...Emily Narrando...
Saí da boate e mandei uma mensagem para Isabel, não queria que ela ficasse me procurando, apesar de esta tão envolvida com um paquera que acho bem difícil ter percebido tudo que aconteceu.
As ruas desertas estendiam-se à minha frente, iluminadas pelos postes que projetavam sombras longas e solitárias. O silêncio da madrugada só era interrompido pelo som dos meus próprios passos, arrastados e pesados, como se eu carregasse o peso do mundo nas costas. Uma brisa gelada corria entre os prédios, arrepiando minha pele e me fazendo abraçar o próprio corpo, tentando encontrar um pouco de conforto em meio ao desamparo.
Cada passo era uma fuga do pesadelo que eu havia acabado de viver, mas a cada esquina, a cada pedaço de asfalto que eu deixava para trás, sentia como se Victor ainda estivesse atrás de mim, observando, rindo silenciosamente da minha tentativa de me libertar. Eu queria correr, queria desaparecer naquele frio que me cortava, mas sabia que o verdadeiro frio estava dentro de mim, congelando qualquer esperança que eu tivesse ousado sentir.
Meus pensamentos vagavam, inquietos, e eu não conseguia evitar que a imagem daquele homem na boate surgisse de novo, ocupando minha mente como uma memória recente, mas já tão dolorosamente inalcançável. Ele havia olhado para mim de uma forma diferente, de uma maneira que fez meu coração bater mais rápido, despertando uma emoção que eu mal reconhecia, um sentimento quase esquecido. A intensidade dos olhos dele, o leve sorriso que ele havia esboçado, tudo era tão único.
Mas então Victor me encontrou. Seu toque rude e possessivo havia quebrado qualquer faísca de esperança que aquele estranho despertara em mim, esmagando-a como se fosse uma flor frágil sob seu peso cruel. E ali estava eu, vagando pelas ruas, sentindo-me derrotada, humilhada, e, acima de tudo, prisioneira de um destino que não era meu.
Passei em frente a algumas vitrines fechadas. O reflexo me devolvia a imagem de alguém que eu mal reconhecia: uma garota de olhar perdido, com a pele pálida, os olhos inchados. Um fantasma de quem eu fui um dia. Me perguntei o que havia acontecido com a Emily que sonhava, que acreditava em um futuro onde poderia ser livre e feliz. Onde estava aquela versão de mim que um dia havia sido cheia de vida? Agora, tudo o que restava era uma sombra, uma garota cujos passos eram guiados pelo medo.
O que mais doía, talvez, fosse saber que, no fundo, eu sabia onde tudo desmoronou. Eu me lembrava do momento exato em que meus sonhos foram arrancados de mim, quando precisei abandonar tudo para cuidar da minha mãe. E depois, quando a dívida que assumi para ajudá-la se tornou um fardo maior do que qualquer um poderia suportar. Victor era o preço que paguei por querer salvar quem eu amava, mas, agora, ele também era o preço que me impedia de amar qualquer outra coisa.
Andei até um pequeno parque. A grama estava úmida de orvalho, e as árvores se erguiam como guardiãs silenciosas, observando minha solidão. Me sentei em um banco vazio, deixando que a madrugada me envolvesse em seu abraço gelado. Finalmente, permiti que as lágrimas descessem. Era um tipo de libertação silenciosa, quase imperceptível, mas que eu tanto precisava. Cada lágrima era uma gota do desespero que eu havia guardado dentro de mim, escondido do mundo, porque ninguém entenderia o peso que era viver com uma sombra como Victor me perseguindo, sempre presente, sempre me lembrando de que eu era dele.
O que ele havia dito ainda ecoava em minha mente: “Você é minha, Emily, minha.” Aquelas palavras, tão definitivas e frias, ainda causavam um calafrio em mim, como se fossem correntes invisíveis que ele havia amarrado ao meu redor. A cada tentativa de me libertar, elas apertavam mais, deixando cicatrizes que ninguém podia ver, mas que eu sentia profundamente.
