Sob a Superfície

O silêncio que seguiu a confissão de Amélia era quase insuportável.

Ela sentia o peso do olhar de Alex, fixo nela, como se estivesse tentando ler as palavras que não foram ditas. A respiração dela estava irregular, e seus punhos cerrados.

Toda a compostura que ela lutara tanto para manter havia se esfacelado, revelando uma vulnerabilidade que ela detestava mostrar. Agora, tudo estava exposto, as feridas abertas para alguém que, até poucos dias atrás, era apenas mais um nome em sua lista de contatos profissionais.

Alex, por outro lado, estava estático, processando tudo o que acabara de ouvir.

A verdade crua, a intensidade das emoções de Amélia, tudo o atingira de uma maneira que ele não esperava. A imagem que ele tinha dela—da advogada confiante, quase intocável—estava sendo desfeita e reconstruída diante de seus olhos.

Agora, ele via uma mulher profundamente ferida, alguém que carregava cicatrizes que ele sequer começava a entender. O que mais o perturbava era a ideia de que, mesmo agora, ele só arranhava a superfície do que realmente significava ser Amélia Martins.

— Eu… — Alex começou, mas as palavras falharam. Ele, acostumado a ter o controle em todas as situações, sentia-se, pela primeira vez em muito tempo, perdido. — Eu não sabia, Amélia.

Ela soltou uma risada amarga, cruzando os braços como se tentasse se proteger dele e do que havia acabado de revelar. As lágrimas que ardiam em seus olhos eram um lembrete cruel de tudo o que ela havia tentado esquecer. Ela odiava sentir-se vulnerável, especialmente na frente de Alex, cuja frieza e lógica implacável a deixavam ainda mais desconfortável.

— Claro que não sabia. Como poderia? Para você, tudo isso é apenas mais uma transação, mais uma jogada estratégica. Mas para mim… — Ela fez uma pausa, a voz embargando, como se as palavras estivessem presas em sua garganta. — Para mim, é a minha vida. É o meu inferno particular.

Alex não desviou o olhar, mesmo quando ela o encarou com uma intensidade quase desafiante.

Ele queria entender, mas também sabia que qualquer tentativa de suavizar a situação só pioraria as coisas. Ele sempre fora um homem de ação, um solucionador de problemas, mas agora, diante dela, sentia-se desarmado. As regras que ele conhecia não se aplicavam aqui.

— Amélia, eu não quis… — Ele parou, escolhendo cuidadosamente as palavras, consciente do impacto de cada uma delas. — Eu não quis tratar você como um objeto, ou seu passado como uma mera informação. Mas você tem que entender, eu precisava saber. Não só por mim, mas porque estamos lidando com forças que… — Ele fez uma pausa, os olhos fixos nos dela, buscando alguma compreensão. — Que podem destruir tudo.

Ela apertou os lábios, as lágrimas brilhando em seus olhos, mas sem cair.

Amélia não chorava.

Não mais.

Choros eram uma fraqueza que ela não podia se permitir. Anos de sobrevivência a haviam ensinado isso da maneira mais difícil. Ela vira o que acontecia com aqueles que baixavam a guarda, e prometera a si mesma que nunca seria uma dessas pessoas.

— Você acha que eu não sei disso? — A voz dela era quase um sussurro, mas carregada de uma dor que fazia cada palavra parecer uma facada. — Vivi isso a vida inteira. Cresci cercada por mentiras, por pessoas que só viam em mim uma extensão do poder do meu pai. Lutei todos os dias para me afastar disso, para construir uma vida diferente. E agora, tudo isso está sendo arruinado.

O silêncio entre eles voltou a se instalar, mas era diferente desta vez.

Não era apenas tensão, mas uma conexão, uma compreensão não verbal do peso que cada um carregava. Alex deu um passo à frente, mais próximo dela, seu olhar mais suave, mas ainda cheio de determinação.

— Eu não quero ser mais um peso para você — ele disse, a voz baixa, quase suave. — Mas não posso ignorar o que está acontecendo. Não posso ignorar quem você é. Quem nós somos.

Ela o encarou, surpresa pela mudança de tom.

Por um momento, ela quase acreditou que ele se importava, que havia algo mais ali do que apenas negócios e controle. Mas ela sabia que não podia se deixar levar por esperanças. Não mais.

A experiência a ensinara a desconfiar de palavras gentis, especialmente vindas de homens como Alex Wakefield.

— E o que você vai fazer agora? — perguntou, desafiadora, a voz carregada de ressentimento.

Alex ficou em silêncio por um momento, os olhos fixos nos dela.

Era raro vê-lo hesitar, e isso a surpreendeu. Ele sempre tinha uma resposta, um plano, mas agora, parecia tão perdido quanto ela.

Ele sabia que não poderia voltar atrás, não depois do que ouvira.

— Vou proteger você. E vou proteger tudo o que construí — ele finalmente respondeu, a voz firme, mas havia uma camada de emoção que ela não esperava. Ele não estava apenas falando sobre negócios. Havia algo mais ali, algo que ele próprio parecia relutar em admitir.

A resposta dele era direta, mas cheia de significados ocultos.

Ela queria acreditar, mas sabia que o caminho à frente seria mais difícil do que qualquer coisa que eles haviam enfrentado até agora. Não era só uma questão de sobrevivência; era uma questão de confiança.

E, naquele momento, a confiança parecia um luxo que ela não podia se dar ao luxo de ter.

— Palavras são fáceis, Alex. — Amélia o encarou, os olhos brilhando com uma intensidade quase feroz. — Quero ver o que você faz com elas. Quero ver se você consegue lidar com o que está prestes a descobrir.

Eles estavam à beira do abismo, e, de alguma forma, sabiam que não poderiam voltar atrás.

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