voz um pouco rouca.
Ele assentiu, compreensivo.
— Eu sei que é muita coisa para absorver. Mas há algumas questões importantes que precisamos discutir.
Minha mãe apertou minha mão, como se quisesse me dar força. O médico continuou:
— Devido aos dois anos em coma, seu corpo passou por algumas mudanças. Precisaremos realizar alguns exames para avaliar sua saúde geral.
Assenti, já esperando algo assim.
— E quanto à minha mobilidade?
— Precisaremos começar com fisioterapia o mais rápido possível. — ele explicou. — O tempo que você passou deitada pode ter afetado seus músculos e articulações. Será um processo gradual, mas nosso objetivo é ajudá-la a recuperar sua força e independência.
A ideia de passar por tudo isso era assustadora, mas também senti uma faísca de determinação. Eu queria minha vida de volta.
— Entendo. — murmurei. — Estou disposta a fazer o que for necessário.
Minha mãe me olhou com um orgulho que aqueceu meu coração.
— Estamos aqui para você, Asa. A equipe médica estará sempre cuidando de você até estar liberada e finalmente poder sair deste hospital. — diz o médico com um sorriso gentil.
Ele continuou explicando os próximos passos, os tipos de exercícios que eu faria e a equipe que estaria ao meu lado durante a recuperação. Embora o caminho à frente parecesse longo e desafiador, havia uma sensação de esperança crescendo dentro de mim.
Quando o médico saiu, minha mãe permaneceu ao meu lado, acariciando minha mão.
— Você é forte, Asa. Sempre foi. E agora não será diferente. — diz ela. — Quero que saiba que nunca aceitei o que aconteceu. Só quero que você supere tudo e que finalmente possa seguir sua vida.
Eu assenti, a raiva voltando novamente a tona.
Eu sabia que haveria dias difíceis, momentos de dúvida e frustração, mas, eu também sabia da minha força e determinação, eu iria dar a volta por cima.
— Obrigada, mãe. — sussurrei, sentindo-me grata por sua presença constante. — Vamos conseguir.
E naquele instante, decidi que faria tudo o que estivesse ao meu alcance para me reerguer. Eu estava pronta para lutar pela minha vida.
[...]
O silêncio era quase ensurdecedor, mas, de alguma forma, ele me permitia ouvir a mim mesma com clareza.
Era noite e eu estava sozinha naquele quarto de hospital.
Olhei para o teto, as pequenas manchas e marcas se tornaram um mapa de minhas reflexões. Nunca havia passado tanto tempo sozinha, e, ironicamente, essa solidão estava me fazendo companhia de uma forma estranha. Era como se, finalmente, eu pudesse me desvencilhar das vozes externas que sempre tentavam me guiar, me moldar. Agora, só havia eu e as minhas memórias.
Pensar na minha vida era como folhear um álbum de fotografias desbotadas. Cada imagem trazia à tona risos e lágrimas, amores e desilusões. Eu me lembrava de cada coração partido, das promessas feitas e quebradas. A verdade era que eu estava cansada. Cansada de me arriscar, de abrir meu coração e me expor, apenas para ver tudo desmoronar. O amor, que um dia me parecia um céu azul, agora era uma tempestade, e eu não tinha mais vontade de me molhar.
Quando eu sair daqui, quero mudar. Quero respirar livremente, sem o peso das expectativas. Quero descobrir quem sou fora das relações e dos rótulos que a sociedade impôs a mim. A ideia de viver por mim mesma, de encontrar alegria nas pequenas coisas, começou a ganhar forma. Eu poderia explorar os meus hobbies, redescobrir paixões que deixei para trás. Talvez eu voltasse a dançar balé, ou quem sabe escrever um livro, onde cada palavra seria uma nova forma de me libertar.
A verdade é que eu não queria mais me envolver amorosamente com ninguém. A dor de um coração partido ainda ecoava dentro de mim, e não havia espaço para mais feridas. Eu desejava um amor maior, um amor que não dependesse de outra pessoa. Um amor por mim mesma, um amor que me curasse e me fortalecesse.
Enquanto o tempo passava lentamente, eu me permiti sonhar com o futuro. Imaginei um lugar onde eu poderia ser livre, onde as cores da vida não estivessem opacas, mas vibrantes. Um espaço onde eu poderia me reinventar, onde o passado não ditasse quem eu sou.
Então, deitada na cama do hospital, fiz uma promessa silenciosa a mim mesma.
Um acidente não conseguiu me vencer, então por que eu deixaria que meu ex-namorado e minha irmã traidora me derrubassem? Eles acham que podem me machucar, que podem me fazer sentir menos do que sou. Mas eu sou mais forte do que isso. Cada cicatriz que carrego é uma prova de que sobrevivi, de que enfrentei desafios maiores. Não vou permitir que essas traições me definam. Eu sou a dona da minha história, e ninguém vai tirar isso de mim.
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Comments
Vania Benicio
Isso mesmo, a vida continua com mais vigor, o importante é continuar, lutar e vencer a cada amanhecer!
2024-12-19
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Flávia Aguiar
Nossa a leitura é boa, a escrita maravilhosa. 👏🏻👏🏻👏🏻
2025-01-04
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Janaína Gonzalez
E eis que a Fênix surge...
2025-03-08
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