A festa seguia em seu ritmo elegante, mas a tensão no ar crescia sutilmente como uma sombra que não podia ser ignorada. Em um canto reservado do salão, perto da biblioteca com portas de mogno, Alexander reunira alguns dos membros mais influentes do conselho — incluindo meu pai.
Eu me mantinha próxima o suficiente para ouvir, mas longe o bastante para não ser notada. A luz baixa fazia o jogo de sombras em seus rostos parecer ainda mais grave.
— Alexander — começou meu pai, com aquela voz firme que usava quando precisava impor respeito — você não pode continuar assim. Voltar como Don e não ter uma esposa... não ter herdeiros — ele fez uma pausa pesada — não é aceitável para o clã.
O olhar de Alexander era cortante.
— Eu não disse que não quero herdeiros, Carlos. — respondeu ele, com calma gélida — Eu disse que não quero esposa.
Um dos homens do conselho franziu o cenho, entreabrindo a boca, mas Alexander ergueu a mão, pedindo silêncio.
— Casar-se é uma obrigação, não um desejo — insistiu meu pai, tentando manter a autoridade.
— Quem manda aqui sou eu. — a voz de Alexander baixou, ficou mais densa, quase um sussurro, mas carregado de ameaça — Quem casa, quando casa e com quem casa... será da minha escolha.
Houve um silêncio carregado, o ar parecia pesado, como se a sala toda prendesse o fôlego.
— Se alguém acha que pode me forçar... que comece a arrumar um lugar no cemitério. — completou, a voz agora firme e sem espaço para dúvidas.
Meu coração acelerou. Cada palavra dele era um golpe.
O peso daquele momento atingiu até mesmo os membros mais endurecidos do conselho.
Meu pai desviou o olhar por um instante, como se repensasse o preço da guerra que poderia vir.
Quando a reunião terminou, Alexander se afastou, deixando os outros com seus pensamentos, mas eu fiquei ali.
Ouvi cada palavra.
E entendi que, mais do que nunca, o Don não era um homem comum.
E que a verdadeira batalha estava apenas começando.
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O salão retomou seu ritmo, mas com outra cadência. Menos leve. Mais observadora. Era como se, com aquele brinde, Alexander tivesse reorganizado a hierarquia invisível da noite. E todos — absolutamente todos — sabiam qual era o lugar que deviam ocupar.
Caminhei até uma das mesas próximas à pista de dança, onde alguns membros antigos da família conversavam com rostos sorridentes, mas olhos calculistas. Recebi elogios, toques no braço, perguntas veladas sobre minha vida pessoal. Sempre com aquele tom disfarçado de inocência, como se não estivessem buscando alianças.
Sentei ao lado de minha irmã, que me observava de canto, analisando cada movimento ao redor.
— É como se ele nem precisasse levantar a voz, né? — ela comentou em voz baixa, tomando um gole do prosecco.
— Porque ele não precisa — respondi, olhando para Alexander, agora em conversa com dois dos conselheiros mais antigos. — Ele comanda pelo silêncio. Pela certeza que transmite.
Isadora se aproximou pouco depois, com o mesmo ar encantador de sempre, mas havia algo nos olhos dela. Um tipo de orgulho silencioso, satisfeito.
— Aurora, venha. O Don deseja abrir a segunda parte da noite com outra dança. Será um gesto simbólico.
— Uma dança simbólica? — repeti, arqueando a sobrancelha.
— A música mantém a diplomacia viva, querida — ela respondeu, antes de tocar levemente meu braço. — E você é a escolha certa, ainda que ele não admita.
Meu coração acelerou.
De longe, vi Alexander em pé novamente no centro da pista. Ele não estendia a mão, não sorria, não chamava nomes em alto e bom som. Ele apenas me olhava. Um gesto sutil de inclinação com a cabeça. Discreto. Mas claro.
Era um convite. E também uma ordem.
Caminhei até ele com a calma que não sentia. Meus passos pareciam ecoar mais do que os sons ao meu redor. Quando parei diante dele, houve um momento breve, carregado. Ele me ofereceu o braço, rígido, quase formal.
— Aurora. — Seu tom era neutro. Polido. Mas os olhos... os olhos diziam outra coisa.
— Don Alexander. — Respondi com igual elegância, e aceitei seu braço.
A música recomeçou. Algo suave, com violinos e piano. Clássico. Contido. Ele me guiava com precisão, mas havia uma tensão contida em cada gesto. As mãos dele, mesmo enluvadas, tocavam apenas o necessário. O mínimo exigido pela etiqueta da dança. Mas o olhar... o olhar me atravessava como lâmina silenciosa.
— Todos estão nos observando — murmurei, olhando ao redor.
— Eu sei. — Ele me girou com leveza, retomando o controle no instante seguinte. — E por isso mesmo estamos aqui.
— Achei que não gostasse de demonstrações públicas.
