Vou me afastar, não quero destruir a vida dela

“Clara”

Estava tudo indo muito bem, adorei conversar com ele, Edu fala sobre tudo como se fosse assunto do cotidiano dele, amanhecemos conversando.

Mas aí ele começou com a história de que é velho para mim. Eu não tinha nem cogitado a possibilidade de namorar com ele, já me cortou, o sangue subiu na minha cabeça e falei um monte de bobagens.

Se ele soubesse quão ferrada é minha cabeça, será que entenderia que somos a tampa e a panela? Hoje consegui esconder dele minhas manias, mas acho que se ficarmos próximos não vou conseguir esconder por muito tempo. Talvez ele esteja certo e é melhor ficarmos longe, assim ninguém se magoa.

“Edu”

Um mês se passou, estou quase surtando de saudades. Cada vez que alguém bate em minha porta, acho que pode ser ela, nem que seja para trocar farpas comigo, mas não é, e não veio mais na firma com o pai dela, o que será que ela está fazendo? Por que não veio mais estagiar? Será que, se eu perguntar, vai dar na cara?

Vou mandar minha secretária descobrir, mas e se virar fofoca?

Chamarei Marcos e inventarei qualquer coisa, já sei, falarei do rótulo do novo vinho.

-Maria fala para o Marcos vir aqui na minha sala.

-Já avisarei, senhor Edu.

Marcos chegou e entrou em minha sala, sentou-se na cadeira de frente comigo e ficou esperando.

-Fala Edu, o que você quer comigo?

-Quero saber do novo rótulo, quando vai ficar pronto?

Marcos continuou em silêncio, até que levantei a cabeça e Marcos estava com os braços cruzados e me encarando.

-Olha, Edu, eu tenho você como um irmão, mas amo minha filha e se você magoá-la eu te arrebento a cara.

-Mas perguntei do rótulo, não da sua filha.

-E eu sou um mico de circo, eu não sei o que aconteceu com vocês no dia da formatura, mas está na hora de você resolver essa situação como homem, Clara nunca ficou longe do serviço e agora não quer vir trabalhar para não ter que ver você, e você ao contrário está aqui todo o dia coisa que não fazia há no mínimo 10 anos.

-Eu não sei o que te dizer, eu não sei o que está acontecendo, só sei que sinto falta do perfume dela, do sorriso, das conversas sem sentido, até do café ruim que ela faz.

-Como você sabe que era ela quem fazia o café?

-Porque o café da copeira é gostoso e era só Clara, estar aqui, o café era ruim.

-Ela não é boa para fazer café, mas não temos coragem de falar para Clara, e assim tomamos sem reclamar.

-Clara está bem?

-Não muito, parece ansiosa, agitada, mas não quer nos dizer o porquê.

-Deve ser por minha causa, voltarei a ficar em casa, pode falar para ela vir para o escritório que eu não estarei aqui.

-Edu, isso não funcionará, vocês deveriam conversar e se entender, o que tiver que ser será e não tem ninguém que impedirá.

-Não quero arriscar magoar Clara, não vou me aproximar mais, deixa ela viver a vida dela sem meus problemas e paranoias para atrapalhar.

-Continuo achando que vocês deveriam conversar.

-Só cuida dela, tá bom, vou me afastar.

-Vocês são dois teimosos, mas vão dando murro em ponta de faca, uma hora quem sabe dá certo.

-Voce é um pai esquisito, deveria estar me mandando ficar longe de sua filha, sou um velho cheio de problemas, e sou padrinho dela.

-Já vi a minha Clara sofrer muito, só teve um dia em que a vi feliz de verdade, foi na manhã em que chegou em casa após amanhecer conversando com você. Então, apoiarei, seja lá o que fizer a minha filha feliz. Mas se você magoá-la eu te arrebento. E quanto a ser padrinho dela, só cuida bem dela, não é para isso que os padrinhos servem?

A partir do Código de Direito Canônico de 1983, não é mais previsto o impedimento por "parentesco espiritual" para a união matrimonial entre padrinhos e afilhados. 

-Você foi investigar?

-Quando percebi que Clara gostava de você, fui pesquisar porque quando acontecesse eu tinha que saber me posicionar.

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