Capítulo 10: Lívia e Lucas: duas vidas, sem aliança

Sair do cartório não foi apenas uma formalidade; foi como se eu tivesse deixado uma parte de mim para trás, enquanto outra se afundava em um abismo profundo. O peso no meu peito era insuportável, uma âncora que me puxava para o fundo, me impedindo de respirar com facilidade. Caminhei até meu carro com passos firmes, mas o olhar vazio e distante. Minha mãe segurava a certidão de casamento com mãos trêmulas, talvez tão atordoada quanto eu, como se aquele papel pudesse representar não apenas um novo começo, mas também um fim doloroso.

Lucas ficou para trás, cercado por sua família. A expressão em seu rosto era um misto de confusão e desilusão, enquanto os olhos de todos ao redor lançavam acusações silenciosas. Eu sabia que Dona Ester e sua mãe, não estava satisfeita com a cerimônia simples que havíamos tido. Uma sombra de descontentamento pairava sobre elas, e eu podia imaginar suas palavras cortantes ecoando na minha mente: “Família Montenegro não faz esse tipo de casamento.” Era como se um peso ainda maior estivesse prestes a ser colocado sobre meus ombros.

Mas naquele momento, minha prioridade era clara: o hospital. Subi no carro com a determinação de quem busca escapar da tempestade que se formava ao meu redor. Não permitiria que a tristeza me dominasse; precisava ser forte.

"Isso não vai ficar assim," ouvi Dona Ester dizer mais tarde, através das palavras da minha mãe. O tom dela era firme e decidido. "Quero uma cerimônia religiosa, uma celebração à altura." Era como se ela estivesse traçando um plano para reescrever nossa história.

Lucas, segundo minha mãe, apenas assentiu diante da determinação da mãe de e da avó. A força para discutir parecia ter desaparecido junto com a minha saída do cartório. Sua expressão vazia refletia a confusão que sentia em relação à minha atitude. Eu não era a mulher que Francine havia descrito para ele; eu era muito mais complexa do que as palavras dela podiam alcançar. Mas essa revelação não parecia aliviar sua desconfiança; pelo contrário, só aumentava o abismo entre nós.

Enquanto Lucas se dirigia para sua cobertura no centro da cidade, eu seguia em direção ao hospital. O tempo parecia escorregar entre os meus dedos enquanto eu me perdia em pensamentos durante o estágio. Não estava pronta para encarar a nova casa que agora iríamos compartilhar – a “nossa casa”, como todos diziam. E Francine? Ela estava furiosa por não conseguir contato com Lucas o dia todo. Eu poderia ver o ódio em seus olhos quando pensava na situação.

Lucas deixou seu apartamento e seguiu para a casa que sua avó nos deu de presente. Lá dentro, ele parecia ainda mais perdido do que antes, como se as paredes daquela casa fossem estranhas e frias demais para confortar aquele momento.

Quando finalmente retornei para casa, exausta e ansiosa, respirei fundo antes de abrir a porta. A casa era esplêndida, decorada com um requinte que apenas Dona Ester poderia proporcionar – cada detalhe meticulosamente escolhido para criar um ambiente aconchegante e sofisticado. Mas a beleza do lugar não conseguia esconder o vazio emocional que pairava no ar.

Subi as escadas devagar, sentindo o peso do dia em cada passo arrastado. Quando cheguei ao topo, dei de cara com Lucas saindo de um dos quartos.

"Suas coisas estão no quarto do final do corredor," ele disse secamente.

"Obrigada, respondi sem emoção alguma, seguindo seu conselho sem olhar para trás. Eu estava cansada demais para qualquer tipo de confronto ou discussão; tudo o que queria era mergulhar em algum tipo de paz interior e tomar um banho.

Ao entrar no quarto designado para mim, percebi que ele era confortável – talvez até bonito – mas claramente inferior do que qualquer quarto da casa, mas não disse nada pois tenho certeza que Lucas fez de propósito. Aquilo não me surpreendeu; na verdade, parecia ser o esperado. No entanto, por algum motivo inexplicável, isso deixou Lucas desconfortável. Mais tarde naquela noite, ouvi seus passos vagando pela casa como se Lucas estivesse perdido em seus próprios pensamentos.