Entre um soluço e outro, meus pensamentos voltaram para o desconhecido da boate. Ele havia sido um lampejo de algo bom, algo que eu quase não acreditava mais que pudesse existir. Por um segundo, eu havia me permitido sonhar com uma vida onde aquele medo não existisse, onde eu pudesse olhar para alguém e me sentir segura, protegida. Mas agora, com a realidade se impondo como um golpe de punho fechado, percebia o quanto esse desejo era distante, quase ingênuo.
A madrugada avançava e, pouco a pouco, os sons da cidade começavam a despertar. Carros passavam ao longe, e um ou outro pedestre surgia, apressado, com os olhos fixos no celular, alheios ao desespero estampado no meu rosto. A verdade é que o mundo continuava girando, implacável e indiferente, enquanto eu afundava cada vez mais no meu próprio desespero. Eu me perguntava se alguém ali, alguém qualquer, poderia perceber a dor que eu carregava, a prisão em que eu vivia.
Fechei os olhos por um instante e, por um momento, imaginei uma realidade em que Victor simplesmente não existisse. Onde eu pudesse ser apenas Emily, livre para viver, para amar, para existir sem temer o próximo toque, a próxima ameaça. Era uma fantasia doce, mas que me deixava ainda mais amarga ao perceber o quanto estava fora do meu alcance. Cada vez que pensava em me afastar, cada vez que sonhava com um futuro diferente, Victor me puxava de volta, me lembrando do preço que eu pagaria por ousar ser feliz.
Mas, naquele banco de praça, sozinha na madrugada, permiti-me sonhar. Fechei os olhos e imaginei uma vida em que eu poderia andar pelas ruas sem medo, onde o toque de alguém fosse apenas um gesto de carinho, e não uma corrente que me prendesse. E, nesse sonho, aquele homem da boate estava lá, sorrindo para mim, estendendo a mão como se me convidasse a seguir em frente, a acreditar que eu poderia, sim, ser livre.
Quando finalmente abri os olhos, a madrugada já começava a dar lugar ao amanhecer. O céu, tingido de um azul suave, parecia anunciar o começo de um novo dia, mas para mim, nada mudava. Eu continuava acorrentada, presa a um destino que não era meu, mas que me consumia dia após dia. Ainda assim, algo em mim resistia, uma pequena chama que, mesmo diante da escuridão, continuava a brilhar.
Levantei-me do banco e voltei a andar, com passos lentos e exaustos, mas algo dentro de mim havia mudado, ainda que minimamente. Eu sabia que Victor estava lá fora, esperando, pronto para me encontrar a qualquer momento. Mas, enquanto eu pudesse continuar sonhando, por menor que fosse o sonho, ele nunca teria controle absoluto sobre mim.
Assim que cheguei em casa, fui direto para o banheiro, tentando lavar o peso que sentia com uma ducha rápida. A água escorria pelo meu corpo, mas não conseguia levar embora a tensão que me perseguia. Vesti-me e fui para o quarto em silêncio, onde minha irmã dormia tranquilamente. Olhei para ela, tão serena, e uma ponta de medo tomou conta de mim. O aniversário de dezoito anos dela se aproximava, e eu temia que o seu destino fosse tragicamente igual ao meu. Eu precisava protegê-la, garantir que não enfrentaria as mesmas sombras que ainda me envolviam. Sabia que, enquanto eu respirasse, não deixaria que ela passasse por tudo aquilo que eu vivi e continuo vivendo.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 47
Comments
Solange Araujo
Lá vem nossa Autora, menina são 3hrs e eu lendo e meu marido roncando 💤
2025-02-20
0
Diana Ferro
bem assim marido dormindo e nois maratonando
2025-02-26
0
Ana Shirley
Isso nao e vida muito triste
2025-01-08
0