A mansão de Alexander parecia ter saído de um quadro renascentista naquela noite. Tudo era dourado, veludo, cristal. A luz das centenas de castiçais espalhados criava sombras dançantes nas paredes e fazia os convidados parecerem personagens de um outro tempo — todos em seus melhores ternos, vestidos de seda e joias discretas, mas indiscutivelmente caras.
O salão principal estava repleto de pessoas importantes. Mafiosos disfarçados de empresários, esposas sorridentes com olhos atentos, filhos herdeiros treinados desde o berço para cumprimentar com firmeza e não confiar em ninguém.
No topo da escadaria, ao lado do meu pai e de Isadora, respirei fundo.
Minha entrada foi calculada. Degrau por degrau, com passos seguros. O vestido vermelho se movia como fumaça ao meu redor, deixando um leve rastro de perfume no ar.
Eu sabia quem estava me observando.
Não olhei em sua direção. Não precisava. A atmosfera denunciava sua presença.
Alexander estava encostado próximo à lareira, conversando com um homem de barba grisalha e expressão tensa. Seu terno era impecável. Azul-escuro, quase preto, e tão bem cortado que parecia feito sob medida — porque certamente era.
Seu copo de whisky estava pela metade. Seus olhos, no entanto, não estavam na conversa.
Estavam em mim.
Mas apenas por um momento.
O suficiente para eu sentir.
A música começou devagar, um quarteto de cordas tocando uma valsa clássica. O ambiente se suavizou, os tons de conversa diminuíram e todos sabiam o que aquilo significava.
A dança de abertura.
Alexander se posicionou no centro do salão com naturalidade. A música parecia se ajustar à sua presença, como se também ela soubesse quem estava no comando.
Por um instante, achei que ele chamaria alguma esposa de figurão influente. Ou simplesmente uma convidada de status alto o suficiente para fazer sentido político.
Mas foi Isadora quem se aproximou dele, com um sorriso leve, voz baixa e segura. Estava impecável, como sempre, com um vestido verde-esmeralda e aquele jeito de quem sabe exatamente onde está pisando.
Encostou-se a ele com um gesto delicado, e eu vi seu sorriso ganhar um toque de malícia quando disse algo que não pude ouvir.
Mas entendi quando Alexander se virou em minha direção.
O salão inteiro pareceu prender a respiração.
Por um instante, quase imperceptível, ele hesitou. Só eu perceberia aquilo. Só eu saberia distinguir a pausa exata entre o “não devo” e o “vou fazer”.
E então, estendeu a mão.
Com um simples gesto, Alexander Walter me escolheu para abrir a dança.
Caminhei até ele com a calma que só quem entende o peso de um gesto pode ter. Cada passo meu era um fio sendo puxado nesse jogo silencioso.
Quando nossas mãos se tocaram, a corrente se fechou.
— Senhorita Aurora. — disse ele, como se fosse uma formalidade qualquer.
— Don Alexander. — respondi, com os olhos fixos nos dele, mesmo que nossas mãos já estivessem unidas e nossos corpos a centímetros de distância.
A palma dele era grande, dura — a de um homem acostumado a comandar, não a ceder. Quando a outra mão pousou nas minhas costas nuas, senti a pele se arrepiar sob o cetim do vestido. Ele percebeu.
Claro que percebeu.
— Está nervosa? — perguntou, baixo, com a voz grave deslizando entre a música e os sussurros do salão.
— Deveria estar? — retruquei, elevando o queixo, o olhar firme no dele.
Os olhos de Alexander se estreitaram com algo entre divertimento e ameaça.
— Talvez.
E então giramos.
A dança era precisa. Clássica. Mas havia algo nela que rompia qualquer ideia de protocolo. O modo como ele me guiava — sem esforço, como se já soubesse onde eu queria ir antes de eu mesma saber. A forma como me olhava, sem pressa, como se decifrasse cada camada minha em silêncio.
— Quando foi a última vez que dançou? — perguntei.
— Agora.
O sorriso dele foi pequeno. Quase imperceptível. Mas estava lá.
A tensão se acumulava nas entrelinhas. No toque dos dedos, no ritmo ritmado demais, quase íntimo demais para um salão tão cheio. Ele mantinha a postura impecável, mas os olhos...
Os olhos me despiam.
Não com lascívia, mas com curiosidade. Como se quisesse entender onde começava a mulher que o encarava sem medo — e onde terminava a menina que ele havia deixado para trás anos antes.
