Já a noite!
O rugido dos motores ecoava na madrugada , iluminada pelos faróis das motos que riscavam o asfalto clandestino. O cheiro de gasolina, fumaça e adrenalina tomava conta do ar. No meio da multidão, todos sabiam: quando Isadora surgia, ninguém ousava duvidar do resultado.
Vestida com seu macacão preto de couro justo, o capacete apoiado debaixo do braço e o olhar gelado fixo na pista, ela caminhava como uma sombra entre gritos e apostas. Os homens mais ousados se afastavam, porque sabiam que, além de milionária e dona de metade da cidade com seus negócios, Isadora corria como se o próprio fogo do inferno a perseguisse.
— Finalmente… — murmurou um dos corredores, ao vê-la se aproximar da moto vermelha fosca, uma Ducati customizada. — A Rainha da Noite voltou.
Isadora apenas arqueou a sobrancelha e deslizou a luva preta pela moto. Não precisou responder; sua presença já dizia tudo.
Antes que pudesse montar, o celular vibrou no bolso do macacão. Reconheceu o número do pai, mas ignorou. O mundo inteiro podia esperar quando estava prestes a correr.
No meio da preparação, ouviu a voz conhecida do organizador:
— Isadora contra Javier, três voltas! Apostem agora!
A multidão gritou, mas a mente dela estava em outro lugar. O peso da conversa daquela manhã ainda martelava sua mente. O advogado, a herança, o acordo entre os avôs. Dois anos de casamento com Theo, herdeiro arrogante, frio e tão desafiador quanto ela.
Ele ainda tinha uma noiva. Ela ainda tinha sua liberdade. Mas, de repente, tudo estava ameaçado.
Isadora girou o punho, ligando a moto. O ronco metálico vibrou no peito de todos ali. O vento da noite beijava seu rosto quando ela colocou o capacete.
— Você vai perder! — Javier gritou, confiante do outro lado da pista.
Ela encaixou a moto na posição e respondeu, seca, a voz amplificada pelo microfone interno do capacete:
— Eu nunca perco.
O sinal foi dado.
O asfalto parecia arder sob os pneus. Isadora arrancou, deixando Javier para trás já na primeira curva. O corpo dela se fundia à moto, cada movimento preciso, calculado. Três voltas foram suficientes para humilhar o adversário. Quando cruzou a linha de chegada, o público foi ao delírio.
Ela tirou o capacete e ergueu a mão vitoriosa, mas seus olhos estavam frios, impenetráveis. A vitória não apagava a verdade: estava prestes a perder a única coisa que realmente importava para ela.
Ao se afastar da pista, o celular voltou a vibrar. Dessa vez, atendeu.
— Finalmente — a voz de seu pai veio carregada de tensão. — Isadora, você precisa entender. Não temos escolha. Esse casamento com ele é o que mantém nossa herança, nossos impérios, intactos.
— Herança? — ela rebateu, seca. — Eu não pedi nada disso. Nem do meu sobrenome.
— E ainda assim vai carregar o peso dele. — A voz dele soou firme, quase uma sentença. — Prepare-se. Amanhã você encontrará Theo.
Isadora fechou os olhos por um segundo. Theo. O nome soava como veneno em seus lábios.
— Então que ele esteja pronto. Porque eu não sou mulher de se dobrar para ninguém.
Ela desligou sem esperar resposta, subiu na moto e acelerou, sumindo pela estrada como um raio vermelho na escuridão.
Na mesma noite, a centenas de quilômetros dali, em Paris, Theo observava a noiva adormecida em sua cama. O telefone ainda em sua mão, o mesmo telefonema recebido horas antes.
O casamento. Dois anos. Com Isadora.
Um sorriso frio curvou os lábios dele.
— Vai ser divertido quebrar a rainha de gelo.
Mas, no fundo, ele sabia: não seria nada fácil.
Dia seguinte
O silêncio dentro da sala de estar era sufocante. O relógio de parede marcava cada segundo como uma martelada. O advogado, ajeitava os óculos com ar desconfortável, observando os dois herdeiros que se encaravam como predadores em lados opostos de uma arena.
Isadora cruzou as pernas, recostada no sofá de couro com um ar de indiferença absoluta. Jogou o cabelo para o lado e disse com voz gelada:
— Então é isso? Um casamento de fachada para satisfazer o desejo de dois velhos teimosos?
Theo, de braços cruzados, encostado no batente da porta, riu baixo. Seu riso não tinha humor algum.
— Não é fachada, Isadora. É obrigação. Você devia saber que o mundo não gira em torno do seu capricho.
Ela arqueou uma sobrancelha, quase divertida.
— Engraçado ouvir isso de você. O noivo perfeito, que já deve ter decorado os votos para a sua verdadeira noiva. — disse, com um leve veneno no tom.
— Aliás, como será que ela vai reagir quando descobrir que o noivo dela precisa dividir a cama comigo pelos próximos dois anos?
O maxilar de Theo se contraiu. Ele odiava como Isadora conseguia tocar nas feridas certas com uma precisão cirúrgica.
— Não se preocupe com a minha vida. — respondeu seco. — A questão aqui é que não vou abaixar a cabeça para você. Dois anos passam rápido. Podemos sobreviver sem nos matar… ou não.
O advogado pigarreou, tentando amenizar o fogo cruzado:
— Senhores, compreendo a relutância. Mas este contrato foi firmado entre seus avós antes mesmo de vocês nascerem. Se não houver casamento, ambas as famílias perderão direitos sobre os investimentos conjuntos.
— Ou seja, dinheiro. — Isadora completou sem emoção. — No fim, sempre se resume a isso.
Ela se levantou, caminhou até a janela e encarou a noite fria que caía sobre Verona. Por dentro, sua mente fervilhava de estratégias, mas por fora, era uma muralha inquebrável.
— Muito bem. — disse por fim, virando-se de volta. — Se é inevitável, vou jogar do meu jeito. Mas que fique claro: eu não sou sua sombra, Theo. Nem sou mulher de obedecer ninguém.
— Ótimo. — ele rebateu, sem hesitar. — Porque eu também não sou homem de lidar com bonecas mimadas.
O ar ficou pesado, quase palpável.
Isadora aproximou-se, parando a poucos centímetros dele. Seus olhos cinzentos encararam os dele, azuis como aço.
— Isso vai ser divertido. — murmurou com um sorriso frio. — Espero que sua noiva aguente o impacto.
Theo retribuiu o olhar, impassível.
— Não se preocupe. Você vai perceber logo que eu não caio nos seus joguinhos.
O advogado respirou fundo, já exausto daquela primeira reunião. Ele sabia que aquele casamento seria uma guerra.
E assim, o pacto estava selado. Não por amor. Não por escolha. Mas pelo peso de um legado que agora os obrigava a conviver debaixo do mesmo teto.
A guerra havia começado.
Continua…
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Atualizado até capítulo 36
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