Depois de tomar um banho revigorante e vestir algo confortável – um short e uma baby look – desci até a cozinha em busca de algo simples para comer. A fome apertava meu estômago e precisava saciar com algo feito por mim mesma.

Lucas estava sentado no sofá distraído com seu celular quando passei pela sala; seus olhos me seguiram cautelosamente enquanto eu ignorava sua presença e abria os armários à procura dos ingredientes necessários para preparar algo rápido.

O ambiente da cozinha era lindo e funcional; porém sentia uma ausência palpável: calor humano e aconchego estavam ausentes daquele espaço tão bem decorado. Mesmo assim, decidi fazer o jantar com todo cuidado possível.

Enquanto cozinhava e deixava os aromas tomarem conta da casa silenciosa, comecei a cantar baixinho uma canção qualquer – uma tentativa inconsciente de aliviar a tensão acumulada entre nós dois.

Quando o cheiro da comida começou a se espalhar pela casa como um abraço acolhedor, ouvi passos leves atrás de mim. Lucas apareceu na porta da cozinha com uma expressão surpresa pintada em seu rosto.

"Você está cozinhando?" ele perguntou hesitante.

Virei-me segurando a colher de pau e respondi simplesmente: "Sim. Algo está errado nisso?"

Ele me olhou como se eu tivesse dito algo absurdamente inesperado: "Eu pensei que você ia só esquentar algo no micro-ondas," confessou ele com incredulidade evidente na voz.

Não respondi imediatamente; apenas voltei minha atenção à panela fervendo à frente de mim enquanto seus olhos continuavam fixos em mim como se eu fosse um enigma intrincado demais para ser decifrado. Após alguns segundos silenciosos observando-me trabalhar na cozinha sem mais palavras trocadas entre nós dois, ele finalmente se sentou à mesa sem dizer mais nada.

Enquanto terminava o jantar sob o olhar atento dele, pensava em como tínhamos chegado até ali – duas almas perdidas e unidas por circunstâncias além do nosso controle, nem de longe parecia que fomos amigos um dia. Eu sabia que Lucas não confiava em mim; acreditava nas mentiras contadas por Francine sobre quem eu realmente era ou poderia ser. Mas não estava disposta a me explicar ou justificar minhas ações; não queria ser vista como uma manipuladora ou vilã nessa história tortuosa. Eles dois que se ferrassem, minha paz de espírito era muito mais importante e ele já é bem grandinho.

Ele queria um casamento superficial; então seria exatamente isso que eu seria: invisível em sua vida cotidiana – apenas uma sombra no fundo daquela nova casa tão linda quanto fria.

No entanto, naquele momento íntimo entre panelas e pratos fumegantes servidos à mesa cuidadosamente posta à nossa frente percebi algo sutilmente diferente: Lucas estava ali comigo agora mesmo! Por mais frio e desconfiado que parecesse exteriormente havia uma centelha curiosa dentro dele – quase como se estivesse tentando entender quem eu realmente era por trás das aparências enganadoras!

Sentei-me à mesa sem dizer uma única palavra; ele fez o mesmo ao nosso redor pairava um silêncio pesado – mas não aquele tipo confortável! Era carregado por todas as palavras não ditas entre nós dois! Todas as perguntas pairavam no ar esperando respostas...

Mas ele comeu e repetiu.

Após o jantar silencioso subi até meu quarto fechando cuidadosamente a porta atrás de mim buscando qualquer momento possível de paz interior! Deitei-me na cama olhando fixamente para o teto branco enquanto pensava sobre como minha vida mudou tão rapidamente! Agora estava casada com um homem que desconfiava completamente das minhas intenções!

Era surreal perceber que estávamos presos nessa aliança forçada tentando sobreviver ao caos emocional que nos cercava! Enquanto isso, Lucas ficou na sala provavelmente refletindo sobre tudo aquilo também!

E assim começamos nossa nova vida juntos! Duas pessoas solitárias navegando pelo desconhecido…

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