Não havia palavras.
Nem sorrisos.
Nem sequer um toque mais ousado do que o protocolo permitia.
Mas havia algo entre nós.
Uma tensão subterrânea, contida. Como cordas de um instrumento afinadas no limite — um toque a mais, e tudo romperia.
Durante a dança, ele não desviou o olhar uma única vez. E eu também não. O salão inteiro desapareceu. Não havia pai, madrasta, convidados. Só aquele momento em que ele me conduzia com firmeza e leveza ao mesmo tempo. O controle dele era absoluto. E, ainda assim, havia um traço de cuidado no modo como sua mão repousava em minha cintura.
Quando a música atingiu o ápice, ele me puxou com mais firmeza para o último giro. Meu corpo se colou ao dele por um segundo mais do que o necessário. Meu rosto próximo ao seu. E então aplausos surgiram.
E ele se afastou.
Devagar. Quase cruelmente contido.
Alexander soltou minha mão e apenas murmurou:
— Obrigado pela dança, senhorita Aurora.
E se afastou como se não tivesse acabado de incendiar o salão inteiro com o simples contato de dois corpos.
Mas eu sabia.
E ele também.
Isadora apareceu ao meu lado segundos depois, com uma taça em mãos e o sorriso afiado de quem vê o que os outros fingem não notar.
— Dancei com ele anos atrás. — disse ela, casual. — Mas nunca foi assim.
— Assim como?
Ela olhou para mim, com os olhos cintilando de ironia e algo que parecia... apreensão.
— Como se o mundo tivesse parado só para ver vocês dois se olharem.
Eu virei a taça de champanhe sem responder.
Porque ela estava certa.
E o mundo, de certa forma, tinha parado mesmo.
Mas só nós sabíamos disso.
Horas se passaram.
As taças tilintavam, risos preenchiam o ambiente, e Alexander era o centro de tudo. Mas ao mesmo tempo, parecia alheio. Ele caminhava entre os convidados como um rei em seu território recém-reconquistado. Falava pouco, ouvia com atenção, e sua presença era o suficiente para silenciar qualquer sala ao entrar.
Vi meu pai se aproximar dele em certo momento. Conversaram com o tom de velhos conhecidos, mas era evidente quem ditava o ritmo. Alexander ouvia com paciência, assentia, mas havia algo nos olhos dele que não se curvava a nada — nem mesmo ao passado.
— Ele parece outro homem. — ouvi Isadora comentar com um figurão que mal escondia o suor sob o colarinho.
— Não. — respondeu o outro. — Ele só tirou a máscara. Sempre foi isso. Só que agora não precisa mais fingir nada.
Mais tarde, já perto da varanda interna, Alexander se posicionou no topo dos degraus, com uma taça de vinho tinto nas mãos. O salão todo, como que ensaiado, se calou.
Era o momento.
A apresentação oficial.
Ele não sorriu. Não brincou. Não agradeceu com palavras vazias.
Sua voz cortou o ar como navalha.
— Agradeço por estarem aqui esta noite. — disse, firme. — Esta não é apenas uma comemoração pela minha volta.
Fez uma pausa.
— É um aviso.
As pessoas prenderam a respiração.
— Os que permanecerem ao meu lado terão paz. Negócios limpos. Proteção. — olhou ao redor, lento. — Os que ousarem desafiar isso... não terão nada além de silêncio.
Ninguém se atreveu a rir. Nem mesmo os aliados.
Alexander levantou a taça, sem mudar o tom.
— Aos novos tempos.
— Aos novos tempos. — repetiram todos, quase em uníssono.
o recado estava dado. Claro. A noite era de celebração, mas também de reafirmação. O Don estava de volta — e ele não pediria permissão para reinar.
Eu levantei minha taça junto aos outros, mas meus olhos estavam fixos nele.
E naquele instante, mesmo entre dezenas de pessoas, foi como se estivéssemos novamente sozinhos.
Silenciosos. Mas atentos.
Sabendo, os dois, que tudo aquilo era só o começo.
Ele não era apenas um homem.
Era uma força.
E agora, todos sabiam disso.
Inclusive eu.
Sob a luz dourada e os olhos atentos do poder, algo dentro de mim se firmou também.
Porque naquele jogo perigoso, não havia espaço para inocência.
Nem para distração.
E eu acabava de aceitar meu lugar no tabuleiro.
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Atualizado até capítulo 37
Comments
Juci
comecei hoje tô adorando. É minha terceira história
2025-06-11
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