— Não gosto. — Ele olhou direto nos meus olhos. — Mas não vim até aqui para agradar gostos alheios. Vim para estabelecer ordem. E você, dançando comigo, representa algo que todos eles entendem: quem está dentro e quem está fora.
Engoli em seco.
Ele não sorria. Mas também não afastava o olhar.
— E eu? Estou dentro? — perguntei, mesmo sem saber se queria realmente a resposta.
A música continuava, e ele manteve o silêncio por alguns compassos. Depois respondeu, sem desviar os olhos:
— Você está no centro.
E naquele momento, percebi que a dança era mais do que símbolo. Era uma mensagem. Não para mim. Para todos os outros.
Eu era o centro de algo que ainda não compreendia por completo.
E Alexander, como sempre, dizia o essencial sem jamais precisar levantar a voz.
A música foi diminuindo gradualmente até restar apenas um murmúrio de cordas. As luzes do salão suavizaram, e os convidados começaram a dispersar em pequenos grupos. Muitos ainda lançavam olhares para mim e Alexander, sussurrando entre si com sorrisos falsos e curiosidade mal disfarçada. A dança final fora notada — como era de se esperar. Em nosso mundo, nada era apenas dança.
Isadora se aproximou com um discreto toque no meu braço.
— Vamos, querida. Está tarde, e sua postura já foi mais do que suficiente para chamar atenção esta noite.
Assenti. Precisava mesmo sair daquele ambiente antes que os olhares começassem a me sufocar.
— E papai?
— Vai ficar um pouco mais — ela respondeu com naturalidade. — Deve conversar com Alexander.
Essas palavras despertaram algo dentro de mim. Meu pai e Alexander… sozinhos. Sabia que a conversa entre eles não seria apenas sobre negócios.
Nos despedimos formalmente, e o próprio Alexander acenou em nossa direção de onde estava, junto à lareira, ao lado de meu pai. Seu rosto, como sempre, inexpressivo. Mas seu olhar me acompanhou até a porta. Um olhar que queimava, mesmo quando frio.
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- ALEXANDER -
A festa tinha terminado, mas ele não relaxava. Ainda mantinha a coluna reta, a expressão sóbria e os olhos atentos. O salão agora estava quase vazio, com poucos seguranças e dois conselheiros ao fundo, murmurando alguma coisa entre taças esquecidas.
Carlos, pai de Aurora aproximou-se com passos firmes, mas mais lentos do que anos atrás. Envelhecera com dignidade, mas o cansaço agora era visível nas feições.
— Ela é uma mulher, não mais uma menina. — disse, direto.
Alexander virou-se lentamente, oferecendo ao velho amigo um copo de whisky. Carlos aceitou, mas não bebeu.
— Você dançou com ela por último. Sabia que isso teria peso.
— Foi necessário — respondeu Alexander, sem pressa. — Uma mensagem.
— A quem? — Carlos estreitou os olhos. — Àqueles que estão de fora ou à própria Aurora?
Alexander não respondeu de imediato. Girou o líquido âmbar no copo, observando-o como se houvesse algo importante ali dentro. Por fim, ergueu os olhos e disse com a voz baixa, mas firme:
— Ela é valiosa. Inteligente. Observadora. A presença dela causa impacto. Isso deve ser reconhecido.
— E você pretende o quê, exatamente?
Alexander manteve o silêncio. A pergunta estava no ar, mas ele não era homem de ceder a pressões, nem mesmo de antigos aliados.
— Você sabe o que essa dança representou. — Carlos insistiu, com um tom mais grave. — Não a envolva num jogo que ela não entende por completo. Aurora é minha filha.
— E eu sou o Don. — disse Alexander, finalmente encarando-o. A voz era baixa, mas carregada de autoridade. — Não preciso justificar meus movimentos. Mas posso garantir uma coisa, Carlos: não faço nada por capricho.
O pai de Aurora respirou fundo, o maxilar tenso. Ele conhecia Alexander bem demais. Sabia que a resposta vaga era proposital. E sabia também que, se o Don tinha um plano, ninguém o impediria.
— Se você pretende unir famílias... — Carlos começou, mas foi interrompido.
— Se eu pretender qualquer coisa, Carlos, você será o primeiro a saber. Mas não antes da hora. — Alexander se aproximou um passo, a presença imponente. — Eu não tomo decisões por emoção. Nem jogo com as peças erradas.
Carlos segurou o olhar do Don por alguns segundos e então assentiu, em silêncio. Sabia que havia muito mais por trás daquele gesto simples — da dança, do convite, do olhar prolongado.
Alexander voltou-se para a janela, onde a noite escura engolia os jardins da propriedade.
Sim, ele tinha um plano.
E Aurora fazia parte dele.
Não apenas como uma jovem promissora.
Mas como peça-chave para o equilíbrio entre lealdade, poder…
E algo mais que ele ainda não queria nomear.
Ainda não.
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Atualizado até capítulo 